domingo, 18 de dezembro de 2022

Mehra Samak

Mehra Samak, 27 anos, foi morto no seu carro quando apitou a celebrar a derrota do Irão


Desaire da selecção no Qatar alimentou protestos em muitas cidades iranianas. Em algumas, as forças de segurança dispararam contra manifestantes, incluindo alguns que buzinavam nos seus carros.


Sofia Lorena 30 de Novembro de 2022


 Uma adepta levou para um dos jogos do Irão no Mundial uma camisola da selecção com o nome de Mahsa Amini Reuters/DYLAN MARTINEZ

Não é a primeira vez que as forças de segurança iranianas matam a tiro pessoas dentro dos seus carros nas últimas dez semanas, desde o início da contestação que tem abalado o regime. Desta vez, Mehra Samak, de 27 anos, tinha acabado de buzinar para festejar a derrota do Irão frente aos Estados Unidos, no jogo que ditou a eliminação da selecção iraniana do Mundial do Qatar, na terça-feira. O futebol mobiliza paixões no país e a selecção costuma ser vista como factor de união, mas desta vez os festejos, que se estenderam a várias cidades, justificam-se porque, escrevem alguns iranianos nas redes sociais, uma vitória estaria a ser festejada pelos líderes da República Islâmica.

A morte de Mehra Samak, atingido na cabeça, na cidade de Banzar Anzali, na terça-feira à noite, foi divulgada por activistas dos direitos humanos no Irão e jornalistas iranianos independentes. O serviço persa da BBC obteve um vídeo do enterro do jovem, esta quarta-feira de manhã, onde se canta “Vocês são os imundos, vocês são os imorais, eu sou uma mulher livre”, um dos muitos slogans adoptados pelos manifestantes desde a morte de Jina Mahsa Amini, de 22 anos, sob custódia da “polícia da moralidade”, que a prendera por uso incorrecto do hijab (lenço islâmico).

Desde então, não têm sido necessários mais pretextos para protestos – que podem ser manifestações de alguma dimensão, envolver apenas os habitantes de um bloco de apartamentos, para escapar à repressão, ou expressar-se na decisão de muitas mulheres que passaram a andar por Teerão sem o obrigatório hijab – mas todos os meios disponíveis têm sido usados para pedir a queda do regime dos mullahs, no poder desde a criação da República Islâmica em 1979.


As imagens de festejos da derrota no Qatar chegaram de muitas cidades, de Teerão a Behbahan, no Khuzistão, onde vive a maioria dos árabes do Irão (discriminados, como todas as minorias), ou em diferentes cidades do Curdistão, uma das regiões onde as forças de segurança têm sido mais violentas e onde as organizações de direitos humanos contabilizam muitas dezenas de mortos só nas últimas duas semanas.

Além de Banzar Anzali, onde as forças de segurança dispararam contra automóveis e feriram várias pessoas (Mehra Samak, que tinha acabado de ficar noivo, morreu já no hospital), vídeos publicados nas redes sociais pelo colectivo de activistas anti-regime 1500tasvir mostram a polícia a abrir fogo contra pessoas em Behbahan ou a espancar uma mulher em Qazvin, a sul de Bandar Anzali.

Na terça-feira, no Qatar, houve iranianos descritos como “pró-regime”, de bandeiras nacionais na mão, que atacaram várias pessoas com T-shirts onde se lia “Mulher, vida, liberdade”, o principal slogan dos protestos a que os manifestantes chamam revolução. De acordo com um responsável envolvido na segurança dos jogos do Irão ouvido pela CNN, o regime teria enviado centenas de “falsos” apoiantes para diluir a presença de adeptos que escolheram manifestar a sua oposição, apupando o hino ou exibindo sinais de apoio aos protestos, nos dois primeiros jogos.


De acordo com o mesmo responsável, depois de não terem cantado o hino no jogo de estreia, no dia 21, com a Inglaterra, os jogadores foram chamados para um encontro com membros dos Guardas da Revolução (a poderosa força de elite próxima do supremo líder, o ayatollah Ali Khamenei), onde lhes foi dito que as suas famílias enfrentariam “violência e tortura” se eles não cantassem o hino e caso se associassem a qualquer protesto. Os jogadores cantaram o hino nos dois jogos seguintes.

A ONG Iran Human Rights consegue confirmar a morte de 448 pessoas, incluindo 60 crianças, pelas autoridades desde o início dos protestos (o número real será superior). Os detidos serão mais de 15.000, com seis pessoas condenadas à morte e dezenas em risco de o ser. Segundo o site de notícias Mizan Online, ligado ao poder judicial, a estas devem somar-se 15 pessoas, incluindo três adolescentes, que começaram a ser julgadas esta quarta-feira, acusadas de “corrupção na terra”, por causa da morte de um membro da milícia Basij na sequência do funeral de um manifestante, em Karaj, uma cidade a oeste da capital.

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