quinta-feira, 27 de novembro de 2014

O julgamento paralelo de José Sócrates



ALBERTO PINTO NOGUEIRA
26/11/2014

As Escrituras narram a parábola de Maria Madalena. Os fariseus, em magote, trouxeram-na à presença do Senhor. Que a condenasse pelos seus muitos pecados. O Senhor atentou na dignidade humana de Maria Madalena. Ouviu-a. Depois, ditou sentença.

As questões da Justiça são políticas. Os tribunais exercem um poder soberano. O exercício dessas funções é, por natureza, político.

Se os políticos nos transmitem que se não intrometem com o poder soberano dos tribunais, teremos de responder que se trata de mera tautologia. Falam por falar. Não se quadram nem apreciam o silêncio.

Exigem e esperam decisões céleres e justas. Directa ou implicitamente, conforme interesses, também partidários e políticos, responsabilizam o que chamam “A Justiça” pelo processamento lento do sistema judicial. Desleixam a Justiça no investimento que não fazem no sistema. Tratam o poder judicial com displicência. Um poder soberano menor. Provocam, por confrangedora incompetência, sem consequências políticas, a paralisação do sistema. Só se lembram da Justiça quando ela lhes bate à porta.

O “país político”, dizem, fica longe da Justiça. Não devia ficar. Todos somos “país político”. A Justiça também. Vivemos na civitas. A Justiça diz respeito ao Estado de direito. A política também. Nelas, todos somos parte interessada com dever de participar.

O “país político” nada explica sobre a Justiça. É com outros.

O poder judicial pouco ou nada explica. A Justiça é para dentro. Com ele.

Está ainda colado a metodologias tradicionais e arcaicas. Subestima o direito à informação da comunidade. Não sabe comunicar. Defende-se. Fecha-se. O segredo de justiça alomba com todas as responsabilidades de um secretismo incompatível com a sociedade de informação que é a nossa. A “Justiça” não é capaz de informar a sociedade. Supõe-se viver fora e acima dela. Nos astros. Nem está preparada para comunicar. Vive para dentro. Ignora como separar sigilo do que deve ser público. Receia a comunicação social. Só interage às ocultas. “Julgar em nome do povo” transmuda-se em fraseologia gratuita. Retórica.

Os gabinetes de imprensa do Ministério Público produzem comunicados secos e irrelevantes.

Sacralizam o sistema. Separam-no da comunidade. Blindam-no.

A comunicação social apossa-se de toda a informação pública. É ostracizada pelo sistema judicial. Como um adversário temível. Transmite verdades e inverdades. Factos e aparência de factos. Massacra dias inteiros a reproduzir as mesmas coisas ad nauseam. Fomenta juízos de valor sobre pessoas e factos que ignora em toda a amplitude.

Os arguidos são sujeitos a julgamentos paralelos. O segredo de justiça, imposto pelas normas do julgamento legal, impede-os de usar o contraditório no julgamento da rua. Ninguém os leva, com o arrolamento dos “pecados”, à presença do Grande Júri. São apedrejados. Culpados. Não há direitos de defesa, nem presunção de inocência que lhes valham. Confunde-se Justiça com justicialismo. São condenados antes de julgados.

E depois? Depois, a ninguém assiste o direito de desrespeitar a dignidade da pessoa humana.

Procurador-geral adjunto

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