Joana Amaral Cardoso 17 de Abril de 2022
Jordan Mooney garantia que a sua atitude nos anos 1970 “não era uma questão de coragem, porque não queria saber o que os outros pensavam” Martyn Goodacre/Redferns/Getty Images
O pai era escriturário de dentistas, a mãe era empregada de bar e costureira. A filha, Pamela Anne Rooke, tornou-se ícone punk. Pamela era também Jordan Mooney, símbolo da moda e dos modos do punk rock inglês, e morreu há duas semanas, aos 66 anos. “Eras como um pequeno ícone”, recorda Vivienne Westwood sobre a imagem daquela amazona de cabelo oxigenado armado, maquilhagem negra nos olhos e muito vinil e collants rasgados no corpo. A designer de moda interpela-a como se ainda a estivesse a ver passar pela King’s Road em 1974. “Nunca tinha visto nada como tu.” A coisa mais escandalosa que a sua futura empregada, modelo e correligionária punk podia ter feito? Casar-se. Foi despedida do lugar que ocupava na portaria do punk por crime burguês.
Jordan Mooney não é um nome como o de Westwood, nem como o do seu companheiro Malcolm McLaren, padrinhos do punk a partir da sua boutique Sex (antes e depois de 1974 teve vários outros nomes) e da turba que por lá se reunia — foi ali que um grupo de jovens rebeldes se juntou a McLaren e onde nasceram os Sex Pistols; foi ali que Westwood, uma das mais inovadoras designers de moda britânicas, deu o seu cunho imagético à subcultura juvenil que emergia, irritada, “no future” e quejandos, em Londres, Nova Iorque e mundo fora. Jordan Mooney não era sequer tão conhecida como a banda Adam and The Ants, nem aclamada como o cineasta Derek Jarman. Mas Jordan Mooney estava lá, com todos eles, na génese do punk e ajudou a torná-lo no que foi. Foi, dizem, a primeira cara do punk. Ou, como decretava Jarman, “o Sex Pistol original”.
Na primeira actuação dos Sex Pistols na televisão para interpretar Anarchy in the UK, estava em palco com eles — bom, vemo-la na lateral do palco, com botas de salto brancas e uma provocadora braçadeira com uma suástica, e depois lá salta e rebola para o centro. Tinha lugar cativo nos concertos dos Pistols. Foi musa de Derek Jarman, pondo a uso a sua formação de bailarina para dançar como protagonista do filme Jubilee (1978) e também apareceu rapidamente na sua primeira longa-metragem, o homoerótico filme em latim Sebastiane (1976); e foi manager e stylist dos Adam and the Ants, com cujo baixista, Kevin Mooney, se casou.
A violação dos códigos antiburgueses foi demais para a sua empregadora, Vivienne Westwood, e revelar-se-ia trágica para o próprio casal, que viveu uma curta relação embebida em heroína. Foi a cura, sozinha e em casa dos pais, como recordava o New York Times no seu obituário na semana passada, que lhe devolveu Pamela Rooke e lhe entregou uma nova vida: a de criadora de gatos e assistente veterinária. “A normalidade salvou-me a vida”, disse ao diário britânico The Guardian há três anos. O cancro biliar levou-a, confirmou o seu irmão, na sua cidade natal, Seaford, em East Sussex.
“Há pessoas que corporizam um lugar e um tempo. Não deixam uma obra artística ou escritos, mas a sua imagem é tal que é como se o tivessem feito. Jordan era impressionante nesse sentido. A sua presença física era tão poderosa quanto isso”, postula o crítico Jon Savage no obituário do New York Times. “Via-a como um arquétipo inglês; como uma paródia de uma dona de casa suburbana dos anos 1950 misturada com uma dominatrix — o inverso de Margaret Thatcher.”
Afinal, qual era essa força que a imagem, a moda, a roupa de Jordan projectava? Era “a cara do punk”, como a coroou o Guardian em 2019; “punha as pessoas apoplécticas” com o que usava, diz a própria em entrevista ao mesmo jornal.
Jordan Mooney durante uma sessão fotográfica com modelos de roupa à venda na Seditionaries (sucedânea da SEX), na King's Road, em Londres, em Maio de 1977 Bill Kennedy/Mirrorpix/Getty Images
O cabelo normalmente estava erguido sobre um andaime invisível feito de laca, loiro e espetado ou enrolado num beehive que os rockabilly tanto adoram. Os olhos faziam dela uma super-heroína, com uma lista negra a arrastar-se à laia de mascarilha. Não era só quando uivava a sua música Lou (sobre Lou Reed, com quem estava enervada na canção) com Adam and The Ants que tudo se agudizava. Às vezes saía de roupa transparente e sem roupa interior, ou de cuecas de vinil; tornava collants em meias de rede queimando-os com cigarros. Os saltos eram altíssimos. Só porque decidiu que queria ser diferente.
A mãe odiava tudo isto, as duas horas de comboio para trabalhar em Londres eram uma batalha. “As pessoas ficavam apoplécticas de raiva. Tinha de ser mudada para a primeira classe para minha segurança”, recordava. Vestir-se como se vestia nos anos 1970 era um insulto à ordem estabelecida.
Por isso mesmo, e antes de o punk ser mais transversal, a sua rebeldia era exemplar para rapazes e raparigas com quem se cruzava. Achava isso comovente, admitiu à revista Dazed and Confused em 2016. E era exemplar para Westwood e McLaren, que depois de a verem passar na rua a caminho do Harrod’s a chamaram para personificar a Sex.
Fora dessa bolha, “todos os dias eram uma corrida de obstáculos”, disse ao Guardian. “As pessoas tinham medo de mim. E o que é mais engraçado é que na verdade eu era bastante tímida.” Dentro da loja, era outra história e Jordan, com McLaren ou Westwood, muitas vezes desencorajavam ou recusavam vender algo às pessoas que consideravam que não mereciam ou cujas motivações destoavam da filosofia da loja.
Jordan, que aos 14 anos começou a chamar-se assim por não se rever em Pamela, garantia que a sua atitude nos anos 1970 “não era uma questão de coragem, porque não queria saber o que os outros pensavam”. “Sempre me senti muito confortável na minha pele”, disse a despreocupada pioneira involuntária à Dazed. “É como estar num movimento artístico — alguém tem de o começar.”
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