domingo, 29 de junho de 2014

Guerra e morte do dólar americano?


 


Os EUA ou o mundo estão a chegar ao fim?

por Paul Craig Roberts [*]

2014 está a perfilar-se como o ano de ajuste de contas para os Estados Unidos.

Duas pressões estão a acumular-se sobre o dólar americano. Uma decorre da declinante capacidade do Federal Reserve para manipular o preço do ouro quando as reservas ocidentais encolhem e se espalha no mercado o conhecimento da ilegal manipulação de preços feita pelo Fed. É inequívoca a evidência de quantidades maciças de vendas a descoberto a serem despejadas no mercado de futuros do ouro numa altura em que a comercialização é fraca. Tornou-se óbvio que o preço do ouro está a ser manipulado no mercado de futuros a fim de proteger o valor do dólar das consequências da quantitative easing (QE).

A outra pressão provém das loucas ameaças do regime de Obama, de sanções contra a Rússia. Outros países já não estão dispostos a tolerar o abuso de Washington quanto ao padrão dólar mundial. Washington utiliza os pagamentos internacionais com base no dólar para prejudicar as economias de países que resistem à hegemonia política de Washington.

A Rússia e a China já estão fartas. Conforme noticiei e conforme Peter Koenig noticia, a Rússia e a China estão a desligar do dólar o seu comércio internacional. Daqui em diante, a Rússia efectuará o seu comércio, incluindo a venda de petróleo e de gás natural à Europa, em rublos e nas divisas dos seus parceiros do BRICS.

Isto significa uma grande quebra na procura de dólares americanos e uma queda correspondente no valor cambial do dólar.

Conforme John Williams ( shadowstats.com ) deixou claro, a economia dos EUA não recuperou dos maus tempos de 2008 e tem continuado a enfraquecer. A grande maioria da população americana há anos que está a ser fortemente pressionada pela falta de crescimento dos rendimentos. Como actualmente os EUA são uma economia dependente quanto a importações, uma queda no valor do dólar aumentará os preços nos EUA e fará baixar o nível de vida.

Todos os indícios apontam para o fracasso económico dos EUA em 2014, e é essa a conclusão do relatório de John William, de 9 de Abril.

Este ano também pode vir a assistir ao colapso da NATO e talvez mesmo da UE. O golpe imprudente de Washington na Ucrânia e a ameaça de sanções contra a Rússia empurraram os estados marionetes da NATO para um terreno perigoso. Washington avaliou mal a reacção na Ucrânia quando derrubou o seu governo democraticamente eleito e impôs um governo fantoche. A Crimeia separou-se rapidamente da Ucrânia e juntou-se à Rússia. Poderão seguir-se em breve outros territórios outrora russos.

Os descontentes em Lugansk, Donetsk e Kharkov estão a exigir referendos. Os descontentes promulgaram a República Popular de Donetsk e a República Popular de Kharkov. O governo fantoche de Washington em Kiev ameaçou dominar os protestos com a violência. (rt.com/news/eastern-ukraine-violence-threats-405/ )

Washington afirma que as manifestações de protesto são organizadas pela Rússia, mas ninguém em Washington acredita, nem mesmo os seus fantoches ucranianos.

Notícias na imprensa russa identificaram mercenários americanos entre as forças de Kiev enviadas para dominar os separatistas na Ucrânia oriental. Um membro da extrema-direita, o neo-nazi Partido Patriota no parlamento de Kiev defendeu que os manifestantes fossem abatidos a tiro.

A violência contra os manifestantes provocará provavelmente a intervenção do exército russo e o regresso da Rússia aos seus antigos territórios na Ucrânia oriental que foram anexados à Ucrânia pelo Partido Comunista soviético.

Com Washington a aventurar-se a proferir ameaças em crescendo, Washington está a empurrar a Europa para duas confrontações altamente indesejáveis. Os europeus não querem uma guerra com a Rússia por causa do golpe de Washington em Kiev e entendem que quaisquer sanções contra a Rússia, se concretizadas, serão muito mais prejudiciais para eles próprios. Na UE, a crescente desigualdade económica entre os países, o alto desemprego, e a rigorosa austeridade económica imposta aos membros mais pobres têm provocado enormes tensões. Os europeus não estão dispostos a suportar o fardo dum conflito com a Rússia orquestrado por Washington. Enquanto Washington oferece à Europa guerra e sacrifícios, a Rússia e a China propõem comércio e amizade. Washington fará os possíveis para manter os políticos europeus comprados-e-pagos e alinhados com as políticas de Washington, mas para a Europa os riscos de alinhar com Washington são agora muito maiores.

Em muitas frentes, Washington está a surgir aos olhos do mundo como aldrabão, inconfiável e completamente corrupto. James Kidney, promotor público da Securities and Exchange Comission [SEC], aproveitou a ocasião da sua aposentação para revelar que superiores seus haviam arquivado os seus processos da Goldman Sachs e de outros "bancos demasiado grandes para falir", porque os seus patrões da SEC não estavam preocupados com a justiça mas "em arranjar empregos com altas remunerações após o seu serviço público", protegendo os bancos contra processos pelas suas acções ilegais. ( www.counterpunch.org/2014/04/09/65578/ )

A Agência Americana para o Desenvolvimento Internacional foi apanhada a tentar usar meios de comunicação sociais para derrubar o governo de Cuba. ( rt.com/news/cuba-usaid-senate-zunzuneo-241/ )

Esta imprudência audaciosa aparece a seguir ao derrube do governo ucraniano incitado por Washington, ao escândalo da espionagem da NSA, ao relatório de investigação de Seymour Hersh de que o gás sarin na Síria foi um incidente clandestino organizado pela Turquia, membro da NATO, a fim de justificar um ataque militar dos EUA à Síria, a seguir à imposição de Washington de fazer aterrar e passar busca ao avião presidencial do presidente boliviano Evo Morales, às "armas de destruição maciça" de Saddam Hussein, à má utilização da resolução de zona de exclusão aérea da Líbia para um ataque militar, etc. etc. Essencialmente, Washington conseguiu minar de tal modo a confiança de outros países quanto ao discernimento e integridade do governo americano que o mundo perdeu a fé na liderança dos EUA. Washington está reduzido a ameaças e subornos e aparece cada vez mais como um agressor.

Estes tiros no pé reflectiram-se na credibilidade de Washington. O pior de todos é a crescente percepção generalizada de que a louca teoria de conspiração de Washington sobre o 11/Set é falsa. Grande número de especialistas independentes, assim como mais de cem prestadores de primeiros socorros contradisseram todos os aspectos da absurda teoria da conspiração de Washington. Nenhuma pessoa esclarecida acredita que meia dúzia de árabes sauditas, que não sabiam pilotar aviões, e a funcionar sem a ajuda de qualquer agência de informações, pudesse iludir todo o estado de Segurança Nacional, não apenas as 16 agências de informações americanas, mas também todas as agências de informações da NATO e de Israel.

Nada funcionou no 11/Set. A segurança do aeroporto falhou quatro vezes numa hora, mais falhas numa hora do que ocorreram durante as 116.232 horas do século XXI, todas juntas. Pela primeira vez na história, a Força Aérea dos EUA não conseguiu interceptar inimigos no chão e nos céus. Pela primeira vez na história, o Controlo de Tráfego Aéreo perdeu aviões comerciais durante mais de uma hora e não o comunicou. Pela primeira vez na história, incêndios de baixas temperaturas, de vida curta, nalguns pisos, provocaram o enfraquecimento e colapso de estruturas de aço maciças. Pela primeira vez na história, três arranha-céus caíram em queda livre acelerada, sem o benefício de demolição controlada que eliminasse a resistência por baixo.

Dois terços dos americanos acreditaram nesta patranha. A esquerda acreditou porque encarou-a como uma história de oprimidos a vingarem-se do império maléfico da América. A direita acreditou na história, porque interpretaram-na como de muçulmanos diabólicos a atacar a boa América. O presidente George W. Bush exprimiu muito bem a visão da direita: "Eles odeiam-nos por causa da nossa liberdade e democracia".

Mas mais ninguém acreditou nela, muito menos os italianos. Os italianos tinham sido informados, anos antes, de incidentes secretos, quando o seu presidente revelou a verdade sobre a secreta Operação Gládio . A Operação Gládio foi chefiada pela CIA e pelos serviços secretos italianos durante a segunda metade do século XX, para colocação de bombas que mataram mulheres e crianças europeias a fim de acusar os comunistas e, a partir daí, minarem o apoio aos partidos comunistas europeus.

