quinta-feira, 24 de abril de 2014

O problema deles











No que diz respeito a campanhas eleitorais, alguns dos históricos pesos pesados do PSD são um verdadeiro manual de inabilidade. Se a democracia se pudesse suspender antes do depósito dos votos em urna, Manuela Ferreira Leite seria uma vencedora antecipada. Como defendia a então presidente do PSD em 2008, "a suspensão da democracia" por seis meses seria mais do que bem-vinda para "pôr tudo na ordem". Por não acreditar em "reformas, quando se está em democracia", a ex-líder social-democrata privatizava a democracia para a reformar bem musculada. Difícil imaginar uma declaração tão profunda na crença das virtudes da ditadura como veículo para mudar o Mundo. Sempre imaginei essa declaração como sendo imbatível, um belo laçarote bem dado no papel de embrulho da caixa das mensagens: democracia sim, mas de vez em quando, quando convém. Afinal, foi só preciso suspender o Mundo por meia dúzia de anos para termos uma declaração nostálgica verdadeiramente concorrencial.

Durão Barroso voltou a Portugal e inaugurou oficiosamente a sua campanha à Presidência da República com uma saudação subterrânea aos seus tempos de escola. Sacada ao seu profundo baú de memórias, em faíscas pelas curvas do percurso, a declaração é ela mesma um monstro vivo: o "ensino de excelência no Portugal não democrático" é que era! Vivia vigoroso e musculado antes do 25 de Abril, preso pelos fios de arame dos singelos 6 anos de escolaridade obrigatória e dos cerca de 30% de analfabetos do tempo da ditadura. Pormenores de 1970, já que em 1940 apenas 33% das crianças entre os 7 e os 10 anos frequentavam a escola. Da ex-presidente do PSD e do futuro ex-presidente da Comissão Europeia, não se esperam grandes contributos para a reforma dos manuais escolares.

A "cultura de excelência da escola" barrosista em ditadura é um belíssimo exemplo do reformismo que algumas pessoas alcançam em democracia. Desse ponto de vista, Manuela Ferreira Leite enganou-se em absoluto no que diz respeito à capacidade humana de aproveitar a democracia para se regenerar. Tudo muda quando se pula e avança. O regresso de Durão Barroso a Portugal e o seu particular "balão de ensaio" para as presidenciais (assim apelidou o presidenciável Marcelo Rebelo de Sousa, também ele ávido de um "teste-relâmpago") não podia ter dado melhor tom para a campanha europeia da qual quer sair e para a campanha presidencial na qual quer participar. A educação em liberdade está na ordem do dia.

Àaproximação das comemorações dos 40 anos do 25 de Abril, Assunção Esteves (presidente da AR e, também ela, social-democrata) responde renovando os votos da saudosa educação que já tinha deixado escapar quando citou Simone de Beauvoir no momento em que dava ordem às forças policiais para evacuar as galerias da AR: "não podemos permitir que os nossos carrascos nos criem maus costumes", disse. Agora, perante a vontade dos Capitães de Abril em usarem da palavra nas comemorações das duas décadas da Revolução, mais uma questão de sensibilidade: "o problema é deles". Deles. Não é só um problema de procedimentos, de protocolo ou de regras e excepções. É um problema deles... Basicamente, passe o pormenor, pessoas a quem Assunção Esteves muito deve o uso da palavra. E assim acaba por ser um problema de todos nós.

AA liberdade não é uma terra de ninguém, é uma terra de todos. Neste confronto entre Visões da História vs. Visões da sua história particular, a ampla liberdade contempla a diversidade de opinião, a mudança da mesma, a manutenção das idiossincrasias, o crescimento dos quistos, a não lapidação do granito e a manutenção do mofo. Obviamente, a insensibilidade. O centro da questão recentra-se. A forma despudorada como responsáveis políticos, presidentes e ex-presidentes, abordam a liberdade tem muito mais a ver com o percurso que lhes permitiu olhar de cima para o povo (como uma espécie de espécie autóctone descaracterizada, sem valores, costumes ou cultura) do que com a sua opinião após dezenas de anos de vivência em democracia. Não é, de resto, um problema da social-democracia com falta de tento na sua língua neo-liberal. O teste da educação em liberdade não é laranja, quando muito está em alerta vermelho.



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