quinta-feira, 24 de abril de 2014

Portugal é metade 40 anos depois




 








1 O essencial do 25 de Abril, nos valores e crescimento educacional, foi transcendente e inquestionável, mas há este dado físico evidente: o país tem hoje "metade" do tamanho. (Esqueçamos as ex-colónias, porque a sua independência era uma questão de tempo). Do ponto de vista histórico, os últimos 40 anos refletem um sistemático abandono do território devido a uma litoralização económica associada a um centralismo profundo. Cobriu-se terra com cimento e betão como nunca na nossa história. Criaram-se subúrbios desqualificados como nos piores exemplos europeus. Adquiriu-se uma ideia de Estado social que, a par da virtude protetora, instalou também o conformismo. Fica uma sensação amarga, como se tivéssemos vivido um tempo no essencial próspero, mas pobre em qualidade ou ideias e onde o "cavaquismo" é talvez o traço mais uniforme na paisagem - com a economia a assumir o valor primordial da sociedade associada a uma ideia vaga de progresso (imobiliário+capital). Estes 40 anos são um reflexo de uma profunda desqualificação de quem liderou o país.

2 Perdeu-se (naturalmente) o peso incomensurável da agricultura no emprego por força da mecanização (e terciarização da sociedade), mas aconteceu-nos abandonar a vocação da terra face ao valor tão baixo da produção agrícola massificada. A seguir, tivemos de limitar a pesca para proteger recursos marinhos. Entretanto, na década de 90, a indústria foi abrandando, com os seus capitães atraídos pelos muito mais rentáveis investimentos na finança e a globalização a entrar por cá sem limites. Finalmente, até a economia dos serviços acabou a claudicar nestes últimos anos (por emigração qualificada e desinvestimento estrangeiro). Quarenta anos depois, há muitíssimo mais défice e dívida, mas menos fome disfarçada (os nossos padrões de fome mudaram), acabou-se com uma significativa mortalidade infantil e também os idosos saíram de um sistema em que frequentemente eram analfabetos e desprotegidos de qualquer pensão de sobrevivência. Dado importante: a vida das famílias das classes "normais" - onde pais, filhos, noras, genros e netos coexistiam tantas vezes sob um mesmo (insuportável) telhado - foi ultrapassada pela maior conquista de todas, o "crédito à habitação". Mas, apesar da casa própria, de trabalho mais qualificado e alguma educação, chegamos a um tempo em que os salários baixos de hoje são parecidos com os salários sem direitos do pré-25 de Abril, gerando mais uma consequência incomum: já estamos abaixo dos 10 milhões de portugueses e tendemos a ser cada vez menos.

3Foi a revolução que falhou? Foram os portugueses no seu baixo estado de educação/informação? Foram os políticos? Interessa mais ver a recuperação da economia real por estes dias. Que assenta num paradoxo: o Portugal cosmopolita, rico e financeiro, parasitado por elites profundamente bacocas e a léguas do mundo do trabalho duro, descobre agora que os parolos ou saloios dos vagos "Norte" ou "província" são o que resta da criação de riqueza nacional/exportadora. Quarenta anos depois, Portugal é o Vale do Ave, Portugal é o eixo do calçado Felgueiras/São João da Madeira. É a indústria metalúrgica e metalomecânica do Norte e Centro. É ainda o investimento alemão (sempre e praticamente só alemão: Volkswagen, Continental, Bosch, Leica, SAP...). É a cortiça. É a madeira e a indústria de aglomerados criada lá atrás por Pinto Magalhães na Sonae (hoje, a uma escala mil vezes maior, obviamente). Os "patrões". Gente que conhecia o rosto dos trabalhadores em vez dos números de Excel para despedir e deslocalizar mais barato para a Ásia.

4Porque temos ainda estas fronteiras? Que nacionalidade quererão ter nas próximas décadas os transmontanos, beirões ou alentejanos com mais laços de vida e negócios com Espanha? O que significará "regressar" a Portugal para muitos dos que partiram? A única certeza que ultrapassa gerações e ideologias é a de que tudo está dependente do equilíbrio entre o homem e a natureza. Não há prazer de viver sem saúde, água, ar, biodiversidade e alimento. Os últimos 40 anos foram desastrosos desse ponto de vista: destruíram o vínculo à terra onde as pessoas nasceram e faziam crescer o que comem. Se não há memória ou terra, não há por que voltar. Sem isso não há nações e soberania. Está na hora de inverter o ciclo.

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