segunda-feira, 24 de junho de 2013

EUA... insolvente?

por Chris Martenson

Tudo o que alguém tem a fazer é retroceder dois passos, ignorando inteiramente as querelas orçamentais sem significado actualmente a decorrer em Washington, para ver que a situação fiscal do governo federal está um pandemónio completo. De facto, tal como as coisas se posicionam em termos de despesas e receitas, o governo dos EUA está tecnicamente insolvente – os seus passivos excedem amplamente os seus activos na base do valor actualizado líquido (VAL).

Obama acaba de apresentar um plano que apela ao corte de uns US$4 milhões de milhões (trillion), acréscimos incrementais do défice ao longo dos próximos 12 anos, mas isto meramente obscurece o facto de que no entanto o défice ainda crescerá num montante especialmente vultuoso. Planos de ambos os partidos apelam ao acréscimo de mais dívida mas a um ritmo mais lento. É verdade, isso é uma espécie de progresso. Mas não o tipo de progresso que você queira trazer para casa.

Para qualquer um que seja mesmo um estudioso superficial de história ou tenha prestado a mais ligeira atenção do que transpirou quanto à Grécia, Irlanda,e Portugal e outros países com uma tendência desenfreada a gastar mais do que tem, é claro qual será a progressão dos acontecimentos para os EUA.

Primeiro haverá uma crise fiscal/de financiamento que terá origem no mercado de títulos, especialmente no mercado de Títulos do Tesouro dos EUA. As taxas de juro dispararão e ou a austeridade será imposta sobre os Estados Unidos de um modo especialmente desagradável e draconiano (o mercado de títulos é especialmente impiedoso), ou será auto-imposto (não muito provável). As minhas estimativas indicam que este processo terá início antes do fim de 2012.

A seguir, se os EUA deixarem de atender aos decretos do mercado de títulos e tentarem manter despesas face à elevação de taxas de juro ou sair da perturbação através da impressão [de moeda], aumentam os riscos de que o US dólar sofra um grande declínio. Digamos que este processo começará um ano após o arranque da crise fiscal.

Assim é e não há alternativa. Uma crise fiscal possivelmente (provavelmente?) seguida por uma crise da divisa.

Quanto tempo demorará para que os mercados acordem para esta progressão simples é objecto de conjecturas. Aqui temos de recorrer a uma máxima simples que nos tem servido muito bem:

- Qualquer coisa que seja insustentável um dia terá de cessar.

No ano passado, os EUA não eram os únicos com agruras fiscais e económicas.

Este ano, os EUA distinguiram-se por serem a única economia avançada a aumentar o seu défice de base em 2011, segundo o FMI.

De modo bastante incisivo, recentemente o FMI esteve próximo de uma ruptura ao destacar que os EUA está a caminhar na direcção errada do ponto de vista fiscal (e por extensão do monetário) e a arriscar-se a uma crise sistémica por prosseguir um caminho insustentável.

Em 20 de Março, John Lipsky do FMI pronunciou palavras duras (num fórum em Pequim, deve-se notar):

Lipsky afirma que dívida de países avançados provoca o risco de crise futura quando os rendimentos começarem a subir

O fardo crescente da dívida dos países mais desenvolvidos do mundo, que se encaminham este ano para o recorde pós II Guerra Mundial, é insustentável e traz o risco de uma futura crise fiscal, disse John Lipsky do Fundo Monetário Internacional.

Este ano rácio médio da dívida pública de países avançados excederá 100 por cento do seu produto interno bruto pela primeira vez desde a guerra, disse hoje Lipsky, primeiro vice-director do FMI, num discurso num fórum em Pequim.

"As consequências fiscais da crise recente devem ser tratadas antes que comecem a impedir a recuperação e criem novos riscos", disse Lipsky. "O desafio central é prevenir uma potencial crise fiscal futuro, enquanto, ao mesmo tempo, criar empregos e apoiar a coesão social".

Estou de pleno acordo com a avaliação de que os EUA estão a acrescentar, não a subtrair, os riscos financeiros e fiscais que enfrentamos. Tais são os "prémios" de tentar sustentar o insustentável em defesa de um status quo que precisa sair da inactividade, uma curiosidade interessante de um tempo ultrapassado.

Já provámos que há um limite para quanta dívida destrutiva e não produtiva pode ser acumulada, mas os EUA estão agora quase isolados nas suas vãs tentativas de ressuscitar aquele modelo para um último lançamento.

O ASSOMAR DA CRISE DA DÍVIDA

O FMI tem alguns dados firmes para apoiar as suas preocupações e recentemente divulgou um relatório no qual apresentou uma tabela que contém toda a essência da situação difícil de "crescer ou morrer" que confronta não só os EUA como todo o mundo desenvolvido.

Há um certo número de coisas a dissecar na tabela, de modo que vamos considerá-las uma por uma.

A primeira é que as necessidades totais de financiamento para os governos soberanos (apenas) da maior parte das chamadas "economias avançadas" expandiu-se entre 2010 e 2011 de 25,8% do PIB para 27,0% do PIB. Isto significa que mesmo com a alegada recuperação a vigorar plenamente – uma miragem estatística sob muitos aspectos – o financiamento da dívida terá de crescer mais, não menos.

É tão grande que convém repetir:

- As necessidades de financiamento bruto dos EUA e do Japão são de 28,8% e 55,8% do PIB de 2011, respectivamente. Trata-se de montantes estarrecedores e eles têm apenas, como seria de prever em qualquer quadro conceptual decente que combinasse liderança franca e dinheiro baseado na dívida com declínio líquido de energia, de tornar-se maiores passados uns poucos anos.

