ALBERTO PINTO NOGUEIRA
28/04/2014
Regressavam ao cair da tarde, das borgas de putos no areinho da margem esquerda da Foz do Douro. Da aprendizagem precoce da vida nas dunas da praia. Eram todos pobres.
Os pais pegavam de madrugada ao trabalho. Chegavam noite dentro. Dispunham de muito pouco tempo para os filhos. Ao sábado, recebiam a féria. Em moedas de escudo. Ao domingo, iam à missa. Ficavam por ali a conversar, à entrada e à saída.
Jogavam futebol na rua, com bolas de trapos. Nunca havia trânsito. Só um automóvel na freguesia e carros de bois que rangiam no transporte de produtos agrícolas.
A freguesia fica a oito ou nove quilómetros do Porto. Havia uma carreira de madrugada para a cidade, outra de regresso muito à noite.
O eléctrico ficava a poucos quilómetros da freguesia. Viajavam gratuitamente, pendurados na traseira para o Porto, se o cobrador permitia. Esbugalhavam os olhos com a grandeza da cidade! Lançavam-se aos magotes pelo Mercado do Bolhão. Na passagem, mãos ladinas palmavam peças de fruta dos açafates e tabuleiros das vendedeiras. E fugiam.
Pobre tem necessidade de tudo. De alimentação muito pequenina quando falha de tudo em casa. Na escola, era completada com leite e sandes de queijo amarelo da Caritas Portuguesa.
O vestuário muito rapadinho não defendia do tempo que estivesse. Sem roupa e sem calçado. Todos iam descalços. Não havia casacos ou outros vestuários protectores. A escola não era aquecida. Nem tinha água, nem saneamento.
A turma viveu, nesses quatro anos, momentos preponderantes. A comunhão solene. Todos de fatinho bem lavado, passado a ferro. Na maioria dos casos emprestado. Um fez o discurso ao padroeiro da freguesia. Houve almoço melhorado.
A inauguração da nova escola pelo Sr. Governador Civil. Todos vestidinhos e calçados. De igual e de verde. Por uma tarde, vestiram, com o orgulho que empresta uma farda, o uniforme da Mocidade Portuguesa. Botou-se discurso escrito pelo Sr. Professor. Aplaudido como eram as regras.
Não havia tempo… Era tudo igual a tudo.
De casa para a escola. Desta para a Foz do Douro e para o mar, para os campos de futebol de rua, para assaltos a laranjais e vinhas de gente tão pobre quanto eles. Nas dunas da praia, alguns experimentaram, à maneira de putos de rua, as fantasias do amor. Capitães da Areia de Jorge Amado nos subúrbios do Porto!
A 2.ª ou 3.ª classe trouxeram um elemento novo àquele distanciamento forçado e triste entre pais e filhos. O ensino nocturno da instrução primária para adultos. Muitos foram professores dos próprios pais. Ensinaram contas, a ler e escrever. Os pais aprenderam e completaram ao mesmo tempo que eles o ensino primário.
Aos 10/11 anos, foi tudo trabalhar. Sobretudo para os campos. Poucos para mercearias. Um ou outro para criado de escritório no centro da cidade ou vila.
Volvidos alguns anos foi a tropa. Alguns ficaram por Angola.
Podia ter sido em qualquer aldeia do Norte.
Vida de putos no Portugal de 24 de Abril!
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