Os italianos foram dos primeiros a fazer apresentações em vídeo contestando a história bizantina de Washington sobre o 11/Set. A última desta contestação é o filme "Zero", de 1 hora e 45 minutos.

Podem vê-lo aqui: www.youtube.com/watch?v=QU961SGps8g&feature=youtu.be

"Zero" foi produzido pela companhia italiana Telemaco como um filme de investigação sobre o 11/Set. Nele aparece muita gente ilustre, juntamente com especialistas independentes. Em conjunto, contestam todas as afirmações feitas pelo governo dos EUA, relativas à sua explicação do 11/Set.

O filme foi exibido no parlamento europeu.

É impossível que alguém que veja este filme acredite numa só palavra da explicação oficial do 11/Set.
A conclusão é que cada vez é mais difícil desmentir que elementos do governo dos EUA tenham feito ir pelos ares três arranha-céus de Nova Iorque a fim de destruir o Iraque, o Afeganistão, a Líbia, a Somália, a Síria, o Irão, e o Hezbollah, e de lançar o programa dos neoconservadores dos EUA para uma hegemonia mundial dos EUA.

A China e a Rússia protestaram mas aceitaram a destruição da Líbia embora tenha sido em seu próprio prejuízo. Mas o Irão é uma linha vermelha. Washington ficou bloqueado, por isso decidiu provocar grandes problemas à Rússia na Ucrânia a fim de desviá-la do programa de Washington noutros locais.

A China tem estado hesitante sobre os compromissos entre os seus excedentes comerciais com os EUA e o crescente cerco de Washington que lhe é feito com as suas bases navais e aéreas. A China chegou à conclusão de que a China e a Rússia têm o mesmo inimigo – Washington.

Pode acontecer uma de duas coisas: ou o dólar americano será posto de lado e o seu valor entra em colapso, acabando assim com a situação de superpotência de Washington e a ameaça de Washington à paz mundial, ou Washington empurrará os seus fantoches para um conflito militar com a Rússia e a China. O resultado duma guerra dessas será muito mais devastador do que o colapso do dólar americano.
10/Abril/2014
Do mesmo autor:
· Washington Drives The World To War. CIA Intervention in Eastern Ukraine , 15/Abril/2014

O original encontra-se em www.globalresearch.ca/... . Tradução de Margarida Ferreira.

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

Caladinhos, faladores & as coisas por aí



Por
Baptista Bastos, jornalista e escritor português

Vivemos submersos num oceano caótico e imoral. E é bom que o repitamos sem descanso. Assim o faço e farei, enquanto estes diligentes velhacos por aí andarem.


Passos Coelho, que gosta de dizer coisas sem demonstrar grande preocupação com a verdade, afirmou, na "cimeira" com Rajoy, que deseja criar estabilidade e confiança, admitindo, de forma subjacente, o que, até agora, não conseguiu. Nada do que Passos diz me interessa, nem sequer mediocremente. Ele é um tipo sem palavra, que mantém, com o embuste e a mentira, uma relação entranhadamente doentia. E fá-lo com a amorosa cumplicidade do dr. Cavaco, certamente o pior Presidente da República que tivemos, incluindo o almirante Thomaz.

Vivemos submersos num oceano caótico e imoral. E é bom que o repitamos sem descanso. Assim o faço e farei, enquanto estes diligentes velhacos por aí andarem.

Na mesma ordem de ideias, o conflito que Passos alimenta com o Tribunal Constitucional atingiu as raias do obsceno. Ele e os seus sabem muito bem (ou, então, são burros) o que de inconstitucional apõem nos documentos orçamentais. Fazem-no porque ou jogam com a ideia de que o caso, ou os casos podem passar, ou desejam mesmo o confronto institucional, desgastante e vil. Inclino-me para esta última hipótese. Agora, ante a evidência dos factos, reafirmados por constitucionalistas respeitados, a rapaziada decidiu pedir a "aclaração" dos acórdãos. Nada disto é para ser levado a sério: mas, entretanto, Passos ganha tempo para cometer as piores prevaricações.

A base social de apoio da Coligação está notoriamente esvaziada, como as últimas eleições o provaram. E a própria natureza dos resultados exigia que o dr. Cavaco anunciasse eleições antecipadas. Mas este homem desasado e estranho pertence a outra estirpe, que não possui o timbre do cavalheirismo. Mantém-se calado e ignaro, e quando o faz, só diz disparates e tolices.

Faz lembrar, tomando as devidas distâncias e com perdão da palavra, a presidente dos bancos portugueses alimentares contra a fome, Isabel Jonet, cujo meritório trabalho (ao contrário do outro, que o não é) fica um pouco turvo de cada vez que emite uma opinião. A doce senhora proferiu, há dias, uma frase que faz arrepiar o espírito mais insensível. Disse: "Um pão custa o mesmo para quem ganha bem ou 120 euros." Não custa, no sentido exacto da palavra. 120 euros não dispõem de idêntico valor nas possibilidades de, por exemplo, Américo Amorim, e de quem tem somente o salário mínimo. Isabel Jonet é, certamente, boa pessoa, tem bom ar, deve ser excelente mãe de família - MAS, POR FAVOR, ESTEJA CALADINHA!

Caladinho, por exemplo, tem estado António José Seguro, a ver o que as modas lhe dizem. Caladinho que nem um rato esteve durante os Governos de José Sócrates. Aguardou, de tocaia e com minuciosa astúcia, o desenrolar dos acontecimentos, e soltou as pequenas garras quando lhe pareceu que a situação lhe era propícia. Organizou o "aparelho" a seu bel-prazer, declarou ao Expresso um desígnio que, na altura, fez furor ("Estou cansado da política, mas disponível para ir para o Parlamento Europeu"), e, caladinho, caladinho, praticou o mesmo de António Costa: de supetão apareceu, impante e sereno.

É a política, comentou, ligeiro, um recém-adepto do Costa. Não creio que a política seja rigorosamente isto. Mas assim tem sido: entre deslizes de amizade, manhas de oportunistas e pouca clareza nos comportamentos morais. Ouvimo-los e não acreditamos: ou, melhor, desprezamo-los com a evidência dos factos vistos e ouvidos. Se os resultados eleitorais não são de molde a fazer modificar os caracteres, então, que fazer?

"Isto dá vontade de morrer!", como confessou Alexandre Herculano ao seu amigo Bulhão Pato.

sábado, 28 de junho de 2014

Saia mais um play-off



BAGÃO FÉLIX
26/06/2014

A calculadora não chegou e até estava estragada. Na televisão, depois do 2-1, ouvíamos profissionais - pagos para serem rigorosos - dizer que ainda havia tempo para marcar os dois golos que faltavam para o milagre. Mas não seriam dois, mas três. Bastava uma simples conta de cabeça, para não alimentar a “ilusão”, como agora sói dizer-se em castelhanismo.

No fim, pode-se resumir: saída limpa. Com uma simpática almofada de uma vitória sobre ganeses que, gentilmente, nos presentearam com duas fífias. O pior foi o “spread” no dealbar da crise. Entenda-se por “spread”, a diferença de golos para o país dos dólares, mas fabricada por um país da zona euro, a Alemanha. Ficámos sentenciados nos eurogolos merkelianos. Uma manifesta falta de solidariedade, porque bastava que os marcos travestidos de euros nos tivessem vencido por um só golo e seríamos talvez nós a fazer-lhes companhia.

É certo que pouco fizemos para chegar mais longe. O nosso PEC foi mal construído e aprovado, in extremis, na Cimeira de Estocolmo por obra e graça de Cristiano Ronaldo. A equipa nem se reforçou, nem se renovou. Ficou no meio presa por fios, tatuagens, penteados e conversas. Tivemos mais lesões (sete) do que golos marcados (quatro). Jogámos quase sempre com inconsistência e cansaço.”Tivemos o que merecemos”, disse no fim, com lucidez e honestidade, Paulo Bento.

Imagino toda a hermenêutica que aí virá sobre o fracasso, depois de semanas a fio de nacionalismos baratos e inconsequentes. Somos assim. E no meio de toda a parafernália de argumentos lá aparecerá, em profusão, o “há que levantar a cabeça”. Já agora sem levantar os pés do chão. Voltemos à terra. Cinjamo-nos à realidade. Andamos há anos a fingir com play-offs de insuficiências. Mas é do que gostamos.

