domingo, 11 de agosto de 2019

Elogio da brevidade

Um matemático resolve um quebra-cabeça de 30 anos em apenas duas páginas. E faz isso em onda de calor total

JAVIER SAMPEDRO
11 DE AGOSTO DE 2019

James Watson (à esquerda) e Francis Crick, com um modelo de estrutura de DNA. CSHL / SUSAN LAUTER

"Um matemático é uma máquina que transforma o café em teoremas", disse uma dessas máquinas, o húngaro Alfred Rényi. Nossa seção Café y Teoremas leva o nome daquela saída de Alfred. O caso de Hao Huang, matemático da Universidade Emory, em Atlanta, é um pouco diferente. Hao teve a má sorte de estar em Madrid no final de Junho, durante a primeira onda de calor dos dois que incendiaram a Europa neste verão. Enquanto a esposa visitava o Instituto de Ciências Matemáticas (Icmat), Hao trancou-se no hotel e, na ausência de algo melhor para fazer, demonstrou um teorema que estava flutuando no limbo de conjecturas há 30 anos. Hao transformou o calor em teoremas. E o mais incrível de tudo é que fez isso em apenas duas páginas. Leia no Sujeito um artigo muito didático por Albert Atserias, Professor de Informática Teórica do Politécnico da Catalunha, sobre a grande realização de Hao e suas implicações práticas.

Como é que uma conjectura que resistiu aos melhores cientistas da computação teórica por 30 anos pode ser resolvida em duas páginas? Se a solução fosse tão concisa, por que não ocorreu a ninguém antes? Bem, aqui está uma chave para o avanço do conhecimento. Durante a primeira metade do século XX, a actividade febril nos laboratórios de genética gerara tal o transbordar de dados que nem mesmo os especialistas mais experientes poderiam ter ideia geral sobre o seu campo de estudo. Tudo isso mudou radicalmente em 1953, quando Watson, Crick e Franklin descobriram a dupla hélice do DNA, a explicação final da herança, o segredo da vida. Watson e Crick apresentaram esse achado colossal numa página e meia da revista Nature.


Na década de 1880, Maxwell fez o mesmo com o emaranhado de resultados que um punhado de experimentalistas obtivera com electricidade e magnetismo. Em apenas quatro equações que podem ser escritas num guardanapo de bar dobrado em quatro, Maxwell mostrou que electricidade e magnetismo não eram mais do que duas maneiras de olhar para um único fenómeno, a força electromagnética, uma das forças fundamentais da física. e descobriu de passagem que a luz era uma onda electromagné-tica, como radiação ultravioleta e infravermelha, raios X, as microondas do nosso forno e as ondas de rádio que usamos 16 horas por dia para absolutamente tudo o que fazemos.

Acabaremos por lembrar que a tese de doutorado de Einstein foi a mais curta da história da universidade e que Borges disse: "Não sei por que as pessoas escrevem tanto". Eu posso pensar em muitos mais exemplos, mas um elogio da brevidade deve começar por ser breve, não é?

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