Aos 28 anos, Nadya Tolokonnikova já tem uma greve de fome marcada no corpo e um historial de torturas psicológicas que lhe tiram o sono “duas a três vezes por semana”. É impossível esquecer aqueles 21 meses em que esteve presa por causa do mais impactante protesto das Pussy Riot, a “oração punk” de 2012. Apesar de tudo, apesar do medo, a porta-voz do colectivo não vai parar de lutar contra o regime de Putin. Os próximos capítulos acontecem em Paredes de Coura no dia 17, na estreia das Pussy Riot em Portugal.
Nadezhda Tolokonnikova
Nadya, co-fundadora e porta-voz das Pussy Riot, não pára de nos dizer coisas que preferíamos que não fossem verdade – como os pesadelos que tem “duas a três vezes por semana” por causa dos 21 meses em que esteve presa, tudo porque no dia 21 de Fevereiro de 2012 ela e as amigas Pussy Riot decidiram ocupar o altar da Catedral de Cristo Salvador, em Moscovo, munidas de balaclavas coloridas, danças frenéticas de punho esquerdo bem erguido e uma canção de protesto contra o regime autocrático de Vladimir Putin e a sua problemática aliança com a Igreja Ortodoxa russa. Freiras em pânico, crentes perplexos, funcionários da catedral a tentar controlar a situação, e aquelas mulheres a não ficarem caladas – o punk desceu à terra, aleluia.
Punk Prayer – a canção, a performance, a guerrilha pop – tornou-se viral e, por causa dela, as Pussy Riot tornaram-se num assunto de Estado. Três das activistas do grupo que ergueram esta “oração punk”, Nadya, Maria Alyokhina (Masha) e Yekaterina Samutsevich (Katya), foram condenadas a dois anos de prisão por “hooliganismo e incitamento ao ódio religioso”. Durante o mediático julgamento, estavam dentro de jaulas de vidro, mas sorriam. Ocasionalmente, praticavam essa coisa muito millennial chamada resting bitch face quando ouviam algum absurdo sobre o caso (e ouviram muitos). Eram desafiadoras. Falavam sobre o sabor da liberdade. Sobre feminismo, sobre os direitos LGBTQ. Tinham 20 e poucos anos e pareciam inabaláveis.
Aos 28 anos, Nadezhda Tolokonnikova, co-fundadora e porta-voz das Pussy Riot, já tem um longo e recheado currículo de activismo. Continua na lista negra de Putin
Nadya, co-fundadora e porta-voz das Pussy Riot, não pára de nos dizer coisas que preferíamos que não fossem verdade – como os pesadelos que tem “duas a três vezes por semana” por causa dos 21 meses em que esteve presa, tudo porque no dia 21 de Fevereiro de 2012 ela e as amigas Pussy Riot decidiram ocupar o altar da Catedral de Cristo Salvador, em Moscovo, munidas de balaclavas coloridas, danças frenéticas de punho esquerdo bem erguido e uma canção de protesto contra o regime autocrático de Vladimir Putin e a sua problemática aliança com a Igreja Ortodoxa russa. Freiras em pânico, crentes perplexos, funcionários da catedral a tentar controlar a situação, e aquelas mulheres a não ficarem caladas – o punk desceu à terra, aleluia.
Punk Prayer – a canção, a performance, a guerrilha pop – tornou-se viral e, por causa dela, as Pussy Riot tornaram-se num assunto de Estado. Três das activistas do grupo que ergueram esta “oração punk”, Nadya, Maria Alyokhina (Masha) e Yekaterina Samutsevich (Katya), foram condenadas a dois anos de prisão por “hooliganismo e incitamento ao ódio religioso”. Durante o mediático julgamento, estavam dentro de jaulas de vidro, mas sorriam. Ocasionalmente, praticavam essa coisa muito millennial chamada resting bitch face quando ouviam algum absurdo sobre o caso (e ouviram muitos). Eram desafiadoras. Falavam sobre o sabor da liberdade. Sobre feminismo, sobre os direitos LGBTQ. Tinham 20 e poucos anos e pareciam inabaláveis.