O futebol feito festa nacional



JOÃO COELHO  26/06/2014

Não admira que ouçamos até à exaustão o argumento da importância decisiva do futebol para a nossa auto-estima como povo.


É isto o futebol de selecções numa grande competição internacional: na bancada, um grupo de adeptos cabisbaixos, de olhar completamente desolado pelo resultado da sua equipa (campeã do mundo a poucos minutos da eliminação na primeira fase do Mundial2014)... de repente, percebem que estão a aparecer no ecrã do estádio e saltam de alegria, sorrisos abertos, braços no ar, novamente felizes da vida...

Ninguém terá dúvidas de que há muitas formas de os adeptos de futebol viverem o jogo. De uma forma geral, na relação do adepto com o seu clube, o futebol vem primeiro, é o mais importante. A lealdade à selecção parte do elemento "nação" e não do próprio jogo. Talvez por isso muita gente que não liga especialmente ao futebol (ou que pelo menos não é adepto empenhado) durante o resto do tempo, pode ser um "fanático" da selecção quando esta entra em campo. Por isso mesmo, quando penso na categoria "adepto de futebol" penso no adepto do clube - este vive toda uma história de afectos e memórias, desde a sua escolha inicial (a selecção não se escolhe...), à vivência quotidiana do clube, dos jogos regulares às peripécias da semana anterior e posterior, passando pelo eterno retorno de cada temporada que começa. E depois, claro, há as rivalidades, que são centrais à experiência do adepto de clube, e que se regem por "leis" totalmente distintas das rivalidades entre selecções. São futebolísticas per si ao contrário da generalidade das rivalidades de equipas nacionais, que se alimentam de factos históricos, políticos, etc.

Não pretendo dizer que o verdadeiro futebol é o dos clubes, até porque a qualidade reunida em determinadas selecções faz das grandes provas internacionais algo de fascinante para quem ama o beautiful game, além de que, num tempo de total mercantilização do jogo, cada vez mais os futebolistas têm na sua equipa nacional o único objecto de real amor à camisola.

Mas a realidade é que a lealdade do adepto ao clube é bem mais interessante em termos sociológicos, dado que a relação com a selecção enquadra-se preferencialmente no fenómeno do nacionalismo, sob diferentes formas de nacionalismo banal, o de celebração e imaginação da identidade nacional, o das bandeiras nas janelas, o das características "psicológicas" nacionais, o da unidade da pátria. A feliz observação de Eric Hobsbawm, para quem a comunidade imaginada que é a nação parece mais real enquanto "onze homens famosos em calções" traduz de forma perfeita a relação entre futebol e nacionalismo.

No caso português, como noutros, este fenómeno fica bem visível na forma como a produção da identidade nacional - ou seja, das representações dominantes sobre Portugal e o que é ser português - está extremamente (às vezes parece que em exclusivo) ligada ao futebol. Algo que deve ser motivo de preocupação mas que dificilmente terá solução enquanto forem os próprios governantes a explorar sem quaisquer limites a identificação entre nação e futebol. Um fenómeno mil vezes amplificado pelas incontáveis formas de nacionalismo-publicitário cada vez mais explorado e difundido pelos media até à exaustão, nomeadamente a propósito das grandes competições.

A propósito dos jogos, dos resultados obtidos, dos futebolistas, das peripécias que envolvem a equipa nacional, deduzem-se traços de carácter colectivo (a famosa "idiossincrasia" nacional, o "somos assim e... não há nada a fazer"), representa-se o valor e a capacidade do país, estabelece-se a sua posição no quadro das nações. Leituras e assunções que se tornam representações dominantes, com estatuto de verdades absolutas, assentes num conjunto de narrativas que falam de pequenez e grandeza, de decadência e progresso, desenvolvimento e subdesenvolvimento, de sucesso e fracasso, aplicadas ao país como um todo.

Ao mesmo tempo constroem-se as oposições identitárias típicas. A nossa latinidade, feita de talento e desorganização, perante a rigidez e a organização dos do Norte. O futebol, com toda a sua plasticidade cultural, alimenta estes discursos, imagens e representações identitárias que fecham a porta à mudança social, porque transmitem o poder do que é supostamente natural, biológico, imutável. E, simultaneamente, colocam os portugueses todos no mesmo barco, independentemente das suas situações sociais, económicas, vivenciais. Uma arma letal para a reprodução ideológica, pois claro. Para que nada mude.

Não admira, pois, que ouçamos até à exaustão o argumento da importância decisiva do futebol para a nossa auto-estima como povo. Como se de um jogo de futebol, da bola no poste ou na trave, do destino do remate do melhor do mundo ("se temos o melhor do mundo no futebol podemos ser os melhores do mundo em tudo!") pudesse depender o destino de um povo. Sempre entre a a Vitória e a Derrota, entre o Sucesso e a Crise, entre Esperança e a Tormenta, entre as Descobertas e a Decadência, entre a Euforia e a Depressão. Que a bola nos proteja...

O modelo do Desporto Nacional esgotou-se há anos




FERNANDO TENREIRO 
26/06/2014

Não foram os jogadores de futebol que falharam no Brasil. José Mourinho refere que Portugal nas grandes competições de futebol “não consegue ganhar aos adversários mais fortes sempre que precisa de o fazer”. Interessante será constatar que a limitação da selecção de futebol sugerida por José Mourinho se verificara em inúmeras modalidades desportivas e que o futebol graças a certa imagem das suas estrelas e das vitórias do Porto e do Benfica até parecia estar imune à incapacidade nacional de competir e vencer desportivamente os maiores países.

Será pacífico afirmar que nenhuma modalidade desportiva em Portugal recebeu tantos subsídios do Estado, teve leis feitas à sua medida e a entrega incondicional da Nação. A particularidade interessante é que apesar do benefício do futebol, as limitações das outras modalidades o contaminarem. A incapacidade do desporto nacional tem origem nas condições de trabalho do sector determinadas pelas políticas desportivas e a derrota da modalidade mais protegida é o facto que marca o esgotar do Modelo de Desporto Nacional.

O sinal foi dado em 2008 com a crise de governance do Comité Olímpico de Portugal em Pequim2008 e em Londres2012 confirmou-se. Em Atenas2004 Portugal ganhou 3 medalhas nos Jogos Olímpicos, em Pequim2008 ganhou 2 e em Londres caiu mais 1. Hoje os sinais dessa crise mantêm-se, por exemplo, com a enorme confusão da Liga de Clubes, para além da dificuldade da selecção se preparar bem para defrontar e bater a Alemanha e jogar com ineficácia frente aos Estados Unidos. Portugal sabia há muito que ia jogar com a Alemanha e os Estado Unidos. Estes sabiam que iam jogar com Portugal. A determinação que os alemães deram mostras desde o relvado ao casaco laranja de Merkel, para se ver bem, contrastou com a impreparação do seleccionado português face à pressão do jogo e ao apagão nacional no camarote do estádio. Com os Estados Unidos a limitação técnica sobressai e acumula a impreparação para o empreendimento. A performance técnica e política de Portugal no Mundial do Brasil evidencia limitações do desporto nacional que são conhecidas e não estão resolvidas.

Em vez de se abrir, o desporto está pressionado por rendas excessivas que prejudicam clubes, federações, operadores de televisão privados e patrocinadores privados, o sector mantém condicionalismos pesados conhecidos de certas federações e instituições desportivas e aceita sem debates ou estudos a imposição do critério de decisão lucrativo o qual face às condicionantes austeritárias sufoca todo o sector.

Os jogadores não devem ser responsabilizados pelas responsabilidades de política da estrutura técnica, do rumo da modalidade e dos parceiros proeminentes que afectam a modalidade e todo o desporto.

Há vários anos a esta parte sugiro a falência do Modelo do Desporto português que não possui um conceito agregador, nem uma governance reconhecida pela sociedade, não veicula uma filosofia sectorial face aos desafios que os agentes associativos têm, seja a crise orçamental e financeira, as transformações demográficas, a austeridade ou a continuada divergência face à potência do desporto europeu.

