Nazis regam os bancos de uma sinagoga com combustível YAD VASHEM/WORLD HOLOCAUST REMEMBRANCE CENTER
Fotografias raras que mostram oficiais nazis fardados a participar activamente nos violentos ataques contra a comunidade judaica naquela que ficou conhecida como a “Noite de Cristal” (“Kristallnacht”) foram doadas recentemente ao Yad Vashem, o museu e memorial do Holocausto em Jerusalém. O álbum que contém estas imagens pertencia a um militar judeu americano que serviu na Alemanha durante a II Guerra Mundial.
O Yad Vashem anunciou a posse das fotografias no dia 9 de Novembro, quando se assinalou o 84.º aniversário da trágica noite de 1938. Na mesma ocasião, o museu afirmava que estas eram fotografias “inéditas”, mas esta informação viria a ser corrigida poucos dias depois pelo museu, após a neta do militar que tinha o álbum ter avançado no Twitter que já tinha publicado algumas das fotografias na sua conta daquela rede social em 2018. Várias destas fotografias também haviam sido mostradas no livro New Perspectives on Kristallnacht (2019) e no documentário da PBS The U.S. and the Holocaust, de Ken Burns, divulgado em Setembro deste ano.
Cerca de 30 mil judeus foram presos na Noite de Cristal e enviados para campos de concentração Yad Vashem/World Holocaust Remembrance Center
Mais ou menos conhecidas, mais ou menos “inéditas”, certo é que as imagens agora divulgadas pelo Yad Vashem revelam uma rara proximidade de oficiais nazis a saquear e a destruir lojas, casas e pertences de judeus em Nuremberga e numa cidade vizinha, Fürth. Através do olhar de dois fotógrafos nazis, o conjunto oferece um vislumbre do que aconteceu na noite de 9 de Novembro de 1938, quando multidões anti-semitas na Alemanha, Áustria e parte da então Checoslováquia atacaram judeus e destruíram as suas propriedades numa mobilização sem precedentes. Esta onda de violência foi orquestrada pelos nazis.
O pogrom (perseguição de um grupo étnico ou religioso) de Novembro de 1938, que ficou conhecido como “Kristallnacht” por causa dos vidros partidos espalhados pelas ruas após os ataques, marcou o início da intensificação da opressão anti-semita sob o regime nazi e para muitos historiadores representa o início do próprio Holocausto.
As imagens divulgadas mostram membros fardados das organizações paramilitares nazis SS e SA como perpetradores da onda de violência, ateando fogos, vandalizando casas e humilhando e agredindo moradores. “Embora ache que muitas imagens da Kristallnacht são desconcertantes e perturbadoras, penso que estas reforçam ainda mais sentimentos desta natureza — porque há crueldade nelas”, disse ao The Washington Post o historiador Toby Simpson, director da Wiener Holocaust Library.
“Estas são diferentes de outras imagens que vi da Kristallnacht”, afirmou Simpson, acrescentando que outras fotografias desta noite de terror tendem a evitar mostrar directamente a cumplicidade dos oficiais nazis. “Num certo sentido, não combinava com a propaganda nazi ter pessoas fardadas como SA fotografadas a cometer crimes. Essa não era necessariamente a imagem que os nazis queriam retratar.”
Agenda assassina
Não se sabe exactamente como é que as fotografias — tiradas na noite de 9 de Novembro de 1938 durante os ataques em Nuremberga e em Fürth — chegaram às mãos de um soldado americano que servia no departamento de contra-espionagem do Exército dos EUA na Alemanha. Este militar nunca falou sobre o que testemunhou, de acordo com sua filha Ann Leifer, que descobriu o álbum após a morte do pai ao limpar a sua casa nos Estados Unidos, onde a colecção ficou arrumada e invisível durante décadas.
Este ano, a família do veterano doou o álbum ao Yad Vashem, que lhe deu uma visibilidade muito maior. Segundo os historiadores, as fotografias fornecem uma rara prova visual da cumplicidade directa de oficiais nazis fardados nos pogroms anti-semitas, algo raramente captado em filme e negado pelos nazis na época.
Mais ou menos conhecidas, mais ou menos “inéditas”, certo é que as imagens agora divulgadas pelo Yad Vashem revelam uma rara proximidade de oficiais nazis a saquear e a destruir lojas, casas e pertences de judeus em Nuremberga e numa cidade vizinha, Fürth. Através do olhar de dois fotógrafos nazis, o conjunto oferece um vislumbre do que aconteceu na noite de 9 de Novembro de 1938, quando multidões anti-semitas na Alemanha, Áustria e parte da então Checoslováquia atacaram judeus e destruíram as suas propriedades numa mobilização sem precedentes. Esta onda de violência foi orquestrada pelos nazis.
Destruição de casas judaicas por nazis fardados durante a Kristallnacht, provavelmente em Fürth YAD VASHEM/WORLD HOLOCAUST REMEMBRANCE CENTER
O pogrom (perseguição de um grupo étnico ou religioso) de Novembro de 1938, que ficou conhecido como “Kristallnacht” por causa dos vidros partidos espalhados pelas ruas após os ataques, marcou o início da intensificação da opressão anti-semita sob o regime nazi e para muitos historiadores representa o início do próprio Holocausto.