Entretanto, a iconografia Pussy Riot começava a ganhar terreno. As balaclavas coloridas multiplicavam-se nos protestos de solidariedade, online e offline. Peaches fez a canção Free Pussy Riot, palavras que Madonna exaltou em cima do palco, escritas nos seus próprios braços. A t-shirt que Nadya usou durante o julgamento, onde tinha estampado o grito anti-fascista “¡No pasarán!”, foi reproduzida e vendida em sites como a Amazon (ninguém escapa ao capitalismo…). Em Dezembro de 2013, Nadya e Masha foram libertadas mais cedo do que o previsto (Katya já tinha saído da prisão em 2012), na sequência da aprovação de uma amnistia pelo Parlamento Russo, vista como uma manobra de charme pré-Jogos Olímpicos de Sochi destinada a estancar a torrente de críticas internacionais sobre a violação dos direitos humanos e da liberdade de expressão na Rússia.
Quatro anos e meio e mais umas quantas detenções arbitrárias depois, as Pussy Riot estreiam-se em Portugal no festival Paredes de Coura, dia 17 no palco After Hours, pelas 2h. Do elenco rotativo de músicos e artistas que compõem o colectivo, em palco estarão três ou quatro representantes, incluindo Nadya – a única cujo nome pode ser revelado publicamente por motivos de segurança. Aos 28 anos, já tem um longo e recheado currículo de activismo. Continua na lista negra de Putin. Continua a ser vigiada pelas autoridades (ao telefone, de um número privado, diz-nos que “afinal não é seguro falarmos por Skype”, como estava combinado).
“Acho que a razão pela qual eles prenderam a Anya é bastante clara: querem intimidar os jovens desde muito cedo. Mas eles não se deixam intimidar. Acredito que o Putin está a ser muito insensato ao tentar controlá-los, porque eles vão arranjar novas formas de o confrontar”, declara Nadya, que considera esta nova geração “mais madura e mais corajosa” do que a dela. “A minha filha, por exemplo: eu não vejo medo nela. Ela tem dez anos, mas de certeza que vai ser politicamente activa. Ouve-nos a falar sobre política a toda a hora cá em casa e diz mal do Putin o tempo todo!”
A banda de punk russa teve suas integrantes presas em 2012.
Pugilista das ideias
As Pussy Riot nasceram em 2011 como um ramo do colectivo anarco-artístico Voïna. Foram influenciadas pelo movimento musical feminista riot grrrl, têm dois álbuns – In Riot We Trust saiu no ano passado –, vão lançando canções soltas entre o punk, a electrónica, o hip-hop e a pop, mas a verdade é que nunca se assumiram apenas como uma banda. A música é só mais um veículo de intervenção e insubordinação. Não é isso que as distingue. Nas entrevistas, Nadya prefere falar sobre política. O momento impõe-se, há demasiadas perguntas a fazer. Numa altura em que surgem cada vez mais líderes políticos antidemocráticos, dentro da Europa e fora dela, Nadya confessa-se “preocupada” com essa “tendência perigosa”. Uma tendência tantas vezes apoiada pelo governo russo.
“Sei exactamente o que é viver num regime autocrático há 18 anos. Sei exactamente como é que a paisagem política de um país vai ficar se não há meios de comunicação independentes. Sei exactamente o quão esmagador é ter os dissidentes políticos no underground, na prisão, agredidos ou mortos”, assinala a activista, que depois de ter saído da prisão criou, com a colega Masha, o site de notícias MediaZona e a Zona Prava, uma organização de defesa dos direitos dos encarcerados em prisões russas.
Já não são apenas anti-Putin, são também anti-Trump – e pegando num dos assuntos quentes da actualidade, Nadya acredita que a Rússia interferiu de facto nas eleições americanas, ajudando Donald Trump a vencer. “Acho altamente provável que tenha sido algo coordenado entre os dois. São o tipo de bad guysque gostam de decidir tudo por debaixo da mesa, que não acreditam no direito de voto e na cidadania. Acreditam que têm cérebro – supostamente [risos] –, poder, dinheiro e que podem decidir por toda a gente.”