São conhecidas lideranças frágeis no desporto, ausência de diálogo interno, carência de centros de debate democrático e competitivo, técnico e científico, cultural e civilizacional sobre o desporto que Portugal deveria ter. Para um sector com resultados divergentes da Europa que são conhecidos e não são assumidos politicamente, há salários acima de altos magistrados, não há consolidação do saber-fazer na base da produção desportiva e do saber-fazer de excepção no topo da pirâmide, não existe um programa de médio prazo e muito menos de longo prazo. A universidade do desporto está muda e é alvo de riso na comunicação social séria quando fala da importância do futebol. O desporto nacional não vê na ausência de homenageados do Desporto no 10 de Junho um sinal do perigo de alheamento social e político que afecta o futebol e o desporto.

O Modelo do Desporto Nacional esgotou-se e se a trajectória desde o Europeu de 2004 foi de um crescimento cada vez menor até alcançar resultados negativos em 2012, a presente submersão prolongar-se-á para além de 2016.

O futebol em particular quer sempre andar sozinho e quer ter a palavra definitiva esmagando as condições de trabalho de todo o associativismo desportivo e deixa-se contaminar com práticas nacionais que o acabam por tolher e impossibilitar de ter resultados como o futebol de Espanha que antes de soçobrar ganhou um mundial e dois europeus.

O que fazer? Sem querer ferir susceptibilidades a saída é ter a coragem de mudar muitas coisas. Criar condições de produção desportiva tais que, no limite, exista um governante nacional a aplaudir a selecção orgulhosamente da bancada e reconhecido pelos olhares do mundo. Ao longo das décadas os governantes europeus e de outros continentes recorrem a esta imagem como consequência dos investimentos feitos prolongadamente e com determinação política no seu desporto e para benefício primeiro das suas populações e das suas estruturas económicas e sociais.

A fraqueza do desporto português é a falta de democracia e a incapacidade de suscitar na sociedade, na economia e na política a certeza da excelência e o retorno de valor acrescentado incomensurável na resposta aos mais elevados desígnios nacionais que o Desporto tem de ser capaz de equacionar e produzir. A ineficácia do desporto também está na ausência de prestação de contas, na tímida ou inexistente avaliação de erros e na valorização do desporto exclusivamente para benefício partidário, corporativo ou pessoal.

Hoje a classe política portuguesa tem medo de estar no camarote e que a selecção de futebol perca. Quando houver uma classe política em Portugal capaz de ‘vestir a camisola’ desde o pensar e concretizar o desporto no longo prazo incluindo o ataque às lacunas da prática desportiva dos jovens, mulheres, idosos e carenciados, nesse dia, os políticos nacionais terão um orgulho imenso em estarem no camarote independentemente do resultado desportivo expectável e darão a cara, ‘olhos nos olhos’ como agora se diz, aos políticos de outros países e continentes.

No Brasil a selecção até poderá classificar-se, ir a uma final em português e sagrar-se Campeã do Mundo. Esse feito extraordinário não inviabiliza que estruturalmente o Modelo do Desporto Nacional vigente se tenha esgotado desportiva, económica, social e politicamente.

terça-feira, 24 de junho de 2014

A memória do futuro



12 Maio 2014, 20:22
por Carlos Albuquerque

As políticas de crescimento são um desperdício de dinheiros. Sem resultados palpáveis. Quase sempre ganham alguns. Sempre perdem todos.

A FRASE...

"Infere-se da sua pergunta como é que eu equilibro as contas públicas? Pondo o país a crescer mais do que dizem as previsões."

António José Seguro, entrevista ao Expresso, 10 de maio de 2014.

A ANÁLISE...

Por mediação dos governos. Presume-se a seriedade na ação. A honestidade nos atos. Mas não se aceita o erro de método. O lapso científico. A crença irreal na informação detida. É a falta de memória.

A primeira década (2001 a 2010) foi desastrosa para o país. O PIB real cresceu 5% em 10 anos (média de 0,49% ao ano). O PIB per capita aumentou 3% em 10 anos (média de 0,29% ao ano). O número de empregos desceu de 5,111 milhões (em 2001) para 4,978 milhões (em 2010). Quase 30% dos investimentos resultou de construção e imobiliário. Números avassaladoramente negativos. E resultado de políticas orçamentais expansionistas. Que geraram mais de 86 mil milhões euros de défice das contas públicas. Que levaram a dívida pública de 68,7 mil milhões de euros (2001) para 162,5 mil milhões de euros (2010). Em nome das políticas ativas de emprego. E da dinamização da economia. Com programas para todas as vogais. PROAP, PROEP, PROIP, PROOP, PROUP. Desperdício do dinheiro que havia e do que não havia. Impostos e dívida sempre a somar.

Resolva-se. Mas dinamizando os mercados. Fomentando a poupança. Porque as economias desenvolvem-se com investimento. E inovação. E empreendedores e trabalhadores. Não se volte a errar. Tem de haver memória de amanhã. Porque depois das 5 vogais volta-se à primeira. E o novo programa chamar-se-á outra vez de Assistência.

Limpinho, limpinho!


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05 Maio 2014, 20:39
por Carlos Albuquerque

Limpinho, limpinho (sem ironia) seria um compromisso de responsabilidade dos maiores partidos sobre duas variáveis fundamentais. Sobre as contas públicas. Sobre as exportações.

A FRASE...

"Passos anuncia saída limpa … mas tem cautelar de reserva."

Primeira Página do Expresso, 3 de maio de 2014.

A ANÁLISE...

Limpinho, limpinho (sem ironia) seria anular definitivamente a irresponsabilidade na gestão do Estado. Obrigando ao rigor do equilíbrio. E o limite do endividamento. E a abrangência total do universo público. E a transparência dos compromissos futuros. Com a reforma do estado. Com a redução efetiva dos gastos e dos impostos. Com a responsabilidade inscrita na Constituição. E o Tribunal Constitucional como guardião do futuro. E a independência como elemento de orgulho nacional. Seria limpinho. Se os principais partidos assumissem este compromisso.

Limpinho, limpinho (sem ironia), seria criar condições para o crescimento das exportações. E o desenvolvimento dos investimentos. Com liberdade de ação das empresas. Com liberdade de negociação dos fatores. Com disponibilidade de financiamento. Com anulação de entraves burocráticos. Sem favorecimentos. Simplificando os processos. Reduzindo a intervenção do estado. Seria limpinho. Se os principais partidos assumissem este compromisso.

Assim fica limpinho, limpinho, com ironia. E dificilmente se evitarão novas crises a prazo. A saída é limpa. Mas na limpeza de uma não saída. Resta-nos o Benfica campeão. E mais uma final europeia. Isto sim. É limpinho, limpinho (sem qualquer ironia).

Euro ou não euro?





28 Abril 2014, 21:12
por Carlos Albuquerque

O futuro do euro só deve ser discutido equacionando o modelo constitucional. Há dois modelos limites e alternativos. O Modelo da Ilusão e o Modelo da Responsabilidade.

A FRASE...

"Temos uma crise permanente em termos económicos, com fraco crescimento, e basta haver uma nova crise financeira para a questão do colapso do euro se voltar a colocar. Vamos de crise em crise até à derrota final. Uma nova crise financeira é inevitável."

João Ferreira do Amaral, Expresso, 25 de abril de 2014.

A ANÁLISE...

O Modelo da Ilusão alimenta promessas irrealizáveis. Não vive sem inflação. Sem criação de massa monetária. E sem desvalorização cambial. Manipula rendimentos e preços. Desvaloriza a produção interna em nome da competitividade. Premeia os exportadores ineficientes. Fomenta o endividamento, público e privado. Alimenta os interesses instalados. Tudo dissimulado pela ilusão monetária. Menos penalizador para os governos. Muito penalizador para as famílias. Não sobrevive com o euro. Ou o euro não sobrevive com este modelo. É um modelo do passado, com uma moeda do presente.

O modelo da responsabilidade vive da verdade. Não necessita de inflação. Nem de desvalorização cambial artificial. E muito menos de criação de massa monetária. Tem verdade na evolução dos salários e preços. Exige equilíbrio das contas públicas. Desenvolve-se pelo empreendedorismo e pela inovação. Ajusta a competitividade pelo mercado. Liberta a ação e a negociação. Gera independência pelos excedentes com o exterior. Respeita as gerações futuras. É compatível com o euro. Depende da vontade de cada país. Necessita de uma transição. Dura. Mas necessária. E garante a independência nacional.

