sábado, 22 de junho de 2013

Mikis Theodorakis - CARTA ABERTA à opinião pública internacional



A VERDADE SOBRE GRÉCIA

Há uma conspiração internacional cujo objetivo é a completa destruição do meu país. Eles começaram em 1975, contra a civilização grega moderna, e depois continuaram com a distorção da nossa história recente e da nossa identidade nacional e, agora, tentam exterminarnos fisicamente, com o desemprego, a fome e a miséria. Se os gregos não se levantarem para os deter, o risco de extinção da Grécia é real. Isso pode acontecer nos próximos dez anos. A única coisa que nos sobreviveria seria a memória da nossa civilização e das nossas lutas pela liberdade.

Até 2009, não havia nenhum problema económico sério. As grandes feridas da nossa economia eram os gastos militares excessivos e a corrupção de uma parte do mundo político e económico-jornalístico. Mas também são responsáveis alguns países estrangeiros, entre eles a Alemanha, França, Inglaterra e EUA, que ganharam milhares de milhões de euros à custa da nossa riqueza nacional, vendendo-nos ano após ano equipamento militar. Esta hemorragia constanteimpediu-nos de avançar enquanto enriquecia outros países. O mesmo pode ser dito no que respeita ao problema da corrupção. Por exemplo, a empresa alemã Siemens teve uma agência especial dedicada a corromper gregos a fim de que eles dessem preferência aos seus produtos no nosso mercado. Assim, temos sido vítimas deste duo de predadores, alemães e gregos, que enriqueceream às custas do país.

É óbvio que estas duas grandes feridas poderiam ter sido evitadas se os líderes de ambos os partidos políticos pró-ianques não se tivessem deixado corromper. Essa riqueza, produto do trabalho do povo grego, foi drenada para o exterior e os políticos trataram de compensar as perdas através de endividamento excessivo que levou a uma dívida de 300 mil milhões de euros, 130% do PIB grego.

Com tal golpe, os estrangeiros ganharam duas vezes: primeiro com a venda de armas e dos seus produtos e, em segundo lugar, com juros sobre o capital emprestado ao governo, não ao povo grego, que, como vimos, foi a principal vítima em ambos os casos. Um único exemplo será suficiente para provar isso: em 1986, o governo de Andreas Papandreou pediu emprestado mil milhões de dólares a um banco de um grande país europeu. Os juros desse empréstimo terminaram de acabar-se em 2010 e ascenderam a 54 mil milhões de euros!

No ano passado, o presidente do Eurogrupo, Jean-Claude Juncker, disse que estava ciente da fuga massiva de capitais que tinha lugar na Grécia por causa do alto (e obrigatório) custo de equipamento militar, comprado exclusivamente à Alemanha e França. Acrescentou que havia concluído que os fabricantes de armas nos estavam a levar ao desastre certo. No entanto, confessou que não fez nada para contrariar isso, para não prejudicar os interesses de países amigos!

Em 2008, a grande crise económica chegou à Europa. A economia grega não escapou dela. No entanto, o nível de vida, que até então tinha sido bastante elevado (a Grécia estava classificada entre os 30 países mais ricos do mundo), praticamente não se alterou, apesar do aumento da dívida pública. A dívida pública não se traduz necessariamente numa crise económica. Estima-se que a dívida de grandes países como os EUA e a Alemanha é de centenas de milhar de milhões de euros. Os fatores determinantes são o crescimento económico e a produção. Se ambos forem positivos, é possível obter empréstimos bancários com juros abaixo de 5%, até a crise passar.

Em novembro de 2009, quando George Papandreou assumiu o poder, estávamos exatamente nessa posição. Para entender o efeito da sua política desastrosa, vou citar apenas duas percentagens: em 2009, o PASOK de Papandreou obteve 44% dos votos. Agora, as sondagens não lhes dão mais de 6%.

Papandreou poderia ter enfrentado a crise económica (que era um reflexo da crise europeia) com empréstimos bancários a juros habituais, ou seja, abaixo de 5%. Se o tivesse feito, o nosso país não teria tido problemas. De facto, teria ocorrido o oposto; como estávamos numa fase de crescimento económico, o nosso nível de vida teria melhorado.

Mas no verão de 2009, quando Papandreou se reuniu secretamente com Strauss-Kahn para colocar a Grécia sob a tutela do FMI, já tinha começado a sua conspiração contra o povo grego. Foi o ex-diretor do FMI quem fez esta revelação.

