sexta-feira, 27 de março de 2015

Por que razões sou frontalmente contra listas VIP, na Administração dos Impostos e não só...


O princípio da lista VIP é o princípio, errado, da excepção e do favorecimento.

O pretexto inicial para a instituir é que é preciso impedir olhares indiscretos de aceder e divulgar dados de determinados contribuintes especialmente conhecidos na sociedade.

Mas logo a seguir, esta mesma lista já está a servir para proteger os contribuintes que são do mesmo grupo (partido, clube desportivo, religião) dos responsáveis da Administração Tributária. Através da lista VIP, para quem manda no Fisco proteger os da mesma cor é fácil, muito fácil, demasiado fácil.

Como a lista VIP é, por definição, uma instituição de procedimentos de acesso restrito a determinados contribuintes, basta ao responsável dos impostos designar apenas funcionários da mesma cor para verificar, fiscalizar e eventualmente abrir procedimento contra determinada pessoa. Isto é, chefe e funcionário, irmanados no mesmo interesse e amizade pelo contribuinte, facilmente caem na tentação de o proteger dos rigores da lei, dilatando prazos, fornecendo expedientes, atribuindo excepções legais, para que o próprio não pague tanto ou seja mais beneficiado que todos os outros.

Com listas VIP no Fisco, não teríamos ficado a saber que o senhor "Bibi", o tal do Benfica, só pagava impostos sobre o ordenado mínimo; não teríamos ficado a saber que o senhor Damásio também era praticante do mesmo desporto; não teríamos ficado a saber dos mesmos desmandos de poderosos e influentes que, ao longo de décadas, nos enganaram a todos fugindo às suas responsabilidades fiscais.

Vou mais longe: ao contrário das listas VIP, o princípio da democraticidade no aceso de todos os funcionários da Administração Fiscal aos dados dos contribuintes poderosos é muito útil é um instrumento de Democracia e um garante de equidade e igualdade fiscal.

Uma mesma ficha de dados de impostos de um empresário poderoso e influente a nível local ou nacional, acedida por um funcionário do seu partido é o princípio do favorecimento. A mesma ficha de dados tributários, acedida por funcionários do CDS-PP, do PSD, do PS, do PCP e do Bloco de Esquerda, é para mim a melhor garantia de democraticidade do sistema fiscal.

O mesmo princípio é válido para a actuação de chefes de repartição do Estado, directores gerais, secretários de Estado, ministros, gestores de grandes empresas públicas e até de empresas privadas em regime de monopólio legal: se não fosse o acesso a dados de gestão por parte de funcionários de todos os partidos políticos, muito mais atropelos às regras da Democracia seriam feitos do que aqueles que ainda vamos descobrindo nesta Democracia descompensada que é Portugal.

Sou da opinião que, em democracia, todos devem ser fiscalizados por todos, como forma de garantir a equidade do conjunto.

As listas VIP são o princípio das ditaduras. Começam por ser aplicadas para proteger alguns que, pela sua proeminência social, são apontados como especialmente vulneráveis à devassa pública da sua vida privada. Mas acabam invariavelmente por constituir escudos de protecção para protegidos do Regime que deixam de pagar responsabilidades ou passam a beneficiar de privilégios, em detrimento do conjunto da população.

Aqui chegados, vou ser directo: a instituição de uma lista VIP no Fisco foi um erro crasso que prejudica irreversivelmente o excelente legado de Paulo Núncio.

Isto é, o Secretário de Estado da Administração Fiscal deu um tiro no pé e acho que o próprio ainda não percebeu a dimensão do buraco na sua credibilidade e na da Administração Tributária.

Paulo Núncio é o secretário de Estado dos Impostos que contrariou todas as previsões catastrofistas de que o plano de saneamento das contas do Estado iniciado em 2011, não ia resultar;

É o governante que, muitas vezes contra alguns, outras mesmo contra tudo e todos, apostou em soluções de informatização do Fisco, em cruzamentos de dados, em facturas e guias de transporte electrónicas, em concursos para promover o pedido generalizado de facturas.

Paulo Núncio é o governante que, na história da nossa Democracia e em plena crise brutal decorrente do ajustamento necessário e inevitável, descontado o efeito do aumento das taxas nominais, conseguiu o maior aumento de receita fiscal de sempre. Isto é, aumentou substancialmente a eficiência fiscal em Portugal.

Eu estou-lhe muito grato por isso.

A generalidade dos contribuintes portugueses, preocupada com o equilíbrio do país, está-lhe grata por isso.

Estou farto de ser roubado por alguns, demasiados contribuintes, que não querem pagar os seus impostos. Eu e a maioria dos portugueses.

A lista VIP no Fisco representa um retrocesso inadmissível no nosso país e uma machadada fatal na credibilidade de um governante que deixa um legado incomparável na história da Administração Fiscal em Portugal.

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