A moeda depende do modelo constitucional. A ilusão, fora do euro. A responsabilidade, dentro do euro. Discutamos o modelo. Depois o euro.

Na Rua do Arsenal


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21 Abril 2014, 20:20
 por Carlos Albuquerque

Os militares, por norma, alteravam o poder sempre no mesmo sentido. Contra a democracia. Pela ditadura. Contra o Povo. De forma violenta. E interessada.

A FRASE...

"Assunção Esteves faz as pazes com Vasco Lourenço - A Presidente da Assembleia da República esteve esta tarde na Associação 25 de Abril, onde conversou a sós, durante mais de meia hora, com o presidente, Vasco Lourenço."

Expresso online, 17 de abril de 2014.

A ANÁLISE...

"A terceira onda de democratização no mundo moderno começou, implausível e involuntariamente, 25 minutos depois da meia-noite, numa quinta-feira, 25 de abril, em Lisboa, Portugal, quando uma estação de rádio tocou a música Grândola Vila Morena…. O golpe de 25 de abril foi um começo implausível de um amplo movimento mundial na direção da democracia porque é mais frequente os golpes de Estado derrubarem do que iniciarem os regimes democráticos". Samuel Huntington e a Terceira Vaga de democracia no mundo.

Os militares, por norma, alteravam o poder sempre no mesmo sentido. Contra a democracia. Pela ditadura. Contra o Povo. De forma violenta. E interessada.

Em 1974, o MFA inverteu o sentido da história. Os militares trouxeram a democracia. E mostraram ser possível o impossível. Conquistar o poder. Dá-lo ao Povo. Libertá-lo. E voltar aos quartéis. Com a satisfação do trabalho feito. E com um grande exemplo. Para o Mundo.

Na manhã do 25 de abril, estava na Rua do Arsenal. Com os carros de combate dos dois lados. Apontaram-se os fuzis. Vai haver fogo, gritou um militar. Fugimos Chiado acima. Ficámos em escuta. Mas os canhões só dispararam cravos. Vimo-los. Voavam. Para Espanha. Para a América Latina. Para o Leste europeu. Para o Muro de Berlim. Para o Mundo. É este o poder do 25 de abril. Fora das intrigas domésticas. Na elevação dos princípios e dos grandes feitos. Porque da Rua do Arsenal, em 1974, dispararam-se cravos vermelhos. Para todo o mundo. E para a História da Humanidade.

A cantar em contramão




14 Abril 2014, 19:20 por Carlos Albuquerque

Para Hannah Arendt, em política, a verdade é opinião. Não se valida por testemunhos. Nem por factualidades. Ou pela eventual dimensão científica. Mas pela contagem de votos. Pela força comunicacional. E pelo tempo ocupado no espaço de cada cidadão.

A FRASE...

"A agência de notação financeira Fitch melhorou a sua perspetiva em relação a Portugal, passando o outlook de negativo para positivo, o que facilitará uma futura subida do rating, que agora continua no nível de lixo, em BB+."

Expresso, Economia, 12 de abril de 2014.

A ANÁLISE...

Os indicadores estatísticos são sempre controversos. E as análises económicas também. Mostram sempre várias verdades. Num lado. E no outro. Se servem os fins, são ótimos. São reais. Refletem, sem dúvida, o que é. Não importa a fonte. Nem as metodologias. Nem os dados. Mostrem-se e publiquem-se. Se não servem os fins, são enganos. Com fórmulas erradas. Pressupostos fabricados. Fontes pouco credíveis. E metodologias não científicas. Descredibilizem-se.

Por vezes a contradição é excessiva. E intelectualmente pouco clara. Há anos as agências de rating eram criminosas. Baixavam as classificações. Duvidavam da capacidade de solvência. E atribuíam níveis de risco muito elevados. A Portugal. Um país sério. Honesto e trabalhador. E que sempre cumpriria com os seus compromissos. Seriam para aí uns 70 a dizê-lo.

Para uma agência, estamos melhor. Agora é errado. Há que restruturar. Aumentar os prazos da dívida. Baixar os juros. Facilitar. A Portugal. País sério, mas com problemas. País honesto, mas sem crescimento. País cumpridor, mas não sabemos bem. Os mesmos. Serão para aí uns 70. Ontem era cozido. Hoje é assado. Depois se verá. Pode ser que sim. Pode ser que não. Mas se lá estão os mesmos, o melhor é cantar em contramão.

sábado, 21 de junho de 2014

Só com os criminosos pobres é que não se pode comer à mesa



JOSÉ PACHECO PEREIRA
21/06/2014

As informações sobre o que se está a passar no GES, como o que nos últimos anos se veio a saber do BCP, e, andando um pouco mais para trás, toda a história ainda em curso do BPP e do BPN, mostram alguma coisa de consistente no comportamento de uma parte importante da elite político-financeira portuguesa.

Não estou a dizer que tudo tenha sido igual, mas muita coisa não sendo igual, nem em dimensão nem em consequências, é demasiado parecida para que não se anotem as semelhanças. Há excepções, com tanto mais mérito quanto escapam à regra, mas são excepções.

O que tudo isto tem em comum é em primeiro lugar a completa promiscuidade com o poder político. Os Espírito Santo frequentavam os gabinetes de Sócrates, elogiaram-no até ao dia em que o derrubaram, quando os seus interesses estavam em causa pela ameaça de bancarrota. O dinheiro fluiu nos contratos swap, usados e abusados pela governação socialista, e as PPPs contaram com considerável entusiasmo da banca nacional e internacional. Compreende-se porquê, quando mais tarde se veio a saber detalhes dos contratos leoninos que deixavam milhões e milhões para pagamento num futuro que já era muito próximo.

O actual governo mereceu também da banca todos os elogios e retribuiu em espécie, impedindo que qualquer legislação que diminuísse os lucros da banca passasse no parlamento, ou ficando como penhor de bancos que em condições normais iriam à falência, mesmo numa altura em que já era difícil alegar crise sistémica. O governo actual manteve todas as práticas de co-governação com a banca e as instituições financeiras que já vinham do governo anterior, consolidando um efeito perverso, que não é apenas nacional, de permitir que os principais responsáveis pela crise dos últimos anos tivessem sido seus beneficiários principais.

Para além disso, mantém uma transumância de lugares e funções com a banca tanto mais reforçada quanto a sua relação com os “mercados” passava pela intermediação financeira quer em Portugal, quer fora, e a desertificação das chefias da função pública baseadas no mérito, atiradas para a rua pela demagogia do diminuir os “lugares de chefia”, entregou áreas importantes do estado a consultoras financeiras e à advocacia de negócios. Os incidentes com secretários de estado que vinham da banca e do sistema financeiro e que se transmutavam da venda de swaps para negociadores de swaps, mostraram essa promiscuidade. E as decisões revelam como ninguém quer beliscar uma banca de onde veio, onde pode voltar a ir. A decisão de não ir a tribunal em nenhum caso mais grave de acordos leoninos quanto a PPPs e contratos swap, foi um dos maiores presentes que o actual governo ofereceu à banca. Os provados que usaram a justiça, ganharam em toda a linha, o estado encolheu-se perdeu muito.

As privatizações reforçaram esta promiscuidade, favorecendo uma captura do estado pelos interesses financeiros sem comparação com o passado. No passado, havia interesses industriais, agrícolas, manufactureiros, comerciais que partilhavam com a banca essa proximidade com o estado, o governo e os partidos do “arco da governação”. Agora, mesmo sectores em que as operações financeiras são relevantes, como a distribuição, não tem nem de perto nem de longe a promiscuidade com o poder político que tem a banca e por isso podem com maior liberdade falar criticamente.

Outro aspecto crítico, também atirado para debaixo do tapete é o papel de elite cleptocrática angolana que se exerceu também em Portugal através de uma colaboração estreita com a banca portuguesa que não se importou de contar malas de dinheiro trazidas meio às escondidas, meio com a complacência e colaboração das autoridades portuguesas, e assim permitir uma penetração na economia portuguesa, na comunicação social e na política.