As imagens divulgadas mostram membros fardados das organizações paramilitares nazis SS e SA como perpetradores da onda de violência, ateando fogos, vandalizando casas e humilhando e agredindo moradores. “Embora ache que muitas imagens da Kristallnacht são desconcertantes e perturbadoras, penso que estas reforçam ainda mais sentimentos desta natureza — porque há crueldade nelas”, disse ao The Washington Post o historiador Toby Simpson, director da Wiener Holocaust Library.
“Estas são diferentes de outras imagens que vi da Kristallnacht”, afirmou Simpson, acrescentando que outras fotografias desta noite de terror tendem a evitar mostrar directamente a cumplicidade dos oficiais nazis. “Num certo sentido, não combinava com a propaganda nazi ter pessoas fardadas como SA fotografadas a cometer crimes. Essa não era necessariamente a imagem que os nazis queriam retratar.”
Casa vasculhada e destruída — os livros eram um dos alvos da perseguição nazi YAD VASHEM/WORLD HOLOCAUST REMEMBRANCE CENTER
Agenda assassina
Não se sabe exactamente como é que as fotografias — tiradas na noite de 9 de Novembro de 1938 durante os ataques em Nuremberga e em Fürth — chegaram às mãos de um soldado americano que servia no departamento de contra-espionagem do Exército dos EUA na Alemanha. Este militar nunca falou sobre o que testemunhou, de acordo com sua filha Ann Leifer, que descobriu o álbum após a morte do pai ao limpar a sua casa nos Estados Unidos, onde a colecção ficou arrumada e invisível durante décadas.
Este ano, a família do veterano doou o álbum ao Yad Vashem, que lhe deu uma visibilidade muito maior. Segundo os historiadores, as fotografias fornecem uma rara prova visual da cumplicidade directa de oficiais nazis fardados nos pogroms anti-semitas, algo raramente captado em filme e negado pelos nazis na época.
Os vidros partidos das lojas judaicas tornaram-se num dos principais símbolos da noite de 9 de Novembro de 1938 — os nazis não se limitaram a assistir à violência Yad Vashem/World Holocaust Remembrance Center
Entre as dezenas de imagens, há registos de pessoas assustadas e surpreendidas ainda na cama, pessoas agredidas, soldados da SS a confiscar pilhas de livros, destruição de casas, sinagogas e lojas judaicas, entre muitos outros momentos de caos e violência ocorridos naquela noite de perseguição e ódio. Responsáveis do Yad Vashem, depositário de muita da documentação sobre o Holocausto, confirmam a raridade das imagens e dizem que a realidade retratada é representativa dos muitos ataques que ocorreram na Alemanha e na Áustria durante a Noite de Cristal.
“Podemos ver pela enorme proximidade destas imagens que os fotógrafos foram parte integrante dos eventos retratados. Os ângulos e a proximidade com os perpetradores parecem indicar um objectivo claro — documentar fielmente os acontecimentos”, disse num comunicado de imprensa Jonathan Matthews, chefe dos arquivos fotográficos do Yad Vashem. “Tudo isto serve como mais uma prova de que aquele ataque foi ordenado de cima e não foi um evento espontâneo de uma comunidade enfurecida — eles tinham intenção de divulgar estes pogroms.”
Destruição dentro de uma sinagoga, provavelmente em Fürth YAD VASHEM/WORLD HOLOCAUST REMEMBRANCE CENTER
Sinagoga incendiada — no total, na Noite de Cristal foram destruídos 267 templos religiosos judaicos YAD VASHEM/WORLD HOLOCAUST REMEMBRANCE CENTER
Existem outras imagens históricas de membros da SA a participar na Kristallnacht, nomeadamente a colar cartazes antijudaicos ou a assistir ao desenrolar da violência — mas é raro ver imagens de nazis fardados a levar montes de livros e a aterrorizar mulheres. Numa dessas imagens, soldados da SS seguram livros religiosos antigos, provavelmente para serem queimados, de acordo com os arquivistas do memorial.
Além das casas saqueadas, em alguns casos pelos vizinhos e conhecidos das vítimas, durante a Noite de Cristal milhares de estabelecimentos comerciais judeus foram incendiados, 267 sinagogas destruídas e dezenas de pessoas mortas. Cerca de 30 mil judeus foram presos naquela noite e enviados para campos de concentração.
A violência — desencadeada no meio de uma crescente onda de anti-semitismo que dominava a Alemanha nazi da época — foi incitada por instruções do principal propagandista de Hitler, Joseph Goebbels. “O Führer decidiu que... as manifestações não devem ser preparadas ou organizadas pelo partido, mas, desde que surjam espontaneamente, não devem ser impedidas”, disse Goebbels aos oficiais nazis.
