cripto moedas
O valor das criptomoedas – a Bitcoin e milhares das suas derivadas – tem vindo a cair a pique.
Não é a primeira vez que as criptomoedas sofrem abalos, dos quais sempre recuperaram, mas há quem diga que desta vez é diferente. Por um lado, porque as criptomoedas estão mais disseminadas e uma queda afecta mais pessoas e instituições do que há três ou quatro anos. Por outro, porque acontece em simultâneo com um recuo dos mercados financeiros, em particular os de activos de maior risco. Comecemos por aqui.
A Bitcoin perdeu aproximadamente 32% do valor desde o início do ano. O índice Nasdaq, constituído sobretudo por empresas tecnológicas, deslizou cerca de 26%. As oscilações nas criptomoedas e no Nasdaq têm vindo a acontecer quase em paralelo (é razoável assumir que há uma sobreposição não despicienda entre quem compra criptomoedas e quem compra acções de empresas tecnológicas como a Tesla).
É esta a primeira e a mais simples explicação para o que se passa hoje: os investidores estão menos interessados em risco.
Vivemos num cenário de incerteza económica, com a inflação a subir e uma guerra em curso na Europa. Também amainaram os ventos da pandemia, que, durante dois anos, deram fôlego a algumas tecnológicas (veja-se a derrocada bolsista de nomes como o Zoom e a Peloton) e que motivaram um fenómeno de investidores de sofá, desejosos de sacudir o tédio e de multiplicar o dinheiro que estavam a poupar por não irem de férias, nem a restaurantes. Em alguns casos, não era tanto investir, como jogar – jogar é divertido (até se perder demasiado) e já tínhamos todos chegado ao fim do Netflix.
Mas este cenário não explica tudo o que se passa num reino pouco regulado, especulativo e onde surgem esquemas de estilo Ponzi.
Aqui no PÚBLICO, o colunista Ricardo Cabral, professor de Economia no ISEG, escreve hoje um texto imperdível sobre o assunto.
Para perceber como a Bitcoin e outras criptomoedas chegaram aos preços a que chegaram, é preciso notar que nem todas foram compradas com euros ou dólares. Muitas das transacções são feitas com as chamadas stablecoins (ou "moedas estáveis"): são criptomoedas que, supostamente, mantêm um valor fixo face ao dólar (ou outra divisa), e que são usadas para tornar o mercado mais líquido e as transacções mais fáceis.
Uma das mais conhecidas stablecoins é a Tether. Teoricamente, estas stablecoins têm dólares (ou activos equivalentes) para assegurar que uma Tether vale sempre um dólar. Mas a Tether não é auditada de forma transparente e acreditar que cada Tether tem um dólar por trás é isso mesmo: um exercício de fé. Quando a maioria deixar de acreditar (ou, dando mais crédito à inteligência das pessoas: quando a maioria deixar de acreditar que a maioria se vai comportar como se a maioria acreditasse) no câmbio garantido de uma stablecoin por um dólar, o sistema entra em colapso. É a versão cripto de uma "corrida ao banco", como disse a secretária do Tesouro dos EUA, Janet Yellen.
O facto de que a Tether tocou há dias nos 95 cêntimos de dólar é um sinal. Por que é que alguém vendeu a 95 cêntimos algo que supostamente valia um dólar? Só há uma possibilidade: porque deixou de acreditar que valia e preferiu sair a perder 5%.
E assim chegamos à protagonista da semana passada, a stablecoin TerraUSD. A TerraUSD é mais complexa do que a Tether. De forma ultra-simplificada, a indexação ao dólar acontecia porque a TerraUSD podia ser trocada por uma criptomoeda-irmã (chamada Luna), cujo valor oscilava no mercado. Neste processo, eram destruídas moedas de um lado e emitidas do outro, de forma a manter a estabilidade do preço da TerraUSD. No jargão das criptomoedas, isto é um ecossistema. O ecossistema Terra chegou a prometer uns 20% de juros a quem lá entrasse. E o fundador decidiu recentemente que a plataforma faria uma avultada e especulativa aposta noutras criptomoedas, incluindo Bitcoins.
A TerraUSD, supostamente estável, vale, à hora de escrita destas linhas, nove cêntimos de dólar. A Luna, que chegou a ultrapassar os 100 dólares, vale 0,00013 dólares.
Como sempre acontece nestes esquemas, o desaire de uns é a fortuna de outros. E alguém estará a contar o dinheiro – muito provavelmente, em dólares a sério.
Digno de nota
- Elon Musk, fiel a si próprio, escreveu no Twitter que a aquisição da rede social estava "em pausa". O empresário, que está contratualmente obrigado a comprar o Twitter, acabou por acrescentar que "continua empenhado" no negócio.
- O chamado stalkerware continua a ser um problema. Por entre os filtros da Google, passam anúncios a aplicações que servem para espiar pessoas sem consentimento, um tipo de aplicação cuja procura disparou durante a pandemia.
Sem comentários:
Enviar um comentário