Outra das coisas que se vão sabendo é como a gestão dos bancos se fazia como se o dinheiro que lá estava fosse pertença dos seus donos, gestores, administradores e dos seus amigos, ao mesmo tempo que uma ríspida prepotência e intransigência é a norma de tratamento dos clientes e depositantes, a quem não se desculpa nada. Os milhares de casas, carros, empresas, bens que foram consumidos nesta voragem da “dívida”, que tornou famílias e pessoas solventes naquilo que nunca imaginaram que iam ser, insolventes, oferece um contraste flagrante com a prática reiterada de evasão e fuga fiscal dos mais ricos com dimensões muito significativas.

E é crime sem castigo, ou com leve castigo, porque não se percebe como banqueiros envolvidos em evasão fiscal e manipulação de contas (para usar o politicamente correto, porque se não fosse assim seriam falsificações de contas, contabilidades paralelas, “esquecimentos” de declarar ao fisco milhões de euros, uso quotidiano de off-shores para esconder operações financeiras, etc., etc.) não são imediatamente impedidos de exercerem actividades na banca, acto que depende dos reguladores, mesmo antes da justiça se pronunciar sobre os eventuais crimes cometidos, se é que vai alguma vez pronunciar-se.

A completa desresponsabilização sobre a crise dos últimos anos, desencadeada pelo sistema financeiro, mas de que no fim este veio a beneficiar, marca moralmente como uma doença a sociedade da crise em que vivemos. O que choca as pessoas comuns e é uma fonte enorme de descrença da democracia e de sentimento de injustiça propício a todos os populismos, é que ninguém imagina que um ministro, primeiro-ministro ou Presidente se fosse sentar à mesa com alguém que tivesse desviado uns poucos milhares dos seus impostos ou tivesse um restaurante, uma barbearia, ou uma oficina de automóveis em modo de “economia paralela”, enquanto todos os viram nos últimos anos, em plena crise, conviver agradecidos e obrigados com estes homens que aparecem agora nos jornais como se tendo “esquecido” de declarar milhões de euros ao fisco ou estando à frente de instituições bancárias que emprestaram a amigos e familiares muitos milhões de que não se sabe o rastro, e tinham contabilidades paralelas.

É por isto tudo que não aceito a culpabilização sistemática dos mais pobres e mais fracos e da classe média, por terem vivido “acima das suas posses”, mesmo quando não o fizeram. E mesmo quando havia uma casa a mais, um carro a mais, um ecrã plano a mais, um sofá a mais, um vestido ou um fato a mais, umas férias a mais, uma viagem a mais, recuso-me a colocar estes “excessos” no mesmo plano moral dos “outros”. Algum moralismo salomónico, que coloca no mesmo plano a corrupção dos poderosos e dos de cima com os pequenos vícios dos de baixo e do meio, tem como objectivo legitimar sempre a penalização punitiva de milhões para desculpar as dezenas. É por isto que esta crise corrompe a sociedade e vai deixar muitas marcas, mesmo quando ninguém se lembre de Portas e de Passos.

segunda-feira, 16 de junho de 2014

Casa dos Estudantes do Império

Sede em Lisboa no Arco do Cego DR
NUNO RIBEIRO
16/06/2014

Criada para perpetuar a dimensão imperial do Portugal do Estado Novo, a Casa dos Estudantes do Império foi viveiro de dirigentes independentistas que chegaram ao poder nas ex-colónias.

Do nascimento ao encerramento por ordem de Salazar, com várias investidas da PIDE de permeio, a história da Casa dos Estudantes do Império (CEI) é consequência e inevitável espelho das metamorfoses da política colonial do Estado Novo. Deste Outono próximo a Maio de 2015 é evocado o papel que desempenhou no séc. XX português.

“A delegação da Casa dos Estudantes do Império em Coimbra foi, desde o seu início, um centro académico de notoriedades pró-comunistas, orientado e controlado por elementos do MUD (Movimento de Unidade Democrática, animado pelo PCP), especialmente pelo dr. Joaquim Vitorino Namorado, o qual, aproveitando a sua qualidade de explicador que ilegalmente mantém, exerce sobre ele uma influência decisiva.” Este era o teor de um relatório que o então inspector da PIDE José Barreto Sachetti remeteu a 30 de Novembro de 1954 ao ministro do Interior.

Sachetti aborda a actividade da delegação em Coimbra da CEI, cuja sede estava instalada em Lisboa, num prédio já demolido no Arco do Cego, dez anos depois do regime ter criado a instituição para aí albergar estudantes oriundos das ex-colónias que vinham para a capital realizar os seus estudos universitários. E, como observa o historiador Fernando Rosas, em estudo publicado no número especial da revista Mensagem, órgão da CEI de 1994 evocativo dos 50 anos da fundação, a fundação da instituição corresponde à fase imperial do regime. Aliás, a CEI resulta da fusão das casas dos estudantes de Angola, Moçambique, Cabo Verde, Índia e Macau, criadas sob o patrocínio da Mocidade Portuguesa, cujo comissário nacional era, então, Marcello Caetano.

“Tratava-se de consagrar, também no que tocava aos estudantes residentes em Portugal, o Império, a unidade do Império”, relata Rosas: “A centralização correspondia à realização do ideal do Império e simultaneamente ajudava ao controlo político e policial sobre o CEI.” No lisboeta Arco do Cego e em Coimbra, correspondendo aos dois pólos universitários então existentes em Portugal, os filhos de brancos, de colonos brancos, de quadros da administração branca, também de alguns mestiços e, no início, um pequeno grupo de negros eram albergados numa instituição que a própria Mocidade Portuguesa propagandeava como sua “filha”.

Prova de que os propósitos da ditadura e da sua política colonial se consideravam imunes aos ventos da história. Contudo, a realidade internacional impôs-se ao bolor doméstico. “Desde o fim da II Guerra Mundial, a CEI começa-se a transformar no seu contrário”, assinala Fernando Rosas. “Nos anos 50, o regime ainda não estava consciente”, corrobora o historiador e politólogo António Costa Pinto.

Foram causas internas, o apogeu dos movimentos oposicionistas na sequência da derrota das potências do Eixo na II Guerra Mundial, que impregnaram a CEI. Daí, a sua ligação ao MUD, o que torna o relatório do inspector Sachetti uma premonição. A politização de uma elite cultural africana através das campanhas eleitorais da oposição democrática era evidente. Como o eram as suas consequências para a ditadura.

A CEI tinha um fermento próprio: a origem de quem lá estava. “Uma elite cultural africana”, salienta Costa Pinto. Que viveu os decisivos anos de 1952/60, marcados pela afirmação dos nacionalismos e pelo início dos processos de descolonização. Em Portugal, apesar da obstinação do regime, os sinais primeiros deste novo tempo vieram do Oriente: as reivindicações da União Indiana sobre os territórios coloniais portugueses na Península do Industão.

A CEI demarca-se do “toca a reunir” decretado por Salazar e recusa-se a assinar o documento contra Jawaharial Neru. O regime, surpreendido por esta revolta, impõe à CEI a primeira de várias comissões administrativas que vigoram entre 1952 e 1957. Curiosamente, quando confrontado com os pedidos de esclarecimento das Nações Unidas sobre a natureza dos vínculos com os territórios não europeus, o regime retirou a designação “colónias” a favor de “Ultramar”, e impõe à CEI uma sanção doméstica do Código do Processo Administrativo: uma comissão administrativa.

De nada serviu. Pela CEI de Coimbra e Lisboa passaram Agostinho Neto, Amílcar Cabral, Pedro Pires, Vasco Cabral, Mário Pinto de Andrade, Marcelino dos Santos, Luandino Vieira, Manuel Rui Monteiro, Rui Mingas, António Jacinto, Óscar Monteiro, João Craveirinha, Joaquim Chissano, Sérgio Vieira, Miguel Trovoada, Francisco José Tenreiro, Alda Lara, Pepetela… Uma constelação de intelectuais e de futuros líderes políticos.

Que estavam activos: Em 1958, no boletim Mensagem, são publicados textos anticolonialistas e, dois anos mais tarde, os estudantes do CEI subscrevem a “Mensagem ao Povo Português” que pede o apoio às primeiras resoluções condenatórias da ONU ao colonialismo luso. Segue-se o expediente sancionador: nova comissão administrativa. O repúdio alastra à Academia de Lisboa.

