sábado, 3 de agosto de 2013

Guerra Junqueiro


Um povo imbecilizado e resignado, humilde e macambúzio, fatalista e
sonâmbulo, burro de carga, besta de nora, aguentando pauladas, sacos
de vergonhas, feixes de misérias, sem uma rebelião, um mostrar de
dentes, a energia dum coice, pois que nem já com as orelhas é capaz de
sacudir as moscas; um povo em catalepsia ambulante, não se lembrando
nem donde vem, nem onde está, nem para onde vai; um povo, enfim, que
eu adoro, porque sofre e é bom, e guarda ainda na noite da sua
inconsciência como que um lampejo misterioso da alma nacional, –
reflexo de astro em silêncio escuro de lagoa morta (…)

Uma burguesia, cívica e politicamente corrupta ate à medula, não
descriminando já o bem do mal, sem palavras, sem vergonha, sem
carácter, havendo homens que, honrados (?) na vida intima, descambam
na vida publica em pantomineiros e sevandijas, capazes de toda a
veniaga e toda a infâmia, da mentira a falsificação, da violência ao
roubo, donde provém que na politica portuguesa sucedam, entre a
indiferença geral, escândalos monstruosos, absolutamente inverosímeis
no Limoeiro (…)

Um poder legislativo, esfregão de cozinha do executivo; este criado de
quarto do moderador; e este, finalmente, tornado absoluto pela
abdicação unânime do pais, e exercido ao acaso da herança, pelo
primeiro que sai dum ventre, – como da roda duma lotaria.

A justiça ao arbítrio da Politica, torcendo-lhe a vara ao ponto de
fazer dela saca-rolhas;

Dois partidos (…), sem ideias, sem planos, sem convicções, incapazes
(…) vivendo ambos do mesmo utilitarismo céptico e pervertido, análogos
nas palavras, idênticos nos actos, iguais um ao outro como duas
metades do mesmo zero, e não se amalgando e fundindo, apesar disso,
pela razão que alguém deu no parlamento, – de não caberem todos duma
vez na mesma sala de jantar (…)”

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