Por Clara Ferreira Alves
Não escrevi até este momento uma linha sobre o BES porque nunca acreditei numa palavra do que foi dito sobre a excelência da regulação, a inexistente necessidade de recorrer ao dinheiro dos contribuintes, a garantia do benzido nome de Vítor Bento como solução de estabilidade, a tremenda almofada financeira, etc., etc., etc.
Também nunca me soou bem a frase de Passos Coelho sobre os “privados “ serem obrigados a resolver os seus problemas sem intervenção política e muito menos de dinheiro público. Alinhei nesta demagogia durante cinco segundos e arrependi-me logo. Cheguei a elogiar Passos Coelho pelo modo como resolvera a crise. Sou uma imbecil.
O porta-voz Marques Mendes, fervendo de indignação contra a “anterior administração”, veio dizer que os acionistas perdiam tudo e que Ricardo Salgado e a “administração”, whatever that means, tinham desfeito 1500 milhões em dias. Estamos conversados quanto à excelência da regulação.
Se bem me recordo, essa administração era para ser mantida em funções durante mais um mês. A avaliar por estes cálculos, estoiravam mais 15 mil milhões. Enquanto a justiça ponderava deter ou não a sua ex-“testemunha” Salgado e impedi-lo de destruir caixas marcadas com papéis “para destruir”, Salgado ia destruindo o BES, soubemos pelos jornais.
Sozinho, parece. Sem dar cavaco, salvo seja. E, claro, foi-nos dito todos os dias, por reputados especialistas e a “nova gestão”, que o BES nada tinha a ver com o GES e que o BES estava bem e o GES estava mal e que o BES era sólido e tinha rácios de capital a dar com um pau.
De repente, estes reputados berraram pela recapitalização imediata do banco, tão imediata que tinha de ser feita no primeiro fim de semana das férias, pela calada da noite. Não aguentava mais 24 horas sem tratamento da tal infeção que não existia. Nem febre o BES tinha. Costa era um génio. Bento um crânio. Coelho um herói. Os três estarolas. A “solução” rebentou pela voz do porta-voz Mendes. Estranho método para anunciar publicamente a nacionalização do BES e a necessidade (através de uma vigarice a que chamam na Europa engenharia financeira) de sacar aos contribuintes e defraudar os pequenos acionistas e aforradores que confiaram no “regulador” e avulsos. Olha, diz ao Marques Mendes para lançar a bisca! E, estranhamente, a primeira pessoa que denunciou a vigarice foi Santana Lopes, que topou o esquema de alto a baixo.
Como o Governo não quis usar a palavra nacionalização e tem medo dos riscos eleitorais e do rombo no défice, usou a nacionalização que não é nacionalização.
O Governo é perito em esquemas. Um tal de Fundo de Resolução, cuja parca existência desconhecíamos, ia salvar “o BES que não tinha nada a ver com o GES”. O problema é que o buraco do banco cheio de rácio era de 4,9 mil milhões. Como diria o saudoso Barroso europeu, “uma pipa de massa”. E como o dito Fundo, uma espécie de saco azul dos bancos e da sua incomensurável solidez, só tinha 182 milhões, eles põem mais uns cobres simbólicos e nós entramos com a pipa de massa através do Fundo de Recapitalização da troika, dinheiro público.
Parece que o belíssimo BES de anteontem vai ser dividido em BES bom, Novo Banco (marca registada do BCP?) e BES mau. O bom é o que o Fundo injeta a massa pública emprestada ao Fundo. Leitor, faça as contas. Até ser vendido, dando de barato que será vendido, o BES bom paga juros deste empréstimo, mas como o BES bom não tem cheta é o Fundo-acionista-único-controlado-pela-banca que paga juros ao Fundo, topam? E os juros não são os dos CoCos, não dão lucro ao Estado.
Depois, o BES bom é vendido e quem comprar devolve a massa ao Fundo e “se tudo correr bem” e formos muito felizes,aos contribuintes.
Ora como o Fundo de Resolução é participado e controlado por todos os bancos do sistema, é um sindicato de bancos que ganha.
Qual a garantia que o BES vai pagar?
Nós. Porque os bancos não vão adiantar a cheta sem garantia pública. Como o Estado não participa na gestão do Fundo, que se torna privado com dinheiro público, perde controlo.
Nada correu ou vai correr bem nesta história opaca que gera a maior e mais arriscada concentração de poder financeiro de que há memória. Só corre bem para os advogados dos processos. E para a Europa, muito afeiçoada a cobaias lusas.
No BES mau ficam os tóxicos. E ficam apeados os acionistas, incluindo os pequenos e médios acionistas que nunca puseram os pés numa AG e só viram o dr. Salgado dono disto tudo e os drs. Costa e Bento e Coelho génios disto tudo, na televisão. Investiram em ações de um banco “sólido,” garantiram-lhes. Foram aconselhados a aumentar o capital do banco. Eu não tenho ações do BES, e considero que isto é um rombo na confiança no sistema financeiro e um roubo.
NOTA: ESTA CRÓNICA FOI ESCRITA NA SEGUNDA-FEIRA. ATÉ SÁBADO…
Jornal Expresso 2180, 9 de Agosto de 2014
Videos que corroboram o texto em cima
excelência da regulação
Vítor Bento
porta-voz Mendes, fervendo de indignação
tinham desfeito 1500 milhões em dias.
DAQUI A POUCOS ANOS ESTAREMOS A VER POR ONDE ANDAM OS MILHÕES QUE ESTAMOS A PAGAR NO BES, TAL COMO NO BPN...
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