Para isso, era preciso falsificar a situação económica do nosso país para que os bancos estrangeiros se asustassem e aumentassem para níveis proibitivos as taxas de juro sobre os empréstimos. Essa cara operação cara iniciou-se com o aumento artificial do défice público, de 12% para 15% para o ano de 2009 [Andrew Georgiu, Presidente do Conselho de Administração do Instituto Nacional de Estatística, ELSTAT, decidiu subitamente em 2009, sem o consentimento do Conselho de Administração, incluir no cálculo do défice algumas organizações e empresas que nunca foram tidas em conta em qualquer outro país europeu, com excepção da Noruega, e isso com o objectivo de que o défice da Grécia ultrapassasse o da Irlanda (14%), para converter o nosso país no elo mais fraco na Europa. Devido a esse aumento artificial do défice, o procurador da República, Grigoris Peponis, indiciou há três semanas Papandreou e Papakonstantinu (ex-ministro das Finanças).

De seguida, Papandreou e o seu ministro das Finanças iniciaram uma campanha de descrédito que durou cinco meses, durante os quais tentou convencer os estrangeiros de que a Grécia, como o Titanic, estava a afundar-se e que os gregos são corruptos, preguiçosos e incapazes de enfrentar as necessidades do país. As taxas de juros subiram, depois de cada uma das suas declarações e tudo isso ajudou a Grécia deixasse de ser capaz de poder contrair empréstimos e para que a nossa adesão aos ditames do FMI e do Banco Central Europeu se convertesse numa operação de resgate que,na realidade, é o início do nosso fim.

Em maio de 2010, o ministro das Finanças assinou o Memorando, ou seja, a submissão da Grécia aos nossos credores. De acordo com a legislação grega, a adoção de tal acordo deve ser apresentada ao Parlamento e precisa da aprovação de três quintos dos deputados. Isso significa que tanto o memorando como a troika que nos governa são ilegais, não só do ponto de vista do direito grego, mas também da legislação europeia.

Desde então, se acreditarmos que a nossa jornada para a morte é uma escada de vinte degraus, nós já percorremos mais de meio caminho. O Memorando dá aos estrangeiros a nossa independência nacional e a propriedade da nação, ou seja, os nossos portos, aeroportos, estradas, electricidade, água, todos os recursos naturais (subterrâneos e submarinos, etc.) A isto devemos acrescentar os nossos monumentos históricos, como a Acrópole, Delpos, Olimpia, Epidauro e outros, já que decidimos não fazer valer os nossos direitos.

A produção diminuiu, a taxa de desemprego aumentou para 18%, 80.000 lojas fecharam, milhares de pequenos negócios e centenas de indústrias. No total, 432.000 empresas foram à falência. Dezenas de milhares de jovens cientistas estão a abandonar o nosso país, que se afunda cada vez mais nas trevas da Idade Média. Milhares de pessoas que tinham uma boa posição até recentemente, agora procuram comida nas latas de lixo e dormen nas calçadas.

Enquanto isso, supõe-se que devemos viver graças à generosidade de nossos credores, os bancos europeus e o FMI. Na verdade, todo o pacote de dezenas de milhar de milhões de euros à Grécia volta em seguida para os nossos credores, enquanto nos endividamos cada vez mais, devido às taxas de juros insuportáveis. E como é necessário manter as funções do Estado, hospitais e escolas, a troika impõe impostos exorbitantes para a classe média baixa da nossa sociedade, que levam diretamente à fome. A última vez que tivemos uma situação de fome generalizada no nosso país foi no início da ocupação alemã em 1941, com quase 300.000 mortes em apenas seis meses. Hoje, o espectro da fome volta novamente ao nosso desafortunado e caluniado país.

Se a ocupação alemã custou, a nós gregos, um milhão de mortes e a destruição de nosso país, como podemos aceitar as ameaças de Merkel e a intenção alemã de nos impor um novo Gauleiter... Desta vez, usando uma gravata ...

E para provar quão rico país é a Grécia e quão trabalhador e consciente é o povo grego (consciente da sua dívida à liberdade e amor pelo seu país) , cito um exemplo do tempo da ocupação alemã, de 1941 até outubro de 1944

Quando as SS e a fome mataram um milhão de pessoas e a Wehrmacht destruiu o nosso país, confiscou toda a produção agrícola e o ouro dos bancos, os gregos foram capazes de sobreviver através do Movimento de Solidariedade Nacional e de um exército de 100.000 guerrilheiros, que imobilizaram 20 divisões alemãs no nosso país. Ao mesmo tempo, os gregos não só sobreviveram graças à sua diligência no trabalho, mas também, sob as duras condições da ocupação, graças ao grande desenvolvimento da arte grego moderna, especialmente nos campos da literatura e da música.

