Sam Bankman-Fried, de “queridinho” de Silicon Valley a mau da fita
Sam Bankman-Fried estava entre os empresários mais bem sucedidos das criptomoedas e era visto como um jovem génio, com influência política e filantrópica. Em semanas, o seu império desmoronou-se.Karla Pequenino 20 de Novembro de 2022
Bastou um mês para Sam Bankman-Fried passar de jovem estrela da indústria das criptomoedas para mais um exemplo das falhas do sector.
O norte-americano, conhecido pelas siglas “S.B-F.”, gabava-se, em Setembro, de liderar uma das maiores bolsas de criptomoedas, a FTX. Em entrevista à CNBC, falava sobre como conseguia escapar à crise no sector, com clientes que transaccionavam “pelo menos” 100 mil dólares (96 mil euros) por dia. Nos tempos livres, ajudava empresas em crise, reunia-se com reguladores e doava parte da fortuna a várias organizações não-governamentais – a FTX estava avaliada em 32 mil milhões de dólares. Só que muito disto era uma ilusão.
Em Outubro, as autoridades do Texas começaram a investigar as suas empresas, a FTX e a irmã Alameda Research. Semanas mais tarde, alguns dos grandes investidores da FTX abandonaram o negócio, lançando dúvidas sobre a solidez das empresas. A 11 de Novembro, Sam Bankman-Fried anunciava a sua demissão como dirigente da bolsa nas redes sociais e fazia um pedido de insolvência nos Estados Unidos.
A FTX estava no meio de uma crise de liquidez e não havia dinheiro para dar uma resposta consistente aos clientes que queriam retirar os seus fundos e sair. A empresa-irmã, a Alameda Research, seguia pelo mesmo caminho. Pelo menos mil milhões de dólares (963 mil milhões de euros) dos clientes tinham desaparecido. A informação ia surgindo sob a forma de microcomunicados no Twitter. “Desculpem”, repetia várias vezes o executivo que completou 30 anos em Maio. A página da Wikipédia foi editada para incluir “ex-multimilionário”.
“Ficámos demasiado confiantes e descuidados”, resumiu, dias mais tarde, noutra corrente de publicações no Twitter. E tentava justificar: “Eu estava na capa de todas as revistas, e a FTX era a queridinha de Silicon Valley.”
Perfil-tipo
Sam Bankman-Fried também o era. Aos 30 anos, o norte-americano encaixava bem no perfil-tipo: um jovem génio de cabelo desgrenhado, vegano, que prefere T-shirt e calções a fato e gravata e passou por uma universidade de elite antes de criar uma empresa de sucesso. Em apresentações ou entrevistas, era normal vê-lo a balançar a perna direita freneticamente ou com um fidget spinner nas mãos (uma espécie de brinquedo criado para lidar com stress e ansiedade), enquanto respondia a perguntas sobre os projectos. A missão, insistia, era criar um mundo melhor.
Aos olhos de S.B-F., o valor das criptomoedas sempre esteve na blockchain (a tecnologia em que assentam as criptomoedas) que vê como a base para criar um sistema financeiro melhor e mais acessível. As transferências com criptomoedas “são mais baratas, mais rápidas, e com mais probabilidades de serem feitas com sucesso”, explicava S.B-F. numa entrevista de Maio ao Financial Times (FT), quando a Wikipédia ainda o descrevia como multimilionário.
A história alude aos começos de Mark Zuckerberg, que deixou Harvard para criar o Facebook, ou Sergey Brin e Larry Page que começaram a Google a partir de uma garagem.
“Envolvi-me [no mundo das criptomoedas] sem a mínima ideia do que era uma blockchain”, explicava ao FT sobre o seu começo na indústria. “Estava apenas a fazer arbitragem”, admitiu, referindo-se à operação de compra e venda de criptomoedas, com o objectivo de obter ganhos económicos sobre a diferença de preços existentes. Pelo meio começou a perceber que a tecnologia podia mudar o mundo.
Jovem talento
Sam Bankman-Fried nasceu em 1992 em Alameda, uma cidade na Califórnia, Estados Unidos, no seio de uma família judia. Tem um irmão, mais novo, com quem partilha um talento natural para a Matemática. A visão da blockchain, como parte de um futuro melhor para a maioria, é uma herança dos pais, Barbara Fried e Joseph Bankman, ambos professores de Direito na Universidade de Stanford e firmes defensores do utilitarismo.
Sempre foi um bom aluno, mas em criança detestava a escola, porque achava as aulas aborrecidas e demasiado rígidas. Nas férias grandes, frequentava o Canada/USA Mathcamp, uma academia internacional para jovens talentos com números — foi lá que conheceu o co-fundador da FTX, o misterioso Gary Wang, de quem pouco se sabe (e que tem conseguido fugir à controvérsia).
Apesar do aparente desinteresse pela escola, em 2010 S.B-F. entrou no MIT, o reputado instituto de tecnologia em Massachusetts que formou o astronauta Buzz Aldrin e outros génios contemporâneos. Quebrando o estereótipo dos dirigente das novas gigantes tecnológicas, saiu da universidade com um canudo. Nunca o valorizou: em entrevistas, Bankman-Fried realça que o diploma em Física e Matemática, e aquilo que aprendeu na universidade, nunca o ajudaram na vida profissional.
