13 Outubro 2011
La Stampa
Turim
Para o escritor italiano Antonio Scurati, a multiplicação
dos investimentos chineses na Europa e da influência do capitalismo à
moda chinesa na economia europeia, constituem uma ameaça à liberdade e à
soberania dos europeus e ao seu modelo sócio-cultural.
Não sei qual a vossa opinião, mas, quanto a mim, não tenho vontade alguma de morrer chinês. No entanto, pelo caminho que as coisas levam, isso é altamente provável.
Em meados de Setembro, no momento exacto em que o sul da Europa se precipitava em direcção ao desastre, durante o congresso anual do World Economic Forum – que decorre na China desde 2007 (será por acaso?) e este ano se intitula “Novos Campeões 2011” – o Primeiro-ministro Wen Jiabao anunciou que o seu país irá investir cada vez mais no “velho” continente.
No meu caso, a pergunta é um pouco mais preocupante pois quis o acaso que o meu mais recente romance – La seconda mezzanotte [“A segunda meia-noite” ou “A segunda metade da noite”] – tenha sido lançado a 14 de Setembro, por coincidência exactamente o dia em que as agências noticiosas repercutiam os anúncios de Wen Jiabao. No romance, imaginei que, em 2029, a Itália tinha-se tornado um país satélite da China depois de lhe ter cedido a totalidade da sua dívida externa e que, após uma terrível inundação, Veneza tinha sido comprada por uma empresa multinacional de Pequim. Renascida com o estatuto de Zona Politicamente Autónoma, o seu destino era, a partir dali, o de um parque de diversões dedicado ao luxo e aos vícios desenfreados dos novos-ricos orientais. Portanto, a essa questão perturbadora só posso dar uma resposta igualmente perturbadora.
Sim, temo tudo isso, não só porque ainda tenho nos olhos a imagem desse jovem que defrontou um tanque na praça Tian'anmen, armado apenas com os seus dois sacos de compras (não esqueçamos que este jovem era, também ele, chinês), ou porque prevejo um conflito civilizacional entre a Europa e a China, mas também porque estou assustado com o descaminho de um capitalismo financeiro cuja espinha dorsal passou a ser representada por fundos soberanos chineses, com uma utilização do capitalismo concebido para financiar o trabalho e o projecto empreendedor mas que acabou por os enterrar.
Se num futuro próximo a política não conseguisse percorrer em sentido inverso o caminho que a conduziu da soberania à obscenidade, o risco seria, efectivamente, que dentro de pouco tempo surgiria um conflito gigantesco entre os juros especulativos da finança apátrida – pouco importa se é chinesa, americana ou nossa – e as necessidades, as expectativas legítimas, as esperanças de cada um de nós.
Os receios exprimidos por Scurati no seu romance
parecem ter feito eco na China: “Submergidos pelas dívidas, os países da
Europa do sul estão a braços não com uma crise, mas com negociações
comerciais. A Grécia e a Itália, que outrora dominavam o Mediterrâneo,
envelhecem, e acabarão por ser resgatadas por uma multidão de turistas
asiáticos. Tal como Esparta”, escreve o Asia Times.
Este site da actualidade de Hong Kong compara de facto a cidade grega,
“a primeira potência mundial a ser vítima de um suicídio demográfico,
mas também a primeira antiga potência a sobreviver sob a forma de parque
temático”, aos dois países mediterrânicos: “os últimos espartanos
continuaram olear o cabelo, a vestir túnicas, a tocar flauta e a
colocar-se em falanges para satisfazer os visitantes romanos. Se os
turistas que vinham de Itália permitiram a Esparta sobreviver durante
500 anos após o desaparecimento do seu modelo político, os visitantes
chineses podem facilmente manter a Itália à tona durante um ou dois
séculos. Tal como os espartanos, os italianos acabarão a vender pizas, a
soprar vidro e engarrafar vinho para uma grande quantidade de
asiáticos. Se as circunstâncias forem favoráveis, o número de turistas
asiáticos poderá duplicar em poucos anos, ajudando assim a Itália
reduzir a sua dívida externa. Mas há uma contra indicação: a China
acabará por possuir grande parte do país”.