Algumas das fotografias do álbum revelam agressões YAD VASHEM/WORLD HOLOCAUST REMEMBRANCE CENTER
“Podemos ver pela enorme proximidade destas imagens que os fotógrafos foram parte integrante dos eventos retratados", diz Jonathan Matthews, chefe dos arquivos fotográficos do Yad Vashem YAD VASHEM/WORLD HOLOCAUST REMEMBRANCE CENTER
Apesar da pretendida aparência de espontaneidade, os tumultos foram planeados com antecedência pelas autoridades. E foram cuidadosamente programados para coincidir em três países. As propriedades não judaicas foram protegidas e as forças de segurança locais foram instruídas para prender tantos judeus quantos as prisões locais pudessem conter — tudo isto sugere uma coordenação minuciosa.
“Estas fotografias mostram claramente a verdadeira intenção dos nazis e os esforços sistemáticos e deliberados a que eles se dedicariam para cumprir a sua agenda assassina”, disse o presidente do Yad Vashem, Dani Dayan. “Estas fotografias constituem provas documentais importantes das atrocidades que foram infligidas aos judeus da Europa.”
Entre as dezenas de imagens, há registos de pessoas assustadas e surpreendidas ainda na cama, pessoas agredidas, soldados da SS a confiscar pilhas de livros, destruição de casas, sinagogas e lojas judaicas, entre muitos outros momentos de caos e violência ocorridos naquela noite de perseguição e ódio. Responsáveis do Yad Vashem, depositário de muita da documentação sobre o Holocausto, confirmam a raridade das imagens e dizem que a realidade retratada é representativa dos muitos ataques que ocorreram na Alemanha e na Áustria durante a Noite de Cristal.
“Podemos ver pela enorme proximidade destas imagens que os fotógrafos foram parte integrante dos eventos retratados. Os ângulos e a proximidade com os perpetradores parecem indicar um objectivo claro — documentar fielmente os acontecimentos”, disse num comunicado de imprensa Jonathan Matthews, chefe dos arquivos fotográficos do Yad Vashem. “Tudo isto serve como mais uma prova de que aquele ataque foi ordenado de cima e não foi um evento espontâneo de uma comunidade enfurecida — eles tinham intenção de divulgar estes pogroms.”
Existem outras imagens históricas de membros da SA a participar na Kristallnacht, nomeadamente a colar cartazes antijudaicos ou a assistir ao desenrolar da violência — mas é raro ver imagens de nazis fardados a levar montes de livros e a aterrorizar mulheres. Numa dessas imagens, soldados da SS seguram livros religiosos antigos, provavelmente para serem queimados, de acordo com os arquivistas do memorial.
Além das casas saqueadas, em alguns casos pelos vizinhos e conhecidos das vítimas, durante a Noite de Cristal milhares de estabelecimentos comerciais judeus foram incendiados, 267 sinagogas destruídas e dezenas de pessoas mortas. Cerca de 30 mil judeus foram presos naquela noite e enviados para campos de concentração.
A violência — desencadeada no meio de uma crescente onda de anti-semitismo que dominava a Alemanha nazi da época — foi incitada por instruções do principal propagandista de Hitler, Joseph Goebbels. “O Führer decidiu que... as manifestações não devem ser preparadas ou organizadas pelo partido, mas, desde que surjam espontaneamente, não devem ser impedidas”, disse Goebbels aos oficiais nazis.
Oficiais nazis carregam livros religiosos antigos judaicos, provavelmente para serem queimados YAD VASHEM/WORLD HOLOCAUST REMEMBRANCE CENTER
Apesar da pretendida aparência de espontaneidade, os tumultos foram planeados com antecedência pelas autoridades. E foram cuidadosamente programados para coincidir em três países. As propriedades não judaicas foram protegidas e as forças de segurança locais foram instruídas para prender tantos judeus quantos as prisões locais pudessem conter — tudo isto sugere uma coordenação minuciosa.
“Estas fotografias mostram claramente a verdadeira intenção dos nazis e os esforços sistemáticos e deliberados a que eles se dedicariam para cumprir a sua agenda assassina”, disse o presidente do Yad Vashem, Dani Dayan. “Estas fotografias constituem provas documentais importantes das atrocidades que foram infligidas aos judeus da Europa.”
Mulheres e homens foram surpreendidos durante a noite nas suas casas, num tempo em que o anti-semitismo subia de tom na Alemanha nazi Yad Vashem/World Holocaust Remembrance Center
O facto de este álbum de fotografias — até agora pouco conhecido — ter sido descoberto numa casa de família é também um lembrete de que ainda existem provas históricas importantes que sobreviveram ao Holocausto e que ainda não foram investigadas por historiadores. “Por vezes, as pessoas assumem que já não há material historicamente significativo por aí para ser encontrado — mas há. E essa é também uma das coisas importantes que este álbum nos mostra”, disse Simpson.
O facto de este álbum de fotografias — até agora pouco conhecido — ter sido descoberto numa casa de família é também um lembrete de que ainda existem provas históricas importantes que sobreviveram ao Holocausto e que ainda não foram investigadas por historiadores. “Por vezes, as pessoas assumem que já não há material historicamente significativo por aí para ser encontrado — mas há. E essa é também uma das coisas importantes que este álbum nos mostra”, disse Simpson.
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