Um desabafo de um amigo que já nos deixou.
Seus gritos de alarme de alma profundamente magoada mantêm-se actuais e DÃO QUE PENSAR !
"Nunca foi tão sinistra a idiotização das gentes! Vivo numa prisão de malfeitores, num asilo de imbecis, numa cloaca moral, num país esvaziado de substância ética ao qual foram extraídos os nervos da civilização (no sentido que Almada dava à palavra), da religião e da tradição (na face luminosa do termo) – ou se nem todos foram extraídos ainda, é possível que o sejam num futuro curto.
A imprensa,
a rádio, a televisão, os discursos políticos, a literatura que se publica, a arte que se faz, as aspirações que se proclamam, as «verdades» que se declaram fazem estremecer: e não só o gás letal da branda ou desesperada idiotia se espalha sobre Portugal como é visível haver outras toalhas, não menos tóxicas, cobrindo áreas cada vez maiores do mundo. Creio que «os tempos estão próximos» – e «ei-los já!» Mas ao invés da catástrofe colossal, do cometa de fogo, do incêndio radioactivo que se teme, é provável que o fim seja brando, estúpido, baço, como um doente que se esvai e desmaia e se afunda na cegueira, na incompreensão, na inconsciência. Em todo o caso, esta «civilização» não pode acabar de modo grande! A sua morte terá de se parecer com a sua face – terá de ser mesquinha, medíocre, opaca.
Poderá Portugal sobreviver, como os pacientes da lobotomia, sem cérebro? Mais valerá morrer. Esta vida vegetativa – só pança, só dinheiro, só grossas materialidades, bruta e sem nexo, provoca a náusea. Como os homens são feios!
Penso que D. Sebastião escolheu desaparecer, porque algum profeta lhe anunciou o que seria o Portugal do século XX.
Mas não será essa a lição dos tempos, precisamente que nada há a esperar do que é estritamente, baixamente humano? Portugal é, então, o lugar privilegiado: a cloaca, o ânus do Ocidente, morte afinal muito próxima do lugar da ressurreição.
Ser português é estar exilado no próprio país. É, pois, conhecer o estranhamento de tudo, o alheamento último de todos os sonâmbulos que me rodeiam e saber que na extremidade da degradação, de degrau, poderá estar a primeira vértebra da subida."
- Lima de Freitas
(1927-1998)
Sem comentários:
Enviar um comentário