Dantes, dizia-se “está verde, não presta”. Hoje, os maduros somos nós.
Miguel Esteves Cardoso 3 de Agosto de 2021
Um amigo nosso levou-nos ao pessegueiro de onde tinha apanhado um cesto de pêssegos para nós. Tinham sido apanhados na sexta de manhã e nós só os provámos no domingo. Estavam sensacionais mas este nosso amigo tanto teimou que tinham de ser comidos mal fossem apanhados que insistiu que o acompanhássemos.
Ele é de Ponte de Lima e teve a sorte de crescer com tudo a crescer à volta dele. Foi a mãe que o ensinou a escolher tudo: as folhas para a sopa e aquelas que ficavam para os porcos, os tomates para o tacho e para a salada, as maçãs para comer cruas e para fazer doce.
Os pêssegos eram bons, disse ele, porque foram escolhidos. Foram escolhidos por estarem “no ponto”. Este ponto de maturação, para ser descoberto, precisava de ser bem apalpado e bem pesado.
Mas, lá está, tinham de ser logo comidos para serem apreciados no tal ponto. Também era possível escolher para dali a dois dias, mas era mais difícil e, de qualquer maneira, nunca era a mesma coisa.
Quando provámos os pêssegos acabados de arrancar da árvore íamos caindo. Pensávamos que já conhecíamos o sabor destes pêssegos. Não conhecíamos. Não era só um sabor: eram muitos ao mesmo tempo, contraditórios, estarrecedores, desconcertantemente bons.
Descobri que estamos programados a gostar de fruta verde. Hoje a fruta apanha-se muito antes do tal ponto, para compensar o tempo e as temperaturas das viagens e dos armazenamentos a que é sujeita.
Tentam lavar-nos o cérebro, dizendo que a fruta amadurece “em trânsito”, que os cultivares já são escolhidos para permitir essa “evolução”, que é sempre “o consumidor que manda” porque o consumidor “hoje em dia” já sabe o que quer e não se deixa enganar.
Dantes, dizia-se “está verde, não presta”.
Hoje, os maduros somos nós.
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