2 setembro 2013 Polityka Varsóvia
Puerto Banús, um "enclave para os ricos" na Costa del Sol.
Thomas Dressler
Não é só o clima que leva um número crescente de russos ricos, com fortunas mais ou menos legais, a instalar-se na zona de Marbella e Málaga: as autoridades tendem a fechar os olhos e o Estado prepara-se para abrir as portas da União Europeia aos investidores generosos.
Maciej Okraszewski
No anúncio, saltam à vista, sucessivamente, as fotos panorâmicas do Kremlin, a bandeira branca, azul e vermelha da Federação Russa e, por último, uma inscrição em cirílico, bem em destaque: “Grande leque de produtos provenientes da Rússia”. Com efeito, nas prateleiras da loja, vê-se muito com que regalar uma alma russa, a começar pela kacha, passando pela compota de ameixa (powidla) e pela chucrute. Apesar de serem raros em Espanha, o hipermercado Marbella, no centro do conhecido destino turístico espanhol da Costa del Sol, tem à venda esses produtos, em quantidades abundantes e a um preço razoável. Por pouco mais de um euro, pode comprar-se queijo branco, impossível de encontrar noutras regiões do país [...]. É evidente que, de repente, os russos passaram a ser os clientes mais procurados da Costa del Sol.
Segundo dados do Ministério do Interior espanhol, em 2007, as compras efetuadas por russos representavam apenas 1,1% do total das verbas gastas em Espanha por estrangeiros. No espaço de alguns anos, as despesas feitas por russos aumentaram rapidamente para os 8%. Nota-se que os clientes russos gastam, em média, duas vezes mais dinheiro do que os de outras nacionalidades, nos bares e restaurantes locais.
É também cada vez maior o número de russos que entram em Espanha, que, no ano passado, recebeu mais de 1,2 milhões de russos
É também cada vez maior o número de russos que entram em Espanha, que, no ano passado, recebeu mais de 1,2 milhões de russos – quatro vezes mais do que em 2007. Até ao fim do ano, é esperado um novo recorde de chegadas. Portanto, não é de espantar que as autoridades locais tenham decidido abrir, em breve, uma representação permanente em Moscovo, de onde já partem voos diretos diários para Almeria e Málaga.
O “triângulo dourado”
São muitos os russos que chegam a Málaga, a capital da Costa del Sol, não como simples turistas, mas para aí se fixarem de forma permanente. No ano passado, cerca de uma em cada dez casas vendidas na província de Málaga passou para as mãos de russos. Oficialmente, há perto de 4000 residentes permanentes, mas os órgãos de informação locais falam de um número sete vezes superior!
E trata-se de locatários especiais. Instalam-se sobretudo no chamado “triângulo dourado” à volta de Marbella. A cidade vive os mesmos problemas que o resto do país – escândalos de corrupção e taxa de desemprego elevada –, mas tais problemas não são visíveis e, menos ainda, em Puerto Banús, uma zona reservada a ricos.
“Um milhão de euros”, declara, sem hesitar, Andrei Vlasenko, indicando o montante médio que os seus clientes pagam por uma casa. Há 15 anos, Vlasenko trocou Moscovo pela Espanha, onde, desde 2007, dirige, juntamente com o seu sócio russo, a agência imobiliária Costa Garant.
Só em Moscovo, existem 250 agências imobiliárias especializadas exclusivamente em transações em Espanha
Só em Moscovo, existem 250 agências imobiliárias especializadas exclusivamente em transações em Espanha. Por intermédio delas, os russos conquistaram o domínio do mercado do imobiliário de luxo no “triângulo dourado”. As principais agências de Puerto Banús apresentam mais cartazes em cirílico do que em inglês ou espanhol. “Os espanhóis não vão comprar casa através de uma agência russa e, mesmo que quisessem fazê-lo, não têm meios para isso”, diz, sorrindo Vlasenko, que só negoceia com clientes sérios ou mesmo com aqueles que podem dar-se ao luxo de comprar uma vivenda em La Zagaleta.
É aí que uma fronteira simbólica separa os simples ricos dos pesos pesados da fortuna. Situada em colinas verdejantes, com vista para paisagens da costa, de tipo postal ilustrado, La Zagaleta só tem 220 vivendas. O lote mais pequeno mede 3000 m2, o maior mais de 10 000. Os preços variam entre os quatro e os 25 milhões de dólares (entre três e 19 milhões de euros). Mas não basta ser rico, para se comprar uma propriedade ali: os residentes têm direito a votar e vetar a pretensão de um candidato a vizinho, que possa perturbar a tranquilidade do local. Entre os candidatos rejeitados incluem-se a cantora pop Shakira e o futebolista David Beckham. O antigo presidente da Câmara de Moscovo, Yuri Luzhkov, não teve de se sujeitar a tal prova. Na sua propriedade, há três colmeias, um pequeno pomar e uma zona de caça privada.
Alguns órgãos de informação espanhóis especulam sobre as razões desta súbita febre aquisitiva dos russos, que, segundo eles, não terá apenas a ver com os 320 dias anuais de sol e com as mangueiras. Devido à crise que atinge o auge em Espanha, e que está longe de terminar, o Governo de Madrid procura freneticamente dinheiro fresco. No ano passado, o Executivo anunciou que iria conceder o direito de residência a todos os estrangeiros que investissem pelo menos meio milhão de euros no país. Segundo os jornais, isso facilitaria a vida a muitos homens de negócios russos com atividades no mercado da União Europeia. A lei entrará em vigor no outono.
Branquear enquanto bronzeia
Em janeiro passado, Zachar Kalashov tornou-se um dos novos chefes da máfia russa. Kalashov está detido desde 2006, numa prisão espanhola, e a sua “promoção” seguiu-se ao assassinato, em Moscovo, no início de 2013, do seu sogro, Aslan Usoyan, mais conhecido por “Ded Hassan”, “Avô Hassan”, um dos mafiosos mais poderosos da antiga União Soviética e patrão informal do Club 11, um conselho que reúne os chefes dos grupos criminosos russos.
É assim que funciona a máfia russa em Espanha: sem sujarem as mãos com crimes bárbaros, os criminosos optam pelas operações financeiras ilegais e pela corrupção
Antes de ser detido Kalashov, vivia numa magnífica vivenda em Marbella, que os investigadores designaram por “pequena São Petersburgo”. Foi condenado a nove anos de prisão e a uma multa de 20 milhões de euros por branqueamento de capitais. É assim que funciona a máfia russa em Espanha: sem sujarem as mãos com crimes bárbaros, os criminosos optam pelas operações financeiras ilegais e pela corrupção.
Manter atrás das grades o sucessor de “Ded Hassan” foi, até agora, o único sucesso da justiça espanhola no combate ao crime organizado com origem na Europa de Leste. O Ministério Público local tem mostrado uma impotência quase total: os três grandes processos de gangsters dos últimos anos saldaram-se na ausência de condenação, tanto dos criminosos estrangeiros como dos seus parceiros locais. Entre estes, um dos raros personagens a passar pela cela de uma prisão, pouco tempo antes da sua morte, em 2004, foi o antigo presidente da Câmara de Marbella, Jesús Gil, uma figura simbólica para as relações dos russos com o “triângulo dourado”.
Gil fora obrigado a demitir-se em 2002, depois de ter sido condenado por desvio de fundos, em parte em benefício dos seus numerosos conhecimentos da Europa Oriental, muitos dos quais com ligações à máfia.
Sem comentários:
Enviar um comentário