A Grécia escolheu o caminho do sacrifício pela liberdade e a sobrevivência, ao mesmo tempo.

Fomos atacados, respondemos com a solidariedade e resistência, e sobrevivemos. Agora fazemos exatamente o mesmo, com a certeza de que o povo grego , com o tempo, vencerá. Esta mensagem é endereçada a Merkel e ao ministro das Finanças alemão, Wolfgang Schäuble, e enfatiza que ainda sou um amigo do povo alemão e um grande admirador da sua contribuição para a ciência, a filosofia, a arte e, em particular, a música. A melhor prova disso é que confio o meu trabalho musical a duas editoras alemãs, Breitkopf e Schott, que estão entre as maiores editoras do mundo, e as minhas relações com eles são cordiais.

Hoje ameaçam de conduzir-nos para fora da Europa. Se eles não nos querem uma vez, nós não queremos dez vezes fazer parte da Europa de Merkel e Sarkozy.

Hoje, domingo, 12 de Fevereiro, vou participar numa manifestação, juntamente com Manolis Glezos, o herói que arrancou a suástica da Acrópole e, assim, deu o sinal que marcou o início não só da resistência grega, mas também da resistência europeia contra Hitler. As nossas ruas e praças encher-se-ão de centenas de milhares de gregos, que expressarão a sua raiva contra o governo e a troika.

Ontem ouvi o nosso primeiro-ministro banqueiro, quando, dirigindo-se ao povo, disse que quase atingimos o ponto zero. Mas quem nos trouxe a este ponto ZERO em dois anos? São os mesmos que, em vez de estar na cadeia, chantageiam os deputados para votarem um novo Memorando, pior que o anterior e que será implementado pelas mesmas pessoas, e seguindo a mesma metodologia que nos trouxe a este ponto ZERO. Porquê? Porque é isso que o FMI eo Eurogrupo nos obrigam a fazer com ameaças: se não obedecermos será a falência... A situação é totalmente absurda. Grupos gregos e estrangeiros, que nos odeiam e são os únicos responsáveis pela situação em que está o nosso país, ameaçam-nos e chantageiam-nos para continuarmos a destruir até à nossa extinção definitiva.

Durante séculos temos sobrevivido em condições muito difíceis. E não só sobreviveremos agora, mas ressuscitaremos se nos levarem pela força até ao penúltimo degrau da escada que leva à morte.

Neste momento que dedico todas as minhas forças para unir os gregos. Tento convencê-los de que a troika e o FMI não são uma rua de sentido único. Há outra solução: alterar a orientação da nossa nação. Pactuemos uma cooperação económica com a Rússia para nos ajudar a valorizar a riqueza do nosso país em termos favoráveis para nossos interesses nacionais. Proponho que paremos de comprar equipamento militar alemão e francês. Façamos todos os possíveis para que a Alemanha pague as reparações de guerra que nos deve, e que, com juros acumulados, totaliza 500 mil milhões de euros.

A única força capaz de fazer estas mudanças revolucionárias é o povo grego, numa frente unida de Resistência e Solidariedade, que expulse do país a troika (FMI e bancos europeus). Ao mesmo tempo, declaremos nulos e sem efeito todos os actos ilegais, empréstimos, dívidas, juros, impostos e vendas de bens públicos). Claro que os seus parceiros gregos, que o nosso povos á condenou como traidores, receberão o castigo que merecem.

Vivo totalmente dedicado, de corpo e alma, a esta causa (a união do povo numa Frente) e tenho a certeza de que o vamos conseguir. Eu lutei com armas na mão contra a ocupação nazi. Conheci os calabouços da Gestapo. Fui condenado à morte pelos alemães e sobrevive milagrosamente. Em 1967, fundei a Frente Patriótica Anti-ditadorial, a primeira organização de resistência contra a junta militar. Lutei na clandestinidade. Fui preso e encarcerado no "matadouro" da polícia da Junta Militar. Mas continuo aqui.

Tenho 87 anos e é muito provável que não viva para ver a salvação da minha amada pátria. Mas morrerei de consciência tranquila, porque até ao fim cumprirei o meu Dever para com os ideais da liberdade e do direito.

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