ALBERTO PINTO NOGUEIRA
11/04/2014
Tinha 17 anos. Acabara em Junho o então sétimo ano do liceu.
Perguntei como se ia a Lisboa! Nunca tinha saído do Porto e arredores. Ao fim de oito horas no comboio da meia noite, saltava em Santa Apolónia. Lisboa pareceu-me o mundo .
Matriculei-me.
Nos princípios de Outubro, entrei na Faculdade de Direito. O contínuo deu-me o número da cadeira onde passaria a sentar-me. Não conhecia um só colega. Fiquei entre o Alberto Costa e o Alberto do Nascimento. Aquele foi destacado dirigente do Partido Socialista. Este bispo de Angola.
Era totalmente ignorante dos movimentos académicos. Da política, tinha a ideia da obediência e de que o Governo estava certo. Constava da TV a preto e branco. Dos jornais e da rádio. Tudo censurado.
O pensamento e acção políticos diabolizados. Resumiam-se numa minúscula frase: "a minha política é o trabalho". Fátima, futebol e fado.
A Associação Académica era um antro de socialistas, comunistas e outros radicais. Gente perigosa. Sítio não recomendável. Frequentava-a.
O pensamento abriu-se-me.
José Afonso cantou na escola. Foi levado por um bando de frequentadores da faculdade. Musculados, de fato escuro cujo estudo era passear nos corredores. Policiar-nos. Aconchegavam o revólver, escondido, encaixado na cintura. Os “gorilas”!
Salgado Zenha, eminente jurista, depois ministro e parlamentar, foi proibido de falar na sala de alunos sobre direitos humanos.
O Ministério do Interior reprovava a direcção da Associação Académica eleita pelos alunos. Nomeou uma comissão administrativa.
As tropas do capitão Maltez entravam pela faculdade. Levavam nas carrinhas para o Aljube os que apanhavam. De tempos a tempos, as aulas tinham menos alunos. Amigos, colegas ou conhecidos da faculdade e do Instituto Superior Técnico eram presos. Desapareciam durante meses. Levados de noite. À porta das escolas. Regressavam sem nunca serem julgados.
Mais tarde, Ribeiro dos Santos, estudante de Direito, foi baleado pelo polícia política em Lisboa.
Tinha medo de ir às aulas. Mas fui.
Mancebos, alombávamos anos na tropa. Tratados abaixo de tudo nos centros operacionais de preparação para a guerra que durou 13 anos. Vidas cortadas, muitas ceifadas.
Após dois anos numa comarca das Terras do Demo, bati com os ossos no quartel de Mafra. Daqui para Lisboa. Davam-nos a comer o “pão que o diabo amassou”. Outras coisas que também vinham do diabo: a certeza de embarcar para a guerra.
A 25 de Abril, o despertar foi aos solavancos. Que pegasse na G3 e nos homens. Havia movimento de tropas em Lisboa. Gelei. Ao telefone, um oficial informou-me do que se passava.
Descemos a avenida e já não pudemos passar. Carros de guerra, soldados, polícias, gente, um mar de gente.
Sophia de Mello Breyner escreveu e Vieira da Silva pintou: “A poesia está na rua”.
É o que os velhos viveram e os novos conhecem de ouvir e ler.
Uma Constituição da República democrática.
Estado de Direito. Eleições. Reconhecimento na ONU. União Europeia. Saúde Universal. Ensino. Justiça. Liberdades. Parlamento. Partidos Políticos. Igualdade entre homens e mulheres. Respeito pelas diferenças. Direitos sociais e políticos. Maternidade/Natalidade/Infância. Liberdade de imprensa. Sem censura.
Regime democrático.
Liberdade!
Procurador-Geral Adjunto
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