quarta-feira, 10 de setembro de 2014

A espoliação dos pequenos accionistas do BES


 



A transformação do Estado em prestador de último recurso que tem de pagar os desmandos dos banqueiros
Carlos Costa,


por Eugénio Rosa [*]Carlos Costa, antigo director do BCP no tempo de Jardim Gonçalves, e agora governador do Banco de Portugal, acabou de tirar da cartola a"solução milagrosa " para o caso BES apresentando como aquela que garante os depósitos aos clientes, assegura a continuidade do negócio,e evita que o Estado "meta um centavo"no BES. O governo e os seus defensores nos media, a começar por Marques Mendes e Rebelo de Sousa, numa gigantesca operação de manipulação da opinião pública repetem até à exaustão o mesmo – talvez convencidos que uma mentira repetida muitas vezes transforma-se numa verdade. Por isso interessa analisar com a objectividade e com os dados disponíveis, que ainda são poucos, esta questão até porque ela preocupa os portugueses, e também porque já ouvimos muitas vezes a mesma cantiga que depois se transforma num pesadelo para os contribuintes.

A INCOMPETÊNCIA DA CMVM E DO BANCO DE PORTUGAL QUE VAI SAIR CARA AOS PEQUENOS ACcIONISTAS E CERTAMENTE TAMBÉM AOS CONTRIBUINTES

Foi confrangedor ouvir Carlos Costa dizer que tinha sido enganado por Salgado Espírito Santo para explicar os prejuízos de 3.500 milhões de euros do BES no 1º semestre de 2014 e que tinha mentido quando, há uma semana, repetia que a situação do BES era sólida já que o banco " detém um montante de capital suficiente para acomodar eventuais impactos negativos decorrentes da exposição assumida perante o ramo não financeiro do Grupo Espírito Santo (GES) sem pôr em causa o cumprimento dos rácios mínimos em vigor", mesmo na Assembleia da República. E para se desculpar afirmou que os actos de má gestão que determinaram os prejuízos gigantescos registaram-se nos últimos dias, quando é evidente que isso não é verdade, pois nos últimos dias, com as chamadas "cartas de conforto", apenas foram confirmados actos de má gestão ou de gestão danosa realizados no passado.

E tudo isto é mais grave quando em Junho deste ano o BES fez um aumento de capital de 1.045 milhões €, com a autorização da CMVM e do Banco de Portugal que desta forma confirmaram que a informação que o banco deu ao "mercado" era verdadeira. Tal como afirmou Carlos Tavares, presidente da CMVM, na Assembleia da República referindo-se aos gestores da Portugal Telecom em relação à aplicação de 900 milhões € no GES, não basta dizer que não sabiam, " porque se não sabiam, deviam saber ". E isto aplica-se à CMVM e ao Banco de Portugal, pois se Carlos Tavares e Carlos Costa não sabiam, deviam saber pois é para isso que são bem pagos. Pode-se estar aqui perante um crime de mercado, e aqueles que subscreveram as ações poderão agora vir dizer que foram enganados pelos supervisores e exigir indemnizações. E será o Estado, ou melhor, os contribuintes que as terão de pagar.

Mas não é só a esta nível que a "solução milagrosa" engendrada pelo governo e pelo BdP poderá ser contestada. O capital do BES estava representado por 5.624.961.683 ações, estando 9,8%, ou seja, 551.246.245 ações detidas por empresas e particulares, muitos destes últimos pequenos accionistas, que investiram as suas poupanças em acções do BES confiantes não só no banco mas nas garantias dadas pelos supervisores de que as contas divulgadas pelo BES eram verdadeiras e podiam-se confiar nelas. Estes pequenos accionistas, cujo número se desconhece, mas que devem ser muitos milhares, sentem-se agora defraudados e enganados, tendo perdido todas as suas poupanças. O Banco de Portugal, no lugar de ir ao património pessoal dos administradores do BES e do GES e de todos aqueles que enganaram os portugueses e cometeram actos danosos, preferiu meter no mesmo saco responsáveis e não responsáveis e obrigar todos a pagar a factura. É previsível que muitos reajam. Portanto, vai-se certamente assistir a cenas públicas muito semelhantes às que se verificaram em outros bancos (BPP, BPN), agora com a diferença que os balcões do chamado "novo banco" serem os mesmos do BES o que não deixará de se reflectir no risco repuctacional do "novo banco" reduzindo o seu valor e aumentando os prejuízos prováveis do Estado.