A fortuna de Sam Bankman-Fried foi avaliada em 32 mil milhões de dólares. Em cima, o empresário numa fotografia de arquivo divulgada pela Agência Reuters num local não especificado Reuters
Foi durante os anos no MIT, porém, que conheceu William MacAskill, um dos fundadores do altruísmo efectivo, um movimento filosófico que defende a distribuição de donativos e apoios com base em provas sobre onde terão mais resultado. Mais tarde, o movimento seria uma das formas de S.B-F. atrair investidores e clientes.
Sam Bankman-Fried nunca chegou realmente a trabalhar noutras empresas, tirando aquelas que fundou. Concluídos os estudos, passou três anos na Jane Street Capital, uma empresa de negociação de activos, antes de sair para liderar a secção de desenvolvimento da ONG de MacAskill, o Centre for Effective Altruism.
Foi nesta altura que começou a explorar o mundo da blockchain e das criptomoedas. Segundo conta em entrevistas, um dia, por curiosidade, abriu o CoinMarketCap — um site que agrega preços de várias bolsas onde criptomoedas são transaccionadas —, e percebeu que o preço variava significativamente. Bankman-Fried viu uma oportunidade e, nos tempos livres, começou a comprar e vender divisas digitais para ganhar dinheiro.
Passado uns meses, decidiu que se podia livrar do intermediário: em 2017 fundou a empresa de transacções Alameda Research (escolheu o nome em homenagem à cidade onde cresceu); em 2019 fundou a bolsa FTX. Foi na altura certa. O valor das criptomoedas estava em ascensão e em quatro anos a FTX tornou-se uma das maiores bolsas de criptomoedas do mundo.
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Altruísmo útil
Entre 2019 e 2022, Sam Bankman-Fried tornou-se um dos grandes exemplos de sucesso da blockchain, constantemente convidado para falar do sector e da sua missão. Mas enquanto outros magnatas da área se referiam aos benefícios da descentralização e acumulavam fortunas, S.B-F. falava em criar um mundo melhor. Em vez de iates, conduzia um Toyota Corolla. E insistia em manter uma equipa de funcionários pequena.
Os críticos dizem que as boas intenções eram apenas uma máscara (“O Sam esconde-se atrás do altruísmo”, acusou um antigo funcionário da FTX em declarações à revista Forbes), mas todos os anos Bankman-Fried doava dezenas de milhões de dólares a organizações que combatem doenças infecciosas e alterações climáticas em todo o mundo. Outras dezenas iam para os seus esforços em reformular a forma de Washington e do mundo pensarem sobre finanças.
“É difícil alguém gastar mais do que uns milhões por ano em si mesmo de uma forma eficaz”, justificava numa entrevista ao Yahoo Finance no começo deste ano. “Acho que é por isso que vemos superiates — muitas pessoas não conseguem literalmente descobrir mais nada para fazer com o seu dinheiro.”
O desejo de Bankman-Fried de entrar na roda do poder em Washington contribuiu para a queda. Apesar de estabelecer a sede da FTX nas Bahamas e escapar desta forma à supervisão norte-americana, era frequente reunir-se com legisladores dos Estados Unidos para moldar futuras regras no sector das criptomoedas.
Para outros criptofundadores, esse esforço era visto como uma traição à missão base da blockchain, que nasceu em 2008 como uma alternativa ao sistema financeiro tradicional. É o caso de Changpeng Zhao, líder da rival Binance (uma bolsa maior e mais antiga), que no começo de Novembro decidiu abandonar o investimento que tinha na FTX. “Não apoiamos pessoas que fazem lobby contra outros actores da indústria às escondidas”, justificou Zhao no Twitter.
A saída deu-se na mesma altura em que documentos sobre o balanço financeiro da FTX, divulgados online, mostravam que a empresa irmã de FTX, a Alameda Research, era uma das suas maiores clientes.
Os clientes assustaram-se e a empresa deixou de conseguir dar resposta aos pedidos de retirada de dinheiro. Muitos estavam receosos de uma repetição da crise de Maio, quando a Luna e a TerraUSD, duas outras criptomoedas muito populares, passaram de dezenas de milhões a zero em 24 horas. No final, foi o que aconteceu.
A certa altura a Binance prometeu ajudar a FTX a lidar com a crise de liquidez, mas revogou o apoio depois de receber relatos de má gestão de fundos por parte da bolsa de Sam Bankman-Fried.
Apesar da imagem de prosperidade, a empresa estava a afogar-se em dívidas. A FTX usava a FTT, uma criptomoeda própria, para incentivar clientes a manter os depósitos. O dinheiro na FTX era usado para actividades especulativas da Alameda Research.
O Departamento da Justiça dos EUA e a entidade que regula o mercado bolsista no país, a Securities and Exchange Commission (SEC), estão entre as organizações que abriram investigações às operações da FTX. Analistas de linguagem corporal começam a questionar se os tiques nervosos de Bankman eram propositados para alimentar a imagem de génio excêntrico.
Partes da história de Sam Bankman-Fried lembram o escândalo com Elizabeth Holmes, a fundadora da startup norte-americana que queria ser como Steve Jobs e falsificava análises de sangue para atrair investidores. O nome de S.B-F. junta-se assim à lista ex-estrelas em ascensão de Silicon Valley, que conquistaram demasiada confiança, demasiado depressa, sem grande experiência profissional.
Nos primeiros dias após a queda da FTX, os pedidos de desculpas de Sam Bankman-Fried multiplicavam-se no Twitter. Agora, opta pelo silêncio. “O que importa é aquilo que fazemos, é fazer mesmo o bem ou o mal. Não é apenas falar sobre fazer coisas boas”, concluía numa das suas últimas mensagens.
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