terça-feira, 20 de janeiro de 2015

A hora de Federica


RICARDO COSTA
20 de Janeiro de 2015

As ondas de choque dos brutais ataques de Paris continuam visíveis em todo o mundo. Nos países muçulmanos prosseguem asmanifestações contra o Charlie Hebdo e ontem a prova da zanga muçulmana veio de um lugar menos óbvio, a Chéchénia, república russa onde a maioria da população segue o Islão. As palavras de ordem foram violentas e as imagens voltaram a impressionar. Na Europa ocidental, o número de notícias sobre ainsegurança dos judeus começa a ser preocupante. Depois de França, agora é o Reino Unido a multiplicar notícias sobre incidentes ou ameaças, o que é relativamente surpreendente já que o país, ao contrário de França, não costuma ser notícia por anti-semitismo. No meio de tantos acontecimentos improváveis, a popularidade de François Hollande disparou 21 pontos em poucos dias, de uns modestíssimos 19% para uns nada embaraçosos 40%.

Os MNE’s europeus reuniram ontem para tentar ordenar a suaresposta ao terrorismo e a reunião teve um rosto: Federica Mogherini, a nova Alta Representante da UE para os Negócios Estrangeiros e que defendeu uma aliança com vários países árabes e muçulmanos. Mogherini reuniu de seguida com o secretário-geral da Liga Árabe e indicou que Bruxelas vai desenvolver projectos específicos de cooperação com países do Golfo, Turquia, Egito, Argélia e Iémen (que ontem viveu uma espécie de golpe de Estado). Os países europeus não costumam levar a sério o cargo da italiana, mas Federica tem uma oportunidade séria para mostrar o que vale num momento dramático.

Além da cooperação com estes países, o esforço é tentar coordenar respostas, o que não é fácil: em Inglaterra já se fala em revogação vitalícia de passaportes e em retirar quaisquer di reitos a presos por terrorismo. Em França, as leis estão a caminho de uma mudança brusca e há pressão para ter traços do Patriot Act, que Bush lançou após o 11 de Setembro. A única coisa que parece certa é que oregisto nacional de passageiros (PNR) vai mesmo avançar. A ideia tinha sido chumbada pelo Parlamento Europeu, mas depois desta vaga de insegurança, o registo vai mesmo avançar.

OUTRAS NOTÍCIAS

Parece que ontem foi o dia mais triste do ano. Os ingleses chamaram-lhe blue monday e preparam-nos para um dia terrível. Os cientistas riram-se da ideia. Como de costume, o dia foi igual aos outros, mas com muito para contar.

A Oxfam divulgou um estudo que diz que dentro de um ano 1% da populaç&a tilde;o mundial vai deter mais riqueza que os restantes 99%. O estudo, com este e outros dados assustadores, foi divulgado a poucos dias de arrancar o Fórum de Davos, onde o tema da desigualdade vai estar em cima da mesa.

Esta madrugada, o FMI divulgou as suas previsões económicas e não são animadoras. O crescimento é quase sempre revisto em baixa. Nas grandes economias, as excepções os EUA e nuestros hermanos, onde o PIB pode crescer 2%

Furioso com os americanos e com o nosso executivo está o governo Regional dos Açores. O líder local aventou a ideia de ceder a base das Lajes à China e alegou razões históricas (!) para isso. O PS nacional aproveitou para colocar pressão sobre Passos Coelho, já que a negociação não correu muito bem e as Lajes vão mesmo ser… uma gas station (a expressão é dos americanos).

A pressão sobre o ruinoso negócio que a Goldman Sachs fez com o BES nos seus últimos dias de vida está aumentar. Depois da notícia da Bloomberg sobre o corte dos bónus a 50 funcionários, o Wall Street Journal apontou ontem o dedo a José Luís Arnaut.

Ontem morreu mais uma pessoa nas Urgências, desta vez no Hospital São Francisco Xavier, em Lisboa. São oito óbitos em Urgências em muito poucas semanas.