A MENTIRA DE QUE NÃO SERÃO UTILIZADOS FUNDOS PÚBLICOS DOS CONTRIBUINTES

A "solução milagrosa" assenta numa grande mentira: que o Estado, ou seja, os contribuintes, não terão de "meter um centavo ". O "novo banco" vai ser recapitalizado em 4.900 milhões € pelo "Fundo de resolução", cuja administração é nomeada pelo Banco de Portugal e pelo Ministério das Finanças, que não tem dinheiro (no fim de 2013 tinha apenas 185 milhões €, a maioria receita de impostos), por isso o Ministério das Finanças vai fazer um empréstimo, utilizando o dinheiro da "troika", que terá de ser pago pelos contribuintes portugueses incluindo juros. O Estado será reembolsado do empréstimo quando o "novo banco" for vendido a privados e, se o preço for inferior ao empréstimo, o Estado paga à "troika" e depois irá receber na medida em que os bancos paguem as suas quotas ao Fundo de resolução. É um"grande negócio para o Estado" que cheira muito a BPN. Mas as eventuais consequências para o Estado, ou seja, para os contribuintes desta "solução milagrosa" não ficam por aqui. E isto porque a solução engendrada pelo BdP e pelo governo faz lembrar aqueles empresários que, para fugir ao fisco ou à justiça, transferem os seus bens (os activos bons) para uma 3ª pessoa de confiança ficando na sua posse apenas as dividas (os activos tóxicos) pensando, que desta forma, se desresponsabilizam em relação à sua gestão danosa e não têm de pagar as dividas. No quadro 1 está a situação do BES em 30/06/2014.

Quadro 1- Balanço sintético consolidado do BES em 30/06/2014


ATIVO (o que possui e tem a haver)
Milhões €
PASSIVO (o que deve)
Milhões €
Caixa e bancos
1.962,9 
BCE (empréstimos obtidos)
8.613,7 
Aplicações financeiras
24.780,5 
Outros empréstimos
24.354,5 
Crédito a clientes
45.886,9 
Recursos de clientes (depósitos) 
36.685,2 
Outros ativos
7.586,0 
Provisões 
3.357,1 
    Passivos subordinados
977,7 
    Outros passivos (dívidas)
1.984,2 
    TOTAL DO PASSIVO
75.972,4 
    CAPITAIS PRÓPRIOS (dos accionistas)
4.243,9 
TOTAL DO ATIVO
80.216,3 
PASSIVO+CAPITAIS PRÓPRIOS
80.216,3 
Os "Recursos de clientes ", constituídos fundamentalmente por depósitos no BES totalizavam, em 30/6/2014, 36.685,2 milhões € (compare-se este valor com os 1.490 milhões € existentes no Fundo de Garantia de Depósitos -- ver o nosso estudo 38-2014) . Quando se afirma que os depósitos vão ser transferidos para o "novo banco", isso não significa que vá ser transferida essa importância em dinheiro para o "novo banco", já que essa importância não existe em dinheiro pois encontra-se aplicada em crédito a clientes, em aplicações financeiras, incluindo em empresas do GES, e em outros activos. E são este tipo de cativos que garantem o reembolso dos depósitos dos clientes e outras dívidas (por ex. empréstimos do BCE).

A questão que se coloca é esta: Que activos e valor ficam no "BES velho"? Segundo o comunicado do Banco de Portugal ficarão no "BES velho" os "Activos problemáticos, que, no essencial, correspondem a responsabilidades de outras entidades do Grupo Espírito Santo e às participações no Banco Espírito Santo Angola, S.A., por cujas perdas respondem os accionistas e os credores subordinados do Banco Espírito Santo, SA". Segundo as contas do 1º semestre do BES esses activos são fundamentalmente as exposições a empresas do GES: Rio Forte e subsidiárias (270,8M€); ESFG e subsidiárias (927,6M€); Diversos (373,4M€; Tranquilidade e subsidiárias (226,1M€); dividas de entidades do GES subscrita por clientes do GES nos balcões do BES (3.107M€); BESA-Angola (3.879,8M€), o que soma 8.784,8 milhões €. Nas contas do 1º sem.2014, as provisões do BES foram reforçadas em 1.669,9 milhões €, o que fez aumentar brutalmente os prejuízos determinando que Capitais Próprios pertencentes aos accionistas se reduzissem, entre o 1º Trim.2014 e o 2º Trim.2014, em 2.773,37 milhões €,passando de 7.017,28M€ para 4.243,9M€. No "BES velho" ficarão os activos tóxicos referidos anteriormente e o Capital Próprio dos accionistas ainda existente (4.243,9M€) mais os "Passivos subordinados" (977,7 M€), pois são estes que terão de suportar os prejuízos que resultarão dos activos tóxicos, já que a maioria se transformarão em perdas. No entanto, esta "solução" levanta questões que certamente vão dar origem a uma prolongada batalha nos tribunais que poderá terminar com decisões que se traduzirão em muitas centenas de milhões € que o Estado, ou seja, os contribuintes terão de pagar. Para concluir isso basta recordar que os principais accionistas, que mais perdem não é apenas família Espirito Santo, empresas portuguesas (PT e outras), e pequenos accionistas mas também grandes grupos económicos estrangeiros – Crédit Agricole (França), Banco Bradesco (Brasl), CRM (EUA), BlackRock (EUA) – que certamente se sentirão espoliados com a "solução milagrosa" do BdP de transferir o que é bom para o "novo banco" e deixar o que é mau no "BES velho", e não ficarão passivos e vão procurar sacar do Estado. Para utilizar um dito popular " a procissão apenas vai no adro" e o Estado (os contribuintes), foi assim transformado em "prestador de último recurso " a quem caberá pagar a factura final que poderá ser muito pesada causada pela incúria e incompetência quer das entidades de supervisão quer do governo.

04/Agosto/2014

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