segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

Alexis das Tsipras Coração : Contos populares europeus


RUI CARDOSO MARTINS

Alexis Tsipras não existe, é um conto de crianças? No entanto, é um dos melhores economistas do mundo, o nobel Paul Krugman (que conhece Portugal e os programas do FMI), quem diz: “O plano económico do Syriza é mais realista do que o da troika”, porque “o memorando da troika era uma fantasia económica”. Anda por aí muita azia no reino da fantasia.

Tsipras, herói-vilão grego, é uma personagem lendária que simboliza — ou, noutros termos, que “syriza” — a espectacular queda do Olimpo da deusa Austeridade. Noutras versões, pelo contrário, ele corporiza o inevitável fracasso das aventuras da musa Utopia, mas deixemo-nos de enciclopédias: Alexis Tsipras é um tipo que veio ao mundo sem gravata, há 40 anos, em Atenas, para tirar o sono aos Passos Coelhos deste mundo, dos velhos-novos que são contra histórias de crianças.

Passos Coelho, abusando da sua própria mitologia do “vamos para além da troika”, disse, criticando o programa do Syriza e o novo Governo soberano da Grécia, que “ninguém impõe aos Governos seja o que for; agora não podem é impor aos outros as suas condições”. Ninguém impõe o quê?... Ninguém nos impôs nada, afinal? Foi por gosto? ‘Tá boa. Logo a seguir, acrescentou que o que se está a tentar na Grécia “é um conto de crianças, não existe”.

Isto é, se não nos entra na cabeça é porque não existe. A miséria social e económica de um país da União Europeia, todos os dias agravada por uma dívida pública impossível de pagar — resultado das regras de austeridade extrema aplicadas em plena recessão — não pode ser substituída por uma outra maneira de falar às criancinhas.

Parem as máquinas: na Grécia, pararam as privatizações dos portos do Pireu e de Salónica, o que já de si é de causar comichões a um liberal, como, no mesmo instante, se cometem enormes atentados à grande causa europeia, à união de povos amigos: na Saúde, o novo ministro anunciou que serão prestados cuidados a todos os que estiverem desempregados, que não tenham um seguro de saúde e que perderam o acesso ao sistema, problema que afecta neste momento 800 mil pessoas na Grécia. Vão começar a tratar ou, imagine-se, a tentar curar os velhinhos e as criancinhas doentes, ai meu Deus que estes extremistas já não querem morrer na rua de tuberculose… E pararam as privatizações nas companhias eléctricas e vão religar a electricidade aos pobres (300 mil famílias) que não a podem pagar. E repõem o salário mínimo nuns indecorosos 751 euros, para que os vadios recomecem a dançar todo o dia e toda a noite em orgias.

Era uma vez um Alexis Tsipras que tinha mesmo um plano e, como se não bastasse, cumpria promessas eleitorais. Não podemos confiar neste tipo de demagogo. Isto é completamente novo na UE.

Mas temos de perguntar. É isto justiça?! Foi para isto que lutámos toda a nossa vida nas JSDs e CDSs? E como é que agora os gregos vão pagar os juros que devem ao pessoal? Como é que vamos salvar mais bancos e empresários e políticos que fizeram fraudes à escala planetária? Os eleitores gregos mostraram uma grande falta de respeito pelos cidadãos europeus que lhes emprestaram dinheiro. Querem comer comida cozinhada? Comam iogurtes refrescados à janela, que é mais saudável e é das poucas coisas que se aproveitam da Grécia, hoje em dia. Ingratos, malucos, corruptos. Comunistas e marxistas e extremistas e esquerdistas e idealistas e sodomitas e sabemos lá que mais.

Mais tempo para pagar, renegociação da dívida? É impossível porque, porque, porque, porque, bom… porque sim. E tudo vamos fazer para provar que temos razão, é impossível. Ao mesmo tempo, desejamos-lhe o maior dos sucessos, senhor Tsipras. Mas não nos venhas pedir batatinhas. Se queres falir, fale.

A não ser que o Tsipras se vire mesmo para a Rússia e a China! Eh pá. Traidor, traidor. Queres ir ter com os novos amiguinhos? Na verdade, há muito que a gente sabe que a Grécia não é bem Europa, há grande exagero nessa coisa de que foram eles a inventar a nossa cultura, as nossas artes, o nosso pensamento, a própria palavra Europa. Ou a Democracia. Ninguém nos impõe regras dessas, ninguém nos impõe seja o que for, como já disse.

Alexis Tsipras, com esta complicação extraordinária de chegar ao poder, veio simplificar as coisas: agora vai-se ver se as cabecinhas que mandam na Europa são da Terra ou alienígenas do distante planeta Merkel, onde só chegam os foguetões do Norte.

A Grécia pode acabar por sair. E a UE acabar de vez. Deve haver um mito grego que se aplica ao caso, mas são todos muito complicados. Medeia que mata os próprios filhos, Zeus que se transforma em touro para raptar a princesa Europa, Édipo que dorme com a própria mãe e arranca os olhos, Prometeu amarrado a um penedo e todos os dias uma águia (alemã?) lhe come o fígado, a caixa de Pandora com todos os males do mundo (incluindo a deflação da zona euro, bolas, a austeridade era tão bonita até agora), as aventuras de Ulisses.

Tudo isto não chega. Passos Coelho, afinal, precisa de uma boa história de crianças. O macaco do rabo cortado que troca de coisas e promessas, quando a anterior se gasta:

Do rabo fiz navalha
Da navalha fiz sardinha
Da sardinha fiz menina
Da menina fiz camisa
Da camisa fiz viola
Tum tum tum
Que eu vou pra Angola
Tum tum tum
Que eu vou pra Angola
Espera, pra Angola não dá
Que os lucros da gasolina
Já não compram a farinha…

Final feliz: e o rapaz pobre Passos Coelho engoliu um sapo, casou com a velha muito feia Merkel e foram muito infelizes e não tiveram filhos.

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