Recordo que Cavaco distinguiu Dias Loureiro com a sua amizade e Oliveira e Costa com o lugar de secretário de Estado dos Assuntos Fiscais.
A recusa de fazer chegar um parabém a Carlos do Carmo acrescenta honra à semana já honrosa do fadista.
Foi dos mais belos ultrajes que já vi, uma das mais dignificantes desconsiderações que o Presidente já concedeu.
Há um poema de Bertolt Brecht (que também nunca foi felicitado por Cavaco Silva) em que um escritor descobre, horrorizado, que as suas obras não constam da lista de livros que os nazis pretendem queimar em público, e escreve uma carta indignada ao governo a exigir que o queimem também. Suponho que haja, neste momento, várias pessoas condecoradas ou parabenteadas por Cavaco a passar por uma indignação semelhante. Porque é que Carlos do Carmo e José Saramago merecem o menosprezo do Presidente e elas não? Que mal fizeram elas ao País para terem caído nas boas graças de Cavaco?
O que nos leva a uma reflexão mais profunda sobre o mérito de Carlos do Carmo. Sim, é um excelente cantor e um nome cimeiro do fado. Mas fez assim tanto para ser abominado por Cavaco? Cristiano Ronaldo e o ciclista Rui Costa também parecem ser pessoas decentes, e no entanto foram felicitados pelo Presidente, quando ganharam, respectivamente, uma Bola de Ouro e uma Volta à Suíça. Há filhos e enteados, nisto dos desdéns que enobrecem?
Talvez Cavaco não tenha agraciado Carlos do Carmo com o seu desprezo propositadamente. Há outros factores que podem ter levado o Presidente a distinguir o fadista com esta ausência de congratulações. Uma chamada local custa 0,0861€ no primeiro minuto e 0,0391€ por minuto nos minutos seguintes, já com o IVA incluído. A factura de um telefonema de felicitações a Carlos do Carmo poderia ascender a cerca de um euro, porque todos sabemos como são estes fadistas quando a gente os saúda pelo telefone: nunca mais se calam.
É isto, e aquilo, e os tempos da Severa, e quando damos por ela estamos ao telefone há mais de cinco minutos. Um telegrama tem a vantagem de não fazer falar o fadista, mas custa à volta de três euros.
Ora, Cavaco já disse que o dinheiro não lhe chega para as despesas, e no fim do ano passado já felicitou o tenista João Sousa pela vitória no torneio de Kuala Lumpur: "Não posso deixar de dirigir uma felicitação muito, muito sincera e com um grande sublinhado porque projecta o nome de Portugal para o 'top' daqueles que se destacam na prática do ténis".
Deve ter sido uma felicitação dispendiosa, porque era muito, muito sincera e incluía um grande sublinhado. Até 2015, não deve ter orçamento para mais parabéns.
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