Na crise académica de 1962, um ano depois do início da guerra em Angola, a RIA (Reunião Inter-Associações, então presidida por Jorge Sampaio) tem ponto de encontro na sede lisboeta do CEI. Antes, em Junho de 1961, algo de surpreendente ocorre: a fuga para Paris de cerca de cem estudantes africanos de Angola, que estudavam em Lisboa, com o apoio de Jacques Vergès, advogado francês que se notabilizou pelas ligações a movimentos anticolonialistas e terroristas e pela defesa de personagens como Klaus Barbie, Pol Pot, "Carlos, o Chacal" e Saddam Hussein.

Aquela “manobra de evacuação”, como então a definiu a PIDE, foi gerida pela CEI em colaboração com o aparelho internacional do PCP. Em 1963, o regime do Estado Novo deixa de financiar a Casa dos Estudantes do Império que, em Setembro de 1965, é encerrada pela polícia política. A criação dos Estudos Gerais Universitários em Angola e Moçambique já diminuíra drasticamente o número de alunos da CEI.

Apesar da vontade do regime, por lá passaram as jovens elites que fundaram os movimentos de libertação – PAIGC, MPLA, MLSTP, de São Tomé, e Frelimo – e dirigiram os novos países africanos. Fundada para perpetuar o Império, a CEI operou no sentido contrário.

Programa arranca em Coimbra e termina em Lisboa
De 28 de Outubro próximo, na Reitoria da Universidade de Coimbra (UC), a Maio de 2015, em sessão na marcada para a Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, decorre a evocação dos 50 anos da CEI. Na reitoria da UC recorda-se a cultura, com a presença anunciada de Pepetela, Luandino Vieira, Óscar Monteiro, Rui Mingas. Inocência Mata fala sobre Agostinho Neto, Alda Espírito Santo e Francisco José Tenreiro, e haverá canções da época de Zeca Afonso e Adriano Correia de Oliveira.

O programa coordenado por Vítor Ramalho da União das Capitais Luso-Afro-Americanas, com o apoio da CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa), do Presidente da República e do secretário de Estado da Cooperação também contempla reedições: os dois volumes da Antologia da Poesia de Angola, São Tomé e Príncipe e Moçambique, um número especial do boletim Mensagem e a publicação dos 22 livros de bolso que a CEI editou.

Também vai ser editado o levantamento integral dos associados da CEI, mais de 2200 segundo a contabilização já realizada, e decorrerá no espaço da Câmara Municipal de Lisboa uma exposição do espólio da sede lisboeta da Casa dos Estudantes do Império apreendido pela PIDE, que agora se encontra na Torre do Tombo.

Haverá ainda um espectáculo musical que será transmitido para todos os países africanos e, em Maio de 2015, a homenagem termina na Fundação Gulbenkian, numa sessão em que serão oradores os antigos estudantes que foram primeiros-ministros ou Presidentes. Agostino Neto será representado pela viúva e estarão presentes França Van Dunen, Pedro Pires, Miguel Trovoada, Miguel Pinto da Costa, Joaquim Chissano, Pasqual Mukumbi e Mário Maxundi.

domingo, 15 de junho de 2014

Jane Goodall

Vamos todos ajudar o Aníbal - FB leaks

Medidas para apreciaçao




UM PARECER Por: Ricardo Araújo Pereira

Caro Sr. primeiro-ministro, O conjunto de medidas que me enviou para apreciação parece-me extraordinário. Confis...car as pensões dos idosos é muito inteligente. Em 2015, ano das próximas eleições legislativas, muitos velhotes já não estarão cá para votar. Tem-se observado que uma coisa que os idosos fazem muito é falecer. É uma espécie de passatempo, competindo em popularidade com o dominó. E, se lhes cortarmos na pensão, essa tendência agrava-se bastante. Ora, gente defunta não penaliza o governo nas urnas. Essa tem sido uma vantagem da democracia bastante descurada por vários governos, mas não pelo seu. Por outro lado, mesmo que cheguem vivos às eleições, há uma probabilidade forte de os velhotes não se lembrarem de quem lhes cortou o dinheiro da reforma. O grande problema das sociedades modernas são os velhos. Trabalham pouco e gastam demais. Entregam-se a um consumo desenfreado, sobretudo no que toca a drogas. São compradas na farmácia, mas não deixam de ser drogas. A culpa é da medicina, que lhes prolonga a vida muito para além da data da reforma. Chegam a passar dois ou três anos repimpados a desfrutar das suas pensões. A esperança de vida destrói a nossa esperança numa boa vida, uma vez que o dinheiro gasto em pensões poderia estar a ser aplicado onde realmente interessa, como os swaps, as PPP e o BPN. Se me permite, gostaria de acrescentar algumas ideias para ajudar a minimizar o efeito negativo dos velhos na sociedade portuguesa: 1. Aumento da idade de reforma para os 85 anos. Os contestatários do costume dirão que se trata de uma barbaridade, e que acrescentar 20 anos à idade da reforma é muito. Perguntem aos próprios velhos. Estão sempre a queixar-se de que a vida passa a correr e que 20 anos não são nada. É verdade: 20 anos não são nada. Respeitemos a opinião dos idosos, pois é neles que está a sabedoria. 2. Exportação dos velhos. O velho português é típico e pitoresco. Bem promovido, pode ter aceitação lá fora, quer para fazer pequenos trabalhos, quer apenas para enfeitar um alpendre, um jardim. 3. Convencer a artista Joana Vasconcelos a assinar 2.500 velhos e pô-los em exposição no MoMa de Nova Iorque. Creio que são propostas valiosas para o melhoramento da sociedade portuguesa, mantendo o espírito humanista que tem norteado as suas políticas. Cordialmente, Nicolau Maquiável

sábado, 14 de junho de 2014

O Newspeak e o povinho que não precisa de gramática

ALBERTO PINTO NOGUEIRA

12/06/2014

Sofia de Mello Breyner é uma das maiores poetisas portuguesas. Foi deputada. Na Assembleia da República, chamou a atenção para um projecto legislativo que continha erros gramaticais. Um deputado da maioria retorquiu: “O povinho não precisa de gramática”.

Passaram-se décadas.

A adicionar aos erros de gramática, aguentamos agora com o recurso a uma linguagem vazia, equívoca e, em muitos casos, sem sentido algum. Passam a ideia de que não querem ser entendidos. Que apenas jogam com palavras.

Adoptaram uma novel linguagem. Falam entre e para eles. Se mesmo eles se entendem. Palavras que não têm nada lá dentro. Diria o poeta.

O primeiro-ministro é pródigo nessas nuances literárias. Convoca uma terminologia muitas vezes desconforme ao cargo que ocupa. No congresso do seu partido, reportando-se a novas medidas de austeridade, revelou-se particularmente infeliz. Nem mais, nem menos, afirmou que as próximas “pancadas” seriam menos toleradas pelos portugueses.

Tratando-se de “pancadas”, a metáfora não cabe na relação entre um chefe do Governo e cidadãos. O português é muito rico a exprimir ideias com correcção. Quando há ideias e não só palavras.

Ao primeiro-ministro cabem outras criações terminológicas. Plenas de significado político e não só. O desemprego é “libertação”. Engrossar as centenas de milhares nessa situação, chama-se “libertar do emprego”. O desempregado, sem trabalho e sem salário, é um homem liberto. Livre!

A criatividade linguística deste Governo é ilimitada. Divide e provoca dissensões entre cidadãos.

A reforma ou a pensão, de acordo com a lei, após dezenas de anos de trabalho, não são um direito, são um privilégio, favor do Governo. A lei vigente não conta, só a que faz a la carte, para a ajustar à sua política.

“Recalibra” as reformas! “Recalibrar” é aumentar o imposto que sobre elas recai.

Fica possesso se lhe contestam a verdade da sua política. Logo proclama a sua legitimidade e diaboliza o adversário. Imagina-se o exclusivo órgão do poder com legitimidade democrática!

O Tribunal Constitucional (TC) disse-lhe que não.

Abespinhou-se. Protestou, fez comícios, entrevistas, quase injuriou os juízes. Exonerá-los-ia com o simplismo com que revoga as leis que não lhe agradam. Exige outro e mais escrutínio. Às ordens dele. A Constituição (sempre a Constituição!) não permite. Ultrapassou, de longe, a crítica democrática. Transmitiu um péssimo exemplo de falta de postura de Estado. Agiu como um grupo de contestários. Não como um Governo.

