A intervenção dos intelectuais portugueses nos assuntos públicos pertence a uma nobre tradição que, também essa, parece perdida num individualismo renitente.
Volta e meia vou aos poetas da minha predilecção procurar respostas para as inúmeras perguntas que faço sobre o meu tempo e as pessoas que tentaram modificá-lo, construindo-o, não o desfazendo, como é pecha dos senhores que nos governam.
A crítica ao irracionalismo e à impreparação, já de si vaga e incerta na nossa cultura, parece ter-se perdido num oceano de subserviências e de desinteresses. Surgiu-me esta frase, atribuída a Herculano: "O país é pequeno e não maior a gente que o habita." Bulhão Pato, seu amigo estremecido, e autor de umas "memórias" importantíssimas, visitava-o, amiúde, e descrevia a dor profunda que assaltava o historiador em vista da decadência da pátria. "Isto dá vontade de morrer", teria dito num momento de desespero mais acentuado.
A intervenção dos intelectuais portugueses nos assuntos públicos pertence a uma nobre tradição que, também essa, parece perdida num individualismo renitente. Talvez José Saramago tenha sido o último de uma grande estirpe de escritores que se preocupou com os problemas da sociedade. Quando Jorge de Sena perguntou, num poema admirável: "Que Portugal se espera em Portugal?", ele possuía a noção exacta do que éramos e do que nos fora acontecendo. "Estou a ver o regresso dos velhos hábitos do Estado Novo", disse-me, numa entrevista que publiquei no Diário Popular, e suscitou grande alarido.
Há um grande silêncio dos nossos intelectuais em relação aos males que nos afectam, e a imprensa e as televisões revelam uma mediocridade que não ilustra os seus pergaminhos. Repare-se que os comentadores são sempre os mesmos, com exclusões de outros representantes de outros ideários, o que em nada abona, pelo contrário, os responsáveis das programações.
O vazio intelectual português é a imagem devolvida da sociedade actual. Que sabem da vida, da cultura e dos costumes, por exemplo, um tal Pedro Mota Soares, católico e tudo, mas completamente distante, porque assim o deseja, das nossas preocupações mais elementares, ou um Nuno Melo ou um… sei lá quem mais!, todos organizados para tratar da vidinha? Estes e outros que tais representam quem?, a não ser as direcções dos partidos que os designaram segundo o índice das suas pessoais obediências. A desconfiança do português comum nos políticos é total. E a comunicação social comporta-se com um servilismo tão baixo que nem nos tempos mais sombrios do fascismo santa-combadense se revelou tão ignóbil. Depois, nos meios de comunicação estão "factotums" que nada têm a ver com jornalismo e são meros representantes de cavilosos interesses. Sei do que falo. E, por ora, não quero adiantar mais.
Um livro que nos honra e nobilita o seu autor
Contrariando esta bajulação imperante, ainda há, claro que ainda há!, quem resista e diga não. Nuno Gomes dos Santos é um deles. O seu livro, agora publicado, "Adeus, faraó", é um banho lustral de excelente português e uma metáfora do que se passa por aí. Nuno Gomes dos Santos serve-se da ironia e da sinédoque, armas da grande tradição portuguesa de intervenção e de crítica para nos fornecer um retrato de nós próprios. Fá-lo com a modéstia que o caracteriza, o que não o impede de ser um dos grandes autores actuais. A ler com urgência. Tanto mais que Nuno Gomes dos Santos não frequenta os meios promocionais, porque a sua honrada e digna independência são opostas aos fogaréus dos falsos génios.
Sem comentários:
Enviar um comentário