Nunca como este ano se investigaram e julgaram tantos processos de criminalidade económico-financeira, envolvendo políticos que ocuparam cargos de topo. E, por isso, muitos ficam com a impressão que, por fim, a Justiça chegou aos poderosos. O desenrolar destes casos levará a uma conclusão mais precisa sobre esta questão, mas, por agora, 2014 já contabiliza um invulgar número de condenações neste campo.
Exemplo disso é a pena aplicada ao ex-líder parlamentar do PSD, Duarte Lima, que apanhou 10 anos de prisão efectiva no caso Homeland. A ex-ministra da Educação, Maria de Lurdes Rodrigues, ficou-se pelos três anos e meio de prisão, com pena suspensa, mas não evitou registar no currículo um crime de prevaricação de titular de cargo político. Preso preventivamente está o antigo primeiro-ministro José Sócrates e o ex-presidente do Instituto dos Registos e do Notariado, António Figueiredo, que esteve uma década a ocupar um alto cargo da Administração Pública, sobrevivendo a governos de esquerda e de direita.
Armando Vara, o mais mediático dos arguidos do Face Oculta, não escapou à condenação ADRIANO MIRANDA |
Talvez, por isso, a conversa foge-lhe para a desigualdade de armas. “A defesa de cada arguido tem 60 dias para apresentar o recurso, eu tenho os mesmos 60 dias para responder a todos os recursos interpostos”, constata. Mesmo assim não ensaia um discurso miserabilista. “Os meios ao dispor da investigação criminal são suficientes para processos bem-sucedidos. Não são óptimos, mas permitem boas investigações”, considera. Para o sucesso de investigações como o Face Oculta destaca a coesão entre Ministério Público (MP) e Polícia Judiciária (PJ). “É necessário um entendimento perfeito do que são as competências de cada um”, sublinha. A criação de um núcleo duro coeso e fechado que dirija as investigações é outra receita que subscreve. “No processo Face Oculta não havia mais de quatro ou cinco pessoas com conhecimento integral do processo: duas no Ministério Público e duas ou três na PJ. E havia reuniões quase diárias da equipa”, conta.
“Os meios ao dispor da investigação criminal são suficientes para processos bem-sucedidos. Não são óptimos, mas permitem boas investigações”
Mas há outros aspectos que gosta de destacar. “Foi um dos primeiros casos em que a defesa teve acesso a uma cópia digital do processo na altura em que foi feita a acusação”, recorda. Para Carlos Filipe 2014 foi também o ano do reconhecimento. Foi inspeccionado e teve direito a um Muito Bom, que lhe permitiu subir na carreira. Em Setembro passou ao segundo dos três patamares do Ministério Público: procurador da República. A subida determinou a saída de vogal do Conselho Superior do Ministério Público, já que tinha sido eleito pelos pares para representar os procurador-adjuntos, categoria a que deixou de pertencer.
Para 2015, tem outros desafios. Insiste em lutar por uma investigação criminal centralizada numa polícia judiciária única, totalmente independente do poder executivo, e dependente hierarquicamente do Ministério Público. Não esquece que no modelo actual a direcção da PJ é subordinada ao ministro da Justiça, tendo este poder para a demitir. Mas recusa-se a ver defeitos em tudo. Concorda com o princípio “saudável” da especialização, uma das traves mestras da reforma do mapa judiciário, mas lamenta que se tenham criado dificuldades acrescidas de acesso à justiça no interior.
“As fugas de informação nunca aproveitam a acusação. Aproveitam às defesas, que as usam para se vitimizarem” ENRIC VIVES-RUBIO |
Responde assim às críticas que tantos apontam às violações do segredo: “Esse é um falso problema, que transforma o principal em acessório”. É como virar o bico ao prego, na gíria popular. “Quantas fugas ocorrem antes do momento em que há diligências que tornam o processo público?”, questiona o procurador, ao lembrar que a reforma penal de 2007 obrigou a que informação detalhada sobre o inquérito seja integrada nos mandados de busca e detenção. “Muito poucas. As fugas de informação nunca aproveitam a acusação. Aproveitam às defesas, que as usam para se vitimizarem”, acredita. Por isso, pega numa sigla em voga e adapta-a. “Chamo-lhe a estratégia do D.D.T - como era conhecido o presidente do BES, Ricardo Salgado, chamado o Dono Disto Tudo- Descredibiliza/Descentraliza e Torpedeia a investigação”, refere. E acrescenta: “Esta questão faz parte do processo de vitimização a partir dos quais se fazem as próprias defesas”.
36 Arguidos condenados no processo Face Oculta, que julgou uma alegada rede de corrupção dirigida por um empresário de Ovar
Mas faz questão de sublinhar que estas violações não têm qualquer reflexo processual. “Apenas mediático”. A avaliação serve como uma luva ao coro de protestos após a detenção de Sócrates, que alegadamente foi filmado minutos após ter sido detido. Não ignora que sobre os suspeitos recaem muitas vezes no plano público uma presunção de culpa e não de inocência, como a que vigora no processo. Mas não responsabiliza a Justiça por isso. “Estudos à percepção da corrupção mostram que 90 por cento dos portugueses acreditam que Portugal é um país de corruptos. Qualquer fumo de corrupção, justificado ou não, resulta numa presunção de culpa que funciona de forma automática”, afirma.
Admite que haja magistrados que gostem dos holofotes da fama, mas não acredita que seja isso que os move. E lamenta a manutenção de uma sociedade amorfa, demasiado ocupada com o dia-a-dia e sem sentido crítico da realidade. “Não temos uma opinião pública, temos opinião publicada. Os cidadãos recebem as notícias de forma acrítica, o que acontece igualmente aos comentários das figuras de referência da República”, remata.
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