É “inconseguimento frustracional de power sagrado soft”, “desalavancagem”, “imotivação”, “requalificação de funcionários”, “mobilidade especial”, “aclaração” que é “nulidade”, “chumbo do TC”, “ajustamento”, “buraco e almofada financeiros”, a “narrativa”. Há uma “narrativa” para tudo e para todos os gostos, sem gosto nenhum.

O mais significativo deste newspeak governamental chama-se "reforma do Estado". O seu cerne, já se sabe, são os cortes. Nada se pensa ou faz que vá para além de cortes nos rendimentos. O resto é o deserto de ideias e de factos. Esbarra com a incompetência e interesses instalados, com a clientela.

domingo, 8 de junho de 2014

O alegre passeio para o ...matadouro!


Quino, o "cartunista "argentino autor de Mafalda, desiludido com o rumo que está a tomar este nosso mundo, quanto aos valores éticos e á educação....decidiu caricaturar o bizarro da situação em que estamos a claudicar!


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O que Cavaco foi dizendo em cada 25 de abril. Uma boa recolha de Fernanda Câncio.


O país que "vivia vida de rico"...





José Pacheco Pereira, O país que “vivia vida de rico”, no Público.

«Falando num debate corporativo, Vítor Bento, economista, conselheiro de Estado, disse, no mesmo dia em que novos dados sobre a gravidade do empobrecimento dos portugueses vieram a público, que “o país empobreceu menos do que parece. O país já era pobre, vivia era com vida de rico” [...] Deixo de barato a questão do sujeito da frase, esse perverso “nós”, que nos iguala a todos diante do professor com a palmatória na mão, mas volto-me para o que, nesta tese, é revelador dos discursos situacionistas dos nossos dias. Para além do desprezo e da nonchalance de falar assim do “empobrecimento” dos outros, e que tem entranhada uma condenação moralista dos maus hábitos dos portugueses, estes homens virtuosos como Vítor Bento dizem-nos coisas reveladoras. [...]

Desde quando é que os portugueses foram “ricos”? Quantos portugueses fizeram, como ele diz, “vida de rico”? Quando é que se viveu uma “riqueza que era aparente”? Em 2005, quando Sócrates começou a cortar o défice, com um aplauso hoje esquecido? Em 2004, no rápido reino de Santana Lopes quando anunciou aoFrankfurter Allgemeine que vinha aí a “retoma”, o “fim da crise”, a “economia a recuperar”, “todos os sinais são bons” e “nova baixa de impostos”? Em 2002, quando estávamos de“tanga” e ou era ou estradas ou criancinhas? Nos anos de Guterres, onde se distribuiu o bodo (como aliás com Sócrates) aos mesmos empresários e banqueiros que louvaram esses governos com a mesma intensidade com que louvam o actual? No tempo de Cavaco Silva e dos milhões que chegavam todos os dias? Ou desde o 25 de Abril, em que se perdeu o respeito pelo ouro das caves do Banco de Portugal? Estamos a falar de Portugal?

Mas de que “riqueza” é que estamos a falar? Não é a dos ricos da Forbes. Eu sei o que é a “vida de rico” a que ele se refere, quer àquela que serve para ilustrar o moralismo do discurso, quer àquela que verdadeiramente o preocupa. [...] a “vida de rico” inclui também comprar o Expresso aos sábados, ter televisão por cabo, ser sócio do Benfica e ir aos jogos, ir ao restaurante de vez em quando, comer marisco, comprar livros do José Rodrigues dos Santos, ter expectativas europeias, de ser como os franceses que se vêem nos filmes, ter um carro, mandar os filhos à universidade e ser parte da muito escassa opinião pública.

Ou seja, fazer parte da primeira geração em Portugal que já não tem memória directa da enorme pobreza rural que os seus pais e avós ainda conheceram, que beneficiou do elevador social que foi a educação e o Estado (sim o Estado que, em todos os países democráticos, tem essa função de criar uma classe média... nem que seja para servir de tampão entre os proletários e os milionários. Perguntem ao Bismarck.) e que representa... a única, débil e, pelos vistos, precária modernização de Portugal. Ou, para quem abomina o termo modernização, a primeira geração que acedeu aos padrões de consumo, que a pequena burguesia europeia, a chamada “classe média baixa”, já tem há muitos anos. [...]

A legitimação do ataque a salários, pensões e reformas, do quase confisco administrativo e fiscal do rendimento das pessoas e das famílias, da facilitação do despedimento para criar um exército de mão-de-obra barata, enquadra-se na ideia de que é aí que está a “riqueza aparente” que uma sã economia não pode tolerar, primeiro porque as pessoas consomem mais do que o que devem, depois porque é preciso baixar os salários para o “custo” da mão-de-obra ser “competitivo”. Atacar essa“riqueza” inexistente para abrir caminho à absoluta necessidade da pobreza, é um instrumento político, e é uma ideia sobre Portugal e os portugueses.

Por isso, esperem por mais, porque se “o país empobreceu menos do que parece”, é porque ele ainda não empobreceu tudo o que podia e devia. E a receita que vem aí é óbvia, é tornar permanente os cortes de salários e pensões, para que o tempo actue todos os dias tornando as pessoas e as famílias insolventes, endividadas perante credores muito mais hostis, incapazes de gerir a sua situação e a sua vida, e os que não podem emigrar ficarem por aí aos caídos ou à porta de qualquer banco alimentar. Sem estes portugueses poderem viver aquilo a que Bento chama com desprezo “vida de ricos” ou aceder a ela, sem esses portugueses restaurarem uma escada social que permita a pobreza não se tornar num gueto, e haver uma classe média que puxe para cima, não há saída para Portugal.»

O Dia D


Vasco Pulido Valente

As comemorações do Dia D
na televisão e nos jornais

deixam muito por explicar.

A América e a Inglaterra
comemoram essa vitória
(de resto, excepcional)
pela simples razão de que não
têm outra para comemorar. Mas
vamos por partes.
Quando o primeiro soldado
desembarcou nas praias da
Normandia, a guerra já estava
perdida e a Alemanha lutava só
para afastar o Exército Vermelho
das suas fronteiras, e salvar a pele
(temporariamente) ao bando de 
criminosos que a governavam.
A URSS é que destruiu Hitler.
Primeiro na contra-ofensiva de
1940 em frente de Moscovo.
Depois quando conseguiu parar
o ataque da Wehrmacht contra o
Volga e o Cáucaso. E, para acabar,
na maior batalha de tanques da
História, em Kursk, que partiu
defi nitivamente a espinha das
forças do nazismo.
Em Dezembro de 1941, a seguir
a Pearl Harbor, Hitler declarou
guerra à América (e não o
contrário), poupando a Roosevelt
o trabalho de convencer a opinião
pública de que o objectivo
principal era a Europa e não o
Pacífi co. Os chefes militares, com
Marshall à cabeça, comunicaram
logo à Inglaterra a essência
da sua estratégia: atravessar o
canal e marchar para a Ruhr. Foi
Churchill quem os dissuadiu,
convencendo o Presidente a
varrer a Wehrmacht do Norte de
África e, a partir daí, a invadir o
que ele julgava o “ventre mole” da
Europa: para começar, a Sicília e a
Itália. Estas manobras, que muito
irritaram o comando americano,
conseguiram evitar um desastre,
obrigar Hitler a transferir para sul
uma parte considerável das suas
tropas (tanto do ocidente como do
oriente) e dar tempo a que o apoio
logístico e militar da América se
acumulasse em Inglaterra.
Na conferência de Teerão, uma
aliança tácita entre Estaline e
Roosevelt fez com que Churchill,
embora com relutância,
fi nalmente aceitasse a invasão da
França. Nesta altura, o domínio
aéreo da coligação aliada era
absoluto e, apesar dos “milagres”
de Speer, só a URSS produzia mais
tanques do que o Reich inteiro.
Quanto ao Dia D, ele mesmo, foi
muito ajudado pela ideia de que
o esforço principal da invasão
seria na zona de Calais. Era uma
noção pueril mas pertinaz, que
levou Hitler a reter até ao último
momento no Norte duas divisões
panzer, enquanto o grosso do
exército entrava em colapso na
Normandia. Também em Julho-
Agosto, a URSS destruiu o Grupo
de Exércitos do Centro que
defendia a Alemanha, impedindo
a deslocação de reforços para
França. O nazismo fora esmagado.
Mas no último ano e meio da
guerra morreu mais gente do que
nos três primeiros.