Giorgia Meloni
Deve o feminismo celebrar a chegada ao poder de mulheres antifeministas? Aqui, a resposta é não.
Carmo Afonso 28 de Outubro de 2022
Uma mulher tem os mesmos direitos que um homem e, nesse elenco, está certamente o direito a defender posições antifeministas. Tem igualmente a possibilidade, e o direito, de chegar ao poder – e refiro-me aos mais altos cargos políticos executivos – defendendo essas posições antifeministas.
A extrema-direita normalmente inclui o antifeminismo declarado. Sabemos bem o que significa o “Deus, pátria e família” e, dúvidas houvesse, são várias as mulheres ligadas aos partidos políticos de extrema-direita que se assumem como sendo antifeministas. Por cá, temos o exemplo da deputada do Chega Rita Matias.
Importa perguntar se estão no seu direito de assumir cargos de responsabilidade política enquanto se assumem como antifeministas. E a resposta é afirmativa. Devem essa oportunidade à luta de milhares de mulheres que começaram por lutar pelo direito ao voto, mas que nunca pararam de se bater pela igualdade entre homens e mulheres. É uma luta que continua e está bem presente. Estamos muito longe da igualdade que se pretende.
Acontece que outra pergunta tem de ser feita: deve o feminismo celebrar a chegada ao poder de mulheres antifeministas? E aqui a resposta é não. O feminismo não é uma luta por direitos individuais ou por sucessos individuais de qualquer mulher. Trata-se de uma luta coletiva. Isto significa que se regozija com os progressos que façam a diferença na vida das mulheres, na sua globalidade, e que nunca – e aqui é mesmo nunca – celebrará o poder de quem se opõe à causa feminista. Não se trata de zelar pelo interesse próprio, mas sim de zelar pelo de todas as mulheres.
Este tema surge ainda na sequência de Giorgia Meloni ter alcançado a posição de primeira-ministra de Itália. O debate prosseguiu. Defendem as feministas liberais – e os liberais de um modo geral – que nos devemos, como fez Ursula von der Leyen, alegrar com essa vitória de Meloni. Alegam que uma mulher não deve passar pelo crivo da pureza ideológica para chegar ao poder; que não lhe devem ser impostas condições porque essa imposição seria antifeminista ou mesmo machista. Esta é a posição defendida por uma articulista deste jornal, Susana Peralta.
Existe uma grave falha neste raciocínio e é importante que falemos sobre isso. Está aqui em causa dissociar o feminismo de uma ideia de virtude e da sua vocação coletiva. Há um caminho tortuoso até lá chegar, mas será esse o ponto de chegada.
Vamos então ao caminho tortuoso. Pretende-se que o feminismo celebre um evento político que, não obstante ser protagonizado por uma mulher, marca um retrocesso para todas as outras e, já agora, para a comunidade no seu todo.
E se for uma mulher a liderar um governo que pratica genocídios ou limpezas étnicas? Continuam a aplaudir? Qual é o limite? Eventualmente, a resposta que este feminismo liberal dá é que não existe nenhum limite. Entenderão que o feminismo reside no entendimento de que uma mulher tem o mesmo direito que o homem a ser genocida e que qualquer posição de liderança assumida por uma mulher deve ser razão de regozijo para a causa feminista.
Criticam que a esquerda estabeleça uma ligação entre ideologia e causas progressistas, mas são a melhor demonstração de que a relação afinal existe. É que este feminismo vive bem com o infortúnio das mulheres enquanto grupo, e enquanto sujeito político, e sobretudo com o infortúnio das mulheres mais vulneráveis às consequências de governações como são as de extrema-direita: as que integram minorias, as imigrantes e as que ganham os salários mais baixos.
Não existe nenhum mistério no antifeminismo da extrema-direita. Anuncia com clareza ao que vem e obriga a que a maioria das mulheres levante a guarda. Mas existe um grande mistério neste feminismo que aparenta celebrar a libertação das mulheres, mas que não distingue, e não assinala, o que as põe em perigo.
A pergunta que figura no título não mereceria ser respondida, mas há quem tenha tomado a liberdade de pensar nisso.
A autora é colunista do PÚBLICO e escreve segundo o novo acordo ortográfico
Von der Leyen felicita Meloni
Não existe nenhuma razão para estarmos contentes por uma mulher de extrema-direita ter chegado a primeira-ministra. Mais valia um homem decente.
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