segunda-feira, 28 de abril de 2014

Afectos, fugas, facadas e canários





O Mundo não só mudou; está também mais perigoso, embora mais para uns do que para outros. A afetuosidade é tão determinante na análise como a competência. E os exemplos sucedem-se a ritmo quase alucinante, como ficou vincado nas últimas horas.

O país está vinculado a uma mistura de estados de espírito, entre os tranquilizantes e os esquizofrénicos.

A Justiça, por exemplo, cortou cerce a desculpa do não apuramento de sérias responsabilidades de Duarte Lima nas vigarices envolventes do BPN.

Acusado de vários crimes, findou-se o período de prisão domiciliária com pulseira eletrónica em que Duarte Lima vivia desde maio de 2012. Argumento: já não há perigo de fuga! Assim seja. O país fica mais descansado e espera para ver o resultado. Por pouco que seja, o erário público sempre poupa uns dinheiritos no controlo eletrónico de Duarte Lima. Não se sabe bem quando é condenado, ou absolvido, por parte do saque do BPN. Logo se vê.

Os bem intencionados da quadra pascal não perceberão mas, à falta de cumprimento de prazos pelo Tribunal da Relação, Tiago safou-se de comer o folar no internamento a que foi sentenciado por dois anos e meio pelos crimes de homicídio tentado e posse de arma proibida. O puto pôs em alvoroço uma escola de Massamá. Problemático foi; problemático não será no futuro, pelos vistos. A falha da Justiça é uma treta...

...Pode até ter sido por mera afetuosidade, mas de outro processo ontem conhecido resulta também um dado interessante: Passos Coelho foi apanhado em dez escutas à conversa com o banqueiro José Maria Ricciardi num tempo em que em cima da mesa estava a privatização da REN e da EDP. E então? Fintemos o maquiavelismo. Uma conversa é passível de ir por vários caminhos e, em nome dos bem intencionados, Ricciardi pode até só ter manifestado ao primeiro-ministro preocupações com o seu Sporting e a coleção de canários de que é fã!

É mesmo, acredite-se, uma questão de afetos.

"O problema é deles!". Seria? O desabafo da impagável Assunção Esteves perante a birra dos militares pais do 25 de Abril ao reclamarem o púlpito da Assembleia da República nas comemorações dos 40 anos da Revolução foi, no fim de contas, só isso: um desabafo. Apesar de malcriado, um desabafo. A senhora percebeu que deve o seu posto de segunda figura do Estado aos agora velhos, carecas e barrigudos militares e recuou. Agendou um encontro "de afeto" com Vasco Lourenço, o mais umbiguista e pesporrente dos revolucionários, e foi lindo vê-los numa exposição no Parlamento sobre o 25 de Abril a anunciar um armistício falso. O Mundo mudou.

Não fosse assim, não tivesse havido 25 de Abril, e o país não conheceria falhanços e atrasos da Justiça, cusquices impagáveis, escutas. E por aí fora.

O país continua envolto em incompetência, mas dispõe há 40 anos de uma vantagem: topa os malfeitores todos.

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