Concentrando um pouco mais a atenção, notaremos que três países ostentam défices fiscais além de 10% do PIB:

- Japão, Estados Unidos e Irlanda, enquanto o Reino Unido está um pouco atrás com um défice de 8,6%.

Como é que alguém permite tão impressionantes necessidades de tomada de empréstimos a taxas razoáveis sem a promessa explícita de que o crescimento retornará em breve, e que os mesmos vão ser liquidados no futuro?

Quem continuará a comprar toda aquela dívida a taxas ridiculamente baixas?

Os participantes autónomos do mercado já chegaram a uma conclusão, como evidenciado por Bill Grosse, da PIMCO, e outros, ao venderem todos os seus haveres em Títulos do Tesouro e começarem mesmo a vender a descoberto (to short) o lixo. Eles estão a apostar em que a resposta é "apenas os bancos centrais e o seu tempo está a acabar".

Logo a seguir ao relatório que produziu a tabela acima (dentre muitas outras, algumas igualmente perturbantes) o FMI avançou com uma campanha para começar a pressionar:

FMI:

- Os EUA devem cortar a dívida maciçamente (12/Abril/2011)

O Fundo Monetário Internacional incitou os Estados Unidos a esboçarem medidas credíveis e imediatas, para reduzir o seu défice orçamental, pressionando a Casa Branca a pormenorizar planos para reduzir os níveis recorde da dívida pública.

O FMI disse que enquanto a maior parte das economias avançadas estava a dar passos para controlar fossos orçamentais, duas das maiores economias do mundo — Japão e Estados Unidos — atrasaram essa acção para cuidar das suas recuperações.

O facto de o FMI ter decidido dizer que falta um guarda-roupa sensato ao imperador, diz-nos muito acerca de onde estamos na curva desta história.

Conclusão

Os EUA estão num caminho fiscalmente insustentável, e desperdiçaram quase totalmente a oportunidade que esta crise representou para por a sua casa em ordem.

Obama, e seja quem for que se sente a seguir no gabinete oval, tem a tarefa imensamente difícil de explicar a pessoas comuns porque o aperto de cinto que está para vir aplica-se a eles e não aos bancos que criaram a confusão (e estão febrilmente a receberem bónus recordes em resultado).

Dado este constrangimento, e a paralisia geral de lógica que agora se apossa de Washington, podemos quase certamente esperar que a resolução do jogo de muitas décadas do "kick-the-can"...

O FMI pronunciou em tom muito medido e seco, se não aborrecido, a recitação dos riscos envolvidos.

"O único caminho de saída é aceitar a ideia de que os padrões de vida têm de cair para atenderem aos excessos do passado", uma admissão que os "peritos" concordam ser politicamente impossível nos EUA neste momento.


Governo americano ultrapassou o limite legal da dívida


Governo americano ultrapassou o limite legal da dívida, fixado em 14,3 biliões de dólares (€10,1 biliões), há precisamente nove dias.

Como os gastos superam largamente a receita, a administração decidiu adoptar "medidas extraordinárias" para não comprometer o limite autorizado pelo Congresso, nomeadamente a suspensão de pagamentos aos fundos federais de pensões de reforma e invalidez, para travar o aumento das suas dívidas a terceiros. No entanto, refere o Tesouro, ficará sem alternativas a 2 de Agosto. Mas não só. Na ausência de um "Plano B" é inevitável que o governo americano entre em incumprimento.
Diz-se à boca fechada que haverá um acordo de última hora, mas as dúvidas persistem. Política à parte, a solução é óbvia: aumentar a receita sem subir impostos. Um sistema fiscal mais simples com uma base tributária mais alargada pode estimular a receita e baixar os juros. Eis o elemento chave do plano Bowles-Simpson, subscrito pelo senador Republicano Tom Coburn, figura de proa na defesa de um acordo orçamental bipartidário, mau grado o desacordo do seu partido. As perspectivas são sombrias e o desfecho não deverá andar muito longe do acima referido. No entanto, a pergunta que todos fazem é: "A que tipo de acordo se vai chegar em Agosto?".
A solução poderá passar por uma estratégia de "metas e mecanismos desencadeadores". Ou seja, por combinar, numa fase inicial, cortes na despesa e metas para os défices futuros com medidas automáticas para reduzir a despesa ou aumentar impostos no caso de as metas serem ultrapassadas. Os impostos são, uma vez mais, o pomo de discórdia. Os Republicanos querem mecanismos desencadeadores para reduzir automaticamente a despesa, mas opõem-se à subida automática de impostos.
A administração americana adoptou a terminologia "despesas fiscais" para quadrar este círculo. Importa dizer que, em termos analíticos, a expressão está correcta. As deduções fiscais dos juros hipotecários e outras despesas são, na prática, subsídios disfarçados no código contributivo: quem quiser limitar o papel do governo na economia tem todo o interesse em que se reduzam esses dois tipos de "despesa". Os Republicanos continuam reticentes, à excepção de Coburn. Se a carga fiscal aumentar, a classe política terá sérias dificuldades em explicar aos cidadãos americanos que não se trata de um aumento de impostos, embora pareça que sim.
Solução?

É preciso definir novas metas para reduzir o défice e adoptar princípios relativamente vagos para as medidas automáticas para conquistar o apoio de Republicanos e Democratas. Nada disto vai resolver o problema no longo prazo. Quando muito, vai evitar um choque político no curto prazo. Como é óbvio, haverá quem cante vitória.
Eis o estado a que chegou Washington.

 

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