O dia da implosão da Torre 5 do bairro do Aleixo |
18 Julho 2014 por Nicolau do Vale Pais
O caso do Bairro do Aleixo é deveras bárbaro no que toca à particular forma como causas e consequências são baralhadas na comunicação.
Os problemas políticos da cidade do Porto - para além do sentimento de finitude dos recursos nacionais ser muito mais real do que em Lisboa - começam no profundo desconhecimento da realidade local por parte dos agentes mediáticos sediados - de forma evidente, mas não por isso lógica - na capital. Poder em democracia hoje, para o melhor e para o pior, é "media".
Se assim não fosse, não teria havido o espanto nacional que só o equívoco mediático pode gerar, quando o Revisor Oficial de Contas da Câmara veio publicamente anunciar as suas dúvidas sobre as contas de Rui Rio. Diz o R.O.C. que tem dúvidas sobre 560 milhões de euros, em geral, dos quais 312,5 milhões geram preocupação, em particular, já que se trata de imobilizado corpóreo (bens tangíveis e intangíveis) que a Câmara diz ter, mas cujo inventário carece de cruzamento e confirmação com outras fontes de informação que não a própria Câmara (em Lisboa, onde António Costa faz subir o passivo em 10% ao ano, as mesmas dúvidas foram levantadas pelo R.O.C. local, mas para o dobro do montante, mais de 1.000 milhões de euros). Se está muito admirado, eu explico: os doze anos de Rio resumem-se, como os três de Passos, a cortes e cortes feitos em nome do tem de ser, sem que ninguém meça realmente as consequências económicas e sociais dos mesmos, da perda de habitantes e receita, à perda de influência política. O resto é ruído em sinfonia concertada entre spinners, imprensa e oportunistas.
O caso do Bairro do Aleixo é deveras bárbaro no que toca à particular forma como causas e consequências são deliberadamente baralhadas na comunicação, para que a acção política seja desonerada das suas responsabilidades efectivas. Para quem não sabe, o mesmo Rio que, através da Revista da Câmara Municipal paga pelos munícipes, justificava a demolição daquelas torres por uma questão de segurança às portas das eleições de 2009, tinha estado no Bairro em campanhas anteriores a prometer a sua não-demolição. Nós, portuenses, nunca soubemos o que tinha mudado em quatro anos, e foi criada a ideia de que o tráfico de droga naquela chaga da cidade era condição necessária e suficiente. O problema óbvio são os outros, os que não traficam. De demagogia em demagogia, aparece um concurso público para encontrar um parceiro privado para a construção de habitação com vistas de rio. Quem vence? O Grupo Espírito Santo, ele todo, através da Gesfimo, espantosamente, a concorrente única. Segue-se a criação de um Fundo Especial de Investimento (Novembro de 2009, a seguir às eleições), partilhado entre Câmara e Privados; do lado dos privados surge Vítor Raposo, colega de bancada do PSD de Rui Rio entre 1995 e 1999. Vítor Raposo, de acordo com as notícias vindas a lume aquando do estouro do BPN, está sob investigação por alegada participação com Pedro Lima (o filho de Duarte Lima) em negócios de compra de terrenos em Oeiras, financiados pelo (entretanto ou por isso) falido BPN, em cerca de 40 milhões de euros. Rui Moreira, actual Presidente da Câmara do Porto, decidiu esta semana pedir uma auditoria ao Fundo Imobiliário, naquela que é, na minha opinião, a sua mais relevante decisão política desde que em Setembro passado venceu as eleições. Do meu ponto de vista pessoal, nada no Aleixo me surpreende; choca-me não só a demolição em si, mas o processo e as razões enviesadas do mesmo, que omitem o objecto principal das decisões: as pessoas. E choca-me que a oposição nunca tenha sido capaz de fazer a pergunta-chave: porque não são ali mesmo realojados os habitantes do bairro? É má vizinhança tanto o pobre, como o traficante?
Repito: nada me surpreende, porque já no caso da tentativa disfarçada de fazer um Shopping no Bolhão através de um concurso público, este tinha sido ganho por uma tal de Tramcrone, empresa também ela a braços com problemas com a Justiça anteriores ao concurso, mas que os Executivos de Rio acharam ser irrelevantes ao ponto de ela ter condições para ganhar um concurso público. Do ponto de vista do enviesamento comunicacional, estas tricas são idênticas às do Rivoli, em que a problemática em torno do 'subsidiamento' ou não da actividade cultural serviu de muleta e desculpa - como o tráfico de droga no Aleixo - para decisões totalmente à margem das responsabilidades políticas originais. Em ambos, ganharam os privados, algo que como munícipe do Porto não me envergonha, já que é igual em perfídia ao que hoje sabemos ser a política nacional.
Se acho que Rio ou Costa são piores ou melhores do que tudo o resto? Não, não acho. O que acho francamente grave é que o futuro dos dois principais Partidos da nação esteja resumido a heróis feitos de equívocos tão graves quanto aqueles que nos trouxeram até à mãos da troika. É essa a falta de esclarecimento que nos mantém neste buraco insular; resta saber se estamos aqui fechados por causa da Banca ou por causa dos hipócritas.
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