Só na filial suíça do HSBC são 969 milhões de dólares, separados por 778 contas bancárias, pertencentes a 611 clientes, individuais ou coletivos, todos eles relacionados com Portugal. Mas há outros bancos na Suíça, e há muitas suíças no mundo.
A viagem não é fácil mas, pelos vistos, vale bem a pena. Há duas formas de lá chegar: a boa e velha mala, sem perguntas nem registos, ou, em alternativa, uma complexa rede de offshores (veja-se o caso dos submarinos), com o objetivo de branquear a origem e rasto do dinheiro. Mas porquê tanto trabalho? O que há no fim da jornada?
Nas palavras do especialista Michel Canals: "Quando o possuidor de uma conta especial numerada chega ao banco, é recebido pelo gestor, que é o único a saber a sua identidade. Atendemos essa pessoa em salas especiais e atendemos os seus desejos". Desejos, que desejos?!
Para começar, total confidencialidade, acrescida da palavra de honra que nunca, mas nunca, haverá lugar a colaborações com entidades fiscais e judiciais. Para continuar, a possibilidade de não declarar o capital no país de origem, evitando assim a maçada de lá deixar uma percentagem em impostos. Para acabar, uma luxuosa lavandaria de dinheiro sujo do tráfico, da corrupção ou de crimes económicos.
Mas não há bela sem senão. Uma vez colocado no estrangeiro, o dinheiro poderá lá ser esbanjado, especulado ou investido sem problemas de maior. O problema reaparece quando é preciso que as notas, limpas e tax free, regressem a Portugal. É preciso fazer o caminho de volta, mas desta vez os trilhos são diferentes. A hipótese dos offshore é menos provável, afinal, esse foi o problema inicial. Sobram três alternativas. A primeira, ainda menos provável que a anterior, é declarar o dinheiro, pagar impostos, e arriscar acusações de fuga ao fisco. A segunda? Adivinharam, a sempre disponível e rudimentar mala.
Apesar das dificuldades, o negócio tinha (e tem) tal sucesso que vários empreendedores resolveram investir no transporte de malas e serviços conexos. Dois deles - Michel Canals e Nicolas Figueiredo - oriundos da UBS (também suíça), uniram-se, numa joint venture, ao self made man 'Zé das Medalhas', para montar um 'pequeno' negócio de transporte e lavagem de capitais. O caso ficou conhecido por Monte Branco, e não é nada mais nada menos que a maior teia do género alguma vez detetada em Portugal. Sem entrar em pormenores, basta dizer que parece um daqueles jogos de ligar os pontos entre o BPN e a Operação furação, a família Espírito Santo e a Akoya Asset Management de Álvaro Sobrinho e Helder Bataglia, dono da ESCOM. O caso ainda está em investigação mas, na comunicação social, são vários os nomes de proeminentes personalidades portuguesas que têm surgido como potenciais clientes desta rede.
Resta, por fim, referir a terceira possibilidade. Uma que resolve todos os problemas: uma taxa de imposto reduzida (5% ou 7,5%), proteção contra processos judiciais e completa confidencialidade. Mas quem é o responsável por mais este paraíso na terra? Bom, a taxa de imposto reduzida é garantida pelas finanças, a proteção pelo Estado português, e a confidencialidade pelo Banco de Portugal, que guarda os processos, qual HSBC, sem fugas ou distrações. O paraíso chama-se Regime Extraordinário de Regularização Tributária (RERT), e é, de facto, extraordinário pelas condições que oferece, mas não por aquilo que (supostamente) diz ser.
Desde 2005, este país já viu três RERT. Dois pelas mãos de Sócrates e um no mandato de Passos Coelho. O último já foi depois da lista negra do HSBC ter sido entregue à então ministra das finanças francesa Lagarde, e acontece exatamente no momento em que se começava a desvendar a teia do caso Monte Branco. Talvez por isso tenha sido tão bem sucedido.
No total, nestes últimos 10 anos, foram declarados 4600 milhões de euros que pagaram uma taxa média de imposto 6,43%. No mesmo país em que o levantamento do sigilo bancário é exigido a quem ganha o RSI ou quer aceder a um passe social de transporte. Em que metade dos desempregados não tem acesso ao subsídio de desemprego. Em que as finanças abusam de quem passa numa portagem sem pagar. Em que se esmaga quem trabalha com impostos de todas as formas e feitios. É caso para dizer, parafraseando Ricardo Salgado numa reunião do Conselho Superior do clã Espírito Santo, 'só vejo aldrabões à nossa volta'.
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