VALTER MARTINS
23/12/2013
Em Portugal, ao contrário de outros países agora em dificuldades económicas na Zona Euro - Espanha, Grécia e Irlanda-, o crescimento económico anémico era já bem evidente antes da crise financeira de 2007-08.
A entrada no Euro possibilitou uma redução significativa das taxas de juro neste grupo de países, o que desencadeou bolhas imobiliárias -Espanha e Irlanda- e despesismo público na Grécia, permitindo que estes países tivessem taxas de crescimento anual bastante superiores à média europeia no período 2000-07: Espanha (3,6%); Grécia (4,1%); e Irlanda (5,8%). Já no caso de Portugal (1,5%), que sofreu não só de uma bolha imobiliária mas também de despesismo público, o crescimento foi bastante mais fraco do que o grupo mencionado em cima.
Qual a razão de tão fraco crescimento em relação ao grupo de países que se encontra agora nas mesmas circunstâncias? Embora o crescimento da produtividade, ou a sua falta, seja apontado como a principal e única causa do fraco crescimento económico de Portugal, o crescimento da força de trabalho, raramente mencionado, explica melhor não só a falta de crescimento na última década mas também as diferenças de crescimento entre vários países da Zona Euro antes da crise financeira de 2007-08.
O crescimento da população depende do crescimento natural, diferença entre nascimentos e mortes, e dos saldos migratórios, diferença entre imigração e emigração. O crescimento natural praticamente estagnou desde meados dos anos 90, tornando-se mesmo negativo em 2007, ano em que pela primeira vez morreram mais pessoas do que as que nasceram. Tendo uma das taxas de fertilidade total mais baixas do mundo (1,35), este declínio era um resultado largamente previsível, uma vez que, a taxa de fertilidade deixou de ser suficiente para assegurar a renovação de gerações (2,1) desde os anos 80 (o mesmo para Espanha e Grécia; a da Irlanda caiu ligeiramente abaixo dos 2,1 nos anos 90).
Desde a década de 90, o crescimento da população em Portugal tem dependido quase exclusivamente do saldo migratório positivo -o mesmo para Espanha, Grécia e Irlanda-para o qual contribuiu um largo influxo de imigrantes a partir de 95, no entanto, este atingiu um pico em 2002, ano a partir do qual começou a desacelerar, ao contrário da Espanha e Irlanda onde se assistiu a uma verdadeira explosão da imigração até 2008. Além disso, voltamos a assistir a um aumento da emigração. De acordo com um estudo realizado por o ex-ministro da Economia, Álvaro Santos Pereira, cerca de 700 mil portugueses emigraram entre 1998 e 2008.
Portanto, na última década, Portugal não só recebeu menos imigrantes do que a Espanha e Irlanda como também perdeu um grande número dos seus cidadãos para a emigração. Este facto distingue claramente Portugal do grupo de países mencionado em cima, aproximando-o mais do caminho que seria trilhado por os países de leste aquando da sua entrada na União Europeia. Efectivamente, e de acordo com o Instituto Nacional de Estatística entre os censos de 2001 a 2011, a população residente em Portugal aumentou apenas 1,9% enquanto em Espanha esse aumento foi de 12,9%.
Mais importante que a variação da população total, para efeitos da presente discussão, é a variação da população activa, definida como a população em idade de trabalho (15 – 64 anos), porque só esta representa o potencial produtivo da economia. Por conseguinte, usou-se o PIB por população activa (PIB/Pop. activa) em comparação com o PIB Real de forma a poder avaliar em que medida o crescimento da força de trabalho afecta o crescimento do PIB. Surpreendentemente ou não, os dados vistos graficamente não só confirmam o "efeito população activa" - distância entre as linha do PIB/Pop activa e do PIB Real - como também que Portugal atingiu o ponto onde esse efeito começou a influenciar negativamente o crescimento do PIB.
A taxa de crescimento do PIB Real foi sempre superior à taxa de crescimento PIB por População Activa até 2002 e como tal o crescimento da população activa teve um impacto positivo no crescimento do PIB. Já no período 2003-08 as duas linhas sobrepõem-se, o que indica que o crescimento da população activa estagnou (0,12%), e o “efeito população activa” foi praticamente nulo.
A situação reverteu-se completamente a partir de 2008 quando a população activa entrou em declínio, uma vez que, a taxa de crescimento do PIB por População Activa passou a ser superior à taxa de crescimento do PIB Real e portanto "o efeito população activa" começou a arrastar irremediavelmente o produto potencial para baixo. Por outras palavras, Portugal sofre de uma "escassez de Japoneses" como Edward Hugh lhe chamou depois de Paul Krugman ter cunhado originalmente o termo.
Com efeito, quando se compara o crescimento do PIB por População Activa entre o grupo de países mencionados até 2008, nem o crescimento da Espanha (2,0%) nem da Irlanda (3,5%) parecem tão espectaculares, nem o crescimento de Portugal (1,2%) parece tão mau em comparação. De facto, só a Grécia (3,9%) parece ter tido um crescimento espectacular antes da crise.
O argumento aqui defendido não é o de que o crescimento do produto não é possível com uma população activa estagnada ou em ligeiro declínio, mas tão só, que este se torna mais difícil de alcançar nestas circunstâncias, porque agora este depende ainda mais de outros factores, como por exemplo, da produtividade ou do aumento das taxas de participação na força de trabalho, mas estes mudam lentamente ao longo do tempo, mais ainda em países desenvolvidos, e, como tal, o crescimento torna-se progressivamente mais lento. Com uma população activa estagnada, a tendência de longo prazo é de um crescimento do produto muito baixo ou mesmo nulo.
Em conclusão, o crescimento económico de Portugal parece ter iniciado uma longa trajectória decrescente a par com o declínio da sua população activa. A economia está a produzir a níveis de 2001, ou seja, a primeira década deste século foi complemente perdida. E dado o mau arranque, esta segunda década parece seguir o mesmo caminho. Na melhor das hipóteses a economia vai estagnar, mas o mais provável é mesmo regredir e em 2019 podemos estar de volta aos anos 90. Sim, porque para além de todos os outros problemas que afectam a economia e que fazem com que a situação seja no mínimo difícil, temos agora mais um, o declínio da população activa, e este não pode ser facilmente revertido no curto prazo. Portanto, na análise do crescimento económico Português, a dinâmica demográfica não pode mais ser ignorada.
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