"O mundo da realidade tem os seus limites. O mundo da imaginação não tem fronteiras." J.J. Rousseau ||| Faz mais ruído uma árvore que cai do que uma floresta a crescer.
segunda-feira, 23 de setembro de 2013
Porto: O Bolhão pertence ao povo
ALBERTO PINTO NOGUEIRA
23/09/2013
A Confeitaria do Bolhão está no coração da cidade do Porto. Na Rua Formosa, logo à direita de quem surge da Rua Sá da Bandeira. Por provincianismo ou orgulho, chamavam-lhe a “Versailles do Porto”. É de 1896.
Encara com a porta sul do Mercado do Bolhão. Este vem dos meados desse século. Pode entrar-se por aí.
Edifício neoclássico, já com indícios da arquitectura do ferro no seu interior. Imenso, dono de um quarteirão na baixa da Invicta.
A imponência impõe-se. Impressiona! O desleixo da Câmara Municipal também! Sem exagero: está em ruínas.
Mercado do Povo. Inúmeras lojas em forma de espigueiro, distribuídas por diversas fileiras, de topo a topo. Velhas quase todas. Muitas encerradas que “eles não vendem as licenças quando a gente as deixa…”, diz D. Dulce que tem lá o seu negócio há 25 anos. Antes era da família. Mercadeja-se tudo. Galináceos, peixe, legumes, fruta, galos de Barcelos, souvenirs, rendinhas… Flores, muitas flores. Uma vendedeira jovem, bem torneada e cuidada, de olhos verdes ousados, vende fruta com amor: “Ó 'mor, não levas um quilo de uvas fresquinhas acabadas de chegar? Olha-me para estes pêssegos!”.
Está uma manhã quente de Setembro. Turistas, e não poucos, deleitam-se com a beleza do edifício. Abanam a cabeça em reprovação e espanto, ante o abandono e negligência a que se votou uma obra daquelas. Há um certo aperto no estômago. Um par de chinesas, baixinhas, de olhos argutos, indaga quem é o proprietário. A Câmara Municipal. Ficam atónitas, com os olhos mais em bico!
Londres mantém, há séculos, o seu mercado do Povo: Covent Garden. Um prazer. Reina a harmonia, os negócios pequenos, os pequenos restaurantes, os artistas, a música, pinturas a preços módicos, jogos, teatro e cinema. É objecto de atenção e cuidado. Sem a imponência do Bolhão. Os poderes públicos não são limitados à contabilidade tacanha, nem fazem negociatas ocultas com o “sector privado”… É outra visão política. Outra mundividência.
O Mercado do Bolhão é, no género, se não o maior, dos maiores da Europa. Em superfície e grandeza arquitectónica.
Está a cair. Uma vergonha e uma incompetência. Doze anos a governar a cidade e deixam-na assim.
Os tectos de ambos os andares estão escorados por tubos de ferro que assentam lá em cima em tiras de madeira. O andar superior espera que o derrubem. Tudo fechado. As lojinhas devolutas apodrecem, as paredes germinam bolor e rachaduras. O ferro enferrujado. Portões, portas, escadarias, chão. Tudo caduco e podre. Só visto. Não há criatividade literária que traduza tão criminoso desleixo.
Se rondam eleições, ressurge o interesse pelo mercado: conservar, manter, requalificar!
O mercado compra votos!
Segue-se o esquecimento do desinteresse. Diz D. Isabel, vendedeira de flores, ela também uma flor: "Eles vêm cá nas eleições, depois nunca mais ninguém os vê… Vieram cá ontem, uns de manhã, outros de tarde…”
Há sempre aquela miragem dos políticos míopes e que dá bons negócios: privatizar! Centro comercial! Concessões sem limite temporal. Lojas iguais a todas, aparcamentos subterrâneos. Chamam a isso, com embuste, “requalificar”.
Os cabouqueiros da gestão autárquica nunca perceberam, nem perceberão, que o mercado não é só edifício, sítio de pequenos negócios. Também é alma do povo. De encontro, de vida social, de estreitamento afectivo e solidário entre gentes. O Património une o passado ao presente, invade e projecta o futuro.
O dia-a-dia do Povo que se lixe!
O Mercado do Bolhão que se…
A cidade também.
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