Não sei qual a vossa opinião, mas, quanto a mim, não tenho vontade alguma de morrer chinês. No entanto, pelo caminho que as coisas levam, isso é altamente provável.
Em meados de Setembro, no momento exacto em que o sul da Europa se precipitava em direcção ao desastre, durante o congresso anual do World Economic Forum – que decorre na China desde 2007 (será por acaso?) e este ano se intitula “Novos Campeões 2011” – o Primeiro-ministro Wen Jiabao anunciou que o seu país irá investir cada vez mais no “velho” continente.
Os chineses estão a salvar-nos ou a invadir-nos?
Com um sentido de oportunidade bastante aterrador, tinham circulado vozes insistentes nos dias anteriores sobre as intenções da China de fazer aquisições em massa de títulos do tesouro italiano, corroborados pela viagem a Roma do Presidente da China Investments Corp, um dos fundos de investimento mais ricos do mundo, que veio discutir a compra de posições firmes no capital de empresas estratégicas para a nossa economia nacional. Desde então, não passa um dia sem que nos perguntemos se os chineses estão a salvar-nos ou a invadir-nos?No meu caso, a pergunta é um pouco mais preocupante pois quis o acaso que o meu mais recente romance – La seconda mezzanotte [“A segunda meia-noite” ou “A segunda metade da noite”] – tenha sido lançado a 14 de Setembro, por coincidência exactamente o dia em que as agências noticiosas repercutiam os anúncios de Wen Jiabao. No romance, imaginei que, em 2029, a Itália tinha-se tornado um país satélite da China depois de lhe ter cedido a totalidade da sua dívida externa e que, após uma terrível inundação, Veneza tinha sido comprada por uma empresa multinacional de Pequim. Renascida com o estatuto de Zona Politicamente Autónoma, o seu destino era, a partir dali, o de um parque de diversões dedicado ao luxo e aos vícios desenfreados dos novos-ricos orientais. Portanto, a essa questão perturbadora só posso dar uma resposta igualmente perturbadora.
Conflito civilizacional entre Europa e China
Catastrofismos literários à parte, parece-me absolutamente evidente que o aparecimento de uma soberania político financeira chinesa no nosso velho continente precipitaria o declínio da civilização europeia tal como a conhecemos, sonhámos e amámos (pelo menos na nossa visão ideal). Temo que seja uma grave ameaça aos fundamentos culturais da civilização ocidental europeia moderna: soberania política do povo, liberdade de pensamento e de expressão, direitos dos trabalhadores e do cidadão, autonomia individual, solidariedade entre os indivíduos reunidos em sociedade, valorização pessoal, segurança alimentar, respeito pelo carácter sagrado da vida.Sim, temo tudo isso, não só porque ainda tenho nos olhos a imagem desse jovem que defrontou um tanque na praça Tian'anmen, armado apenas com os seus dois sacos de compras (não esqueçamos que este jovem era, também ele, chinês), ou porque prevejo um conflito civilizacional entre a Europa e a China, mas também porque estou assustado com o descaminho de um capitalismo financeiro cuja espinha dorsal passou a ser representada por fundos soberanos chineses, com uma utilização do capitalismo concebido para financiar o trabalho e o projecto empreendedor mas que acabou por os enterrar.
Se num futuro próximo a política não conseguisse percorrer em sentido inverso o caminho que a conduziu da soberania à obscenidade, o risco seria, efectivamente, que dentro de pouco tempo surgiria um conflito gigantesco entre os juros especulativos da finança apátrida – pouco importa se é chinesa, americana ou nossa – e as necessidades, as expectativas legítimas, as esperanças de cada um de nós.
Sem comentários:
Enviar um comentário