sexta-feira, 12 de setembro de 2014

"Algo completamente diferente"



25 Julho 2014 por Nicolau do Vale Pais

A consciência colectiva sobre a qualidade dos media é, ou deveria ser, um sintoma claro do nível de potencial cívico de uma sociedade.
"É um público tipicamente Hollywoodesco: todos os putos curtem drogas, enquanto os pais se divertem de patins". Reza a lenda que Eric Idle se terá enganado; no guião para o espectáculo "Monty Python Live at the Hollywood Bowl" de 1982, constaria que todos os pais curtiam drogas - numa alusão paródica à geração hippie - enquanto os putos andavam de patins - uma referência às modas da época, Walkman da Sony incluído. São as vicissitudes do directo, como se diz "na TV". Uma TV que os Monty Python ajudaram a mudar para sempre; eles, e a BBC.

Há uns meses, o septuagenário líder natural da trupe, John Cleese, escrevia no The Guardian um hilariante e corrosivo texto sobre o imobilismo dos Estados-nação europeus, que, agarrando-se aos preconceitos que a História ajudou a fundar, poderiam (e podem) continuar calmamente a não fazer nada que corresponda a realidade nenhuma. O mesmo não se poderá dizer do projecto londrino de recuperação da pobre e "lumpenizada" zona de King's Cross, hoje florescente de instituições de ensino, restaurantes, escritórios e habitação média, que teve como base a reabilitação da talha Vitoriana original de dezenas de edifícios e, como âncora, precisamente, a mudança de instalações do The Guardian para aquela zona (a ferrovia urbana e suburbana, essa, já lá estava, daí o nome "cross").

A consciência colectiva sobre a qualidade - ou a falta dela - dos media é, ou deveria ser, um sintoma claro do nível de potencial cívico de uma sociedade, quer estejamos a falar de informação ou de entretenimento. No caso português, bastará ouvir qualquer orador de serão falar sem contraditório de assuntos de Estado, com um pivô em frente a fazer de corpo presente, para percebermos que nem distinção há entre uma coisa e a outra. O que o pensamento mediano da elite bacoca do centrão, sempre preocupada com a popularidade "português suave" dos seus produtos candidatos ainda não percebeu, é que não há eficácia sem imaginação. Com certeza que, quando a direcção de programas da BBC encomendou o infame "Flying Circus" - estreou em 1969, estava Marcelo Caetano abancado há pouco mais de um ano -, ninguém imaginava a dimensão planetária do seu sucesso; e se hoje dele se diz ter tido na TV a mesma influência que os Beatles tiveram na música, isso foi apenas possível porque, precisamente, o que preside ao produto são os artistas, as suas escolhas, a sua atitude e o desassombro para com uma excentricidade que mais não é do que um sinal exterior de um profundíssimo sentido crítico e de cidadania.

Os Python - e se os conseguir apanhar a falar a sério, verá que é verdade - criaram-se no "Circus" com base em pressupostos de trabalho muito sérios, o mais importante dos quais foi terem-se sempre conduzido enquanto escritores (e não "performers"). A escrita - nota-se! - é o seu trabalho, ser actor é apenas um emprego.

No passado fim-de-semana, a trupe subiu ao palco para dar por terminada uma série de espectáculos na O2 Arena, uma sala multimeios, localizada no sudeste Londrino. Como todos os equipamentos gigantes, o seu novo-riquismo está vocacionado sobretudo para o "business", mais do que para a criação - Michael Jackson quis lá levar o seu "This is it". Não é natural que apareçam muito mais Pythons por esta vida, quando realmente o comércio canibaliza a criação, ao ponto de a colocar quase como uma pluma caprichosa no negócio dos sucessos auto-consagrados a que os espaços e espectáculos públicos se reduzem na procura incessante por mais receitas. E, embora esta última aparição dos Monty Python passe pouco de uma revisitação saudosista, ela não deixa de merecer nota, quanto mais não seja para pensar um pouco sobre a irrelevância dos meios e formas quando comparada ao brilho dos conteúdos. "Always look on the bright side of life".

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