Hoje há mais comissão parlamentar sobre o caso BES. Chegou a vez da PwC, que alertou para problemas em 2001 (e que sabe umas coisas sobre a PT…) e da KPMG, que auditava o BES por alturas do colapso. Muito técnico, mas a não perder. Se não tiver vida para isso ou não gostar do Canal Parlamento, nós vamos contar tudo, claro.

Os impostos sobre os mais ricos vão ser centrais no discurso do estado da União, que Obama fará esta noite (madrugada em Portugal). A ideia de tirar aos muito ricos para dar aos mais pobres já é conhecida, claro, como plano Robin dos Bosques.

FRASES
“Por mim, hesito em ir às fuças cobardes de quem me quer ofender, porque resisto à ideia de meter as m&atil de;os na enxovia”.Afonso Camões, director do JN, sobre a sua ligação a Sócrates, a que o CM tem dado especial atenção

“É a defesa de uma pessoa que fez algumas coisas que estão vedadas a jornalistas”. Resposta de Otávio Ribeiro, director do CM, numa querela entre os dois maiores diários portugueses que explicamos aqui.

“Eu estava a tirar uma foto com a Miss Japão e a Miss Eslovénia e, de repente, a Miss Israel apareceu e tirou uma selfie”. Queixa daMiss Líbano sobre a selfie que incendiou a sua pátria

“ Eu tive a felicidade de jogar no meu tempo com grandes jogadores, tanto na minha equipa como contra, possivelmente melhores do que Cristiano e Messi”. Luís Figo, numa frase que está a gerar polémica.

O QUE EU ANDO A LER
Grécia, Grécia, Grécia. As eleições decisivas são domingo e vale a pena perder tempo a enquadrar a situação, que se arrasta há anos. Assondagens continuam a dar a vitória ao Syriza, nalguns casos perto da maioria absoluta. O Expresso Diário está a acompanhar tudo em Atenas e ontem falou com Papandreou, que regressou à liça com um novo partido, mas sem hipótese de vencer.

Se não acredita em sondagens, pode ver este estudo da Goldman Sachs que aposta na vitória da Nova Democracia, o partido que governa a Grécia. O estudo, que também joga na reeleição de Passos Coelho e Rajoy, assenta numa ligação directa entre indicadores económicos e escolhas dos eleitores. É um estudo interessante, embora valha a pena recordar que nos cálculos que a Goldman fez para o último Mundial, o Brasil ganhava tudo, depois de eliminar… a Alemanha.

Se tiver mais tempo pode ler o melhor trabalho jornalísticojamais feito sobre os dias de brasa que quase levaram à saída da Grécia do euro em 2012 (“Inside Europe’s Plan z”). É uma investigação de Peter Spiegel, correspondente do Financial Times em Bruxelas, e publicada em maio de 2014. É longo, mas mostra a loucura (a palavra é minha) que existe nas relações entre Bruxelas e Atenas.

Se quiser uma visão mais humorada da Grécia, sugiro que pegue no livro Boomerang de Michael Lewis e vá directo ao capítulo “E eles inventaram a matemática”. Está editado na Lua de Papel e conta a delirante viagem de Lewis, o mais famoso jornalista financeiro dos EUA, a um país onde quase ninguém pagava impostos e até os monges ortodoxos enganavam o governo em negócios imobiliários, que acabaram a ser estudados em Harvard! O livro, que ridiculariza com o mesmo humor implacável a Alemanha, coloca-nos perante o dilema de sempre: é certo que os gregos fizeram tudo para rebentar as contas, mas agora o melhor é ajudá-los porque ninguém paga uma dívida daquelas. O trabalho de Lewis nasceu neste artigo que fez para a Vanity Fair em 2010 (Beware of greeks bearing bonds) e que está disponível online. Se acha que não se vai rir a ler coisas sobre a Grécia, experimente.

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