Yekaterina Samutsevich
Pugilista das ideias
As Pussy Riot nasceram em 2011 como um ramo do colectivo anarco-artístico Voïna. Foram influenciadas pelo movimento musical feminista riot grrrl, têm dois álbuns – In Riot We Trust saiu no ano passado –, vão lançando canções soltas entre o punk, a electrónica, o hip-hop e a pop, mas a verdade é que nunca se assumiram apenas como uma banda. A música é só mais um veículo de intervenção e insubordinação. Não é isso que as distingue. Nas entrevistas, Nadya prefere falar sobre política. O momento impõe-se, há demasiadas perguntas a fazer. Numa altura em que surgem cada vez mais líderes políticos antidemocráticos, dentro da Europa e fora dela, Nadya confessa-se “preocupada” com essa “tendência perigosa”. Uma tendência tantas vezes apoiada pelo governo russo.
Nadezhda Tolokonnikova
“Sei exactamente o que é viver num regime autocrático há 18 anos. Sei exactamente como é que a paisagem política de um país vai ficar se não há meios de comunicação independentes. Sei exactamente o quão esmagador é ter os dissidentes políticos no underground, na prisão, agredidos ou mortos”, assinala a activista, que depois de ter saído da prisão criou, com a colega Masha, o site de notícias MediaZona e a Zona Prava, uma organização de defesa dos direitos dos encarcerados em prisões russas.
Já não são apenas anti-Putin, são também anti-Trump – e pegando num dos assuntos quentes da actualidade, Nadya acredita que a Rússia interferiu de facto nas eleições americanas, ajudando Donald Trump a vencer. “Acho altamente provável que tenha sido algo coordenado entre os dois. São o tipo de bad guysque gostam de decidir tudo por debaixo da mesa, que não acreditam no direito de voto e na cidadania. Acreditam que têm cérebro – supostamente [risos] –, poder, dinheiro e que podem decidir por toda a gente.”
Nadya tem resposta para tudo na ponta da língua. Parece divertir-se genuinamente a falar sobre política. Há aqui qualquer coisa de inteligência selvagem, um radicalismo na recusa. Mas também há o medo. “Tenho medo de muitas coisas. Estive em negação em relação aos meus medos durante algum tempo depois da prisão, mas percebi que tenho de enfrentá-los”, confessa Nadya. “Sempre que vejo um polícia na rua penso que devia ter trazido a minha escova de dentes porque se calhar vou acabar outra vez na prisão.”
A política russa, diz, “é neste momento muito baseada no medo”. Provavelmente é essa a explicação para o facto de a invasão de campo protagonizada por elementos das Pussy Riot na final do Mundial de Futebol ter sido o único statement significativo contra o regime feito durante toda a competição. “O governo russo tomou medidas sérias de vigilância. A polícia segue literalmente todos os teus passos. Há uma coisa a que chamam de ‘detenção preventiva’: sais de casa e podes ser preso porque eles acham que poderás ir a um protesto, sem nunca teres feito nada”, explica a activista, que em Outubro irá lançar o livro Read & Riot: A Pussy Riot Guide to Activism.
A política russa, diz, “é neste momento muito baseada no medo”. Provavelmente é essa a explicação para o facto de a invasão de campo protagonizada por elementos das Pussy Riot na final do Mundial de Futebol ter sido o único statement significativo contra o regime feito durante toda a competição. “O governo russo tomou medidas sérias de vigilância. A polícia segue literalmente todos os teus passos. Há uma coisa a que chamam de ‘detenção preventiva’: sais de casa e podes ser preso porque eles acham que poderás ir a um protesto, sem nunca teres feito nada”, explica a activista, que em Outubro irá lançar o livro Read & Riot: A Pussy Riot Guide to Activism.
Ao contrário do que imaginávamos, os advogados das Pussy Riot, ligados ao Agora International Human Rights Group, dificilmente conseguem prever todas ramificações e consequências legais dos protestos do colectivo. “Nós discutimos essas coisas constantemente, mas estamos conscientes de que é muito complicado prever o poder de reacção a uma ou outra acção, porque nesta altura do campeonato já não é uma questão legal”, aponta Nadya. “O Putin vai decidir o que quer. Vai inventar leis, se for preciso.”
Apesar dos riscos, elas continuam de punho erguido. Apesar de ver a vida a andar para trás sempre que encontra um polícia na rua, Nadya Tolokonnikova não quer trocar a Rússia por outro país. “É a minha cultura. Apesar de todos os problemas, é um país que produz arte incrível, literatura incrível, e eu não quero dar tudo de mão beijada ao Putin e aos amigos dele. Quero mudar alguma coisa.”
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