ANTÓNIO CORREIA DE CAMPOS 10/08/2015
Laboriosamente, tentei explicar a Tito que o comportamento do Governo perante o FMI infundia tudo menos confiança...
Sabes, diz-me Tito guloso, disto não há nos States. Pois olha que a restauração levou forte abalo com a subida do IVA para 23%, praticamente todo suportado pelo pequeno restaurador, impossibilitado de aumentar preços a uma clientela que definhava. O resultado foi o encerramento de muitos, com perda de três postos de trabalho, marido, mulher e empregado e correspondentes contribuições sociais, a cessação da renda e a perda do direito de trespasse pulverizado na crise. Do lado do contribuinte, o aumento da despesa pública com o subsídio de desemprego. Os nossos inteligentes fiscalistas minimizaram o micro, afogando a estratégia na táctica.
Fugindo à minha pregação, Tito declarou-se satisfeito com o clima e o Algarve, cheio de nacionais da classe média alta, atraídos pela baixa dos preços na hotelaria. Sabes que, pelo menos naquele microcosmos, são evidentes os sinais de que a classe média se sente desafrontada e consome de novo como nos bons tempos. Vi na imprensa que, no primeiro semestre deste ano, se venderam mais 31% de automóveis que no mês homólogo anterior. Pois é, mas também deves ter visto que em Julho esse valor regrediu para 11%, respondi, já a começar a ficar irritado com mais uma vítima da propaganda do Governo. E que o aumento do investimento em bens de equipamento se deve basicamente a viaturas, onde os carros de turismo têm uma importância dominante. Basta dizer-te que, nos dados de Julho, por cada comercial que entra, importas 7 ligeiros e por cada pesado, 49 ligeiros. Não te iludas com o fogo-de-vista! Sim, mas não podes negar que as pessoas parecem mais aliviadas, responde Tito. Pudera, no Algarve, em férias, não vês falência, funeral, pobreza, nem doença de veraneante. E todavia o crédito em incumprimento agravou-se, a balança comercial desequilibra-se à espera do bónus turístico, o calor vai de certeza matar mais idosos e o acolhimento nas urgências dos hospitais permanece problemático. Assim nunca chegaremos aos famosos dez primeiros da competitividade. (Estou a tornar-me agressivo, tenho que me controlar, pensei para comigo, as eleições estão a dar cabo de mim).
Estes tipos nem as pensam, concorda Tito, felizmente; de quem foi a luminosa ideia de nos colocar nesse estrelato competitivo, sabendo como são frágeis os alicerces da nossa economia e como estão a ser sapados com o desemprego de jovens, a saída de uma ou duas gerações, os cortes nas bolsas e na ciência, a dívida pública na estrato-esfera! Só pode ser aquele twitter doTea Party, que acha que vivemos no melhor dos mundos e que foi “feito ao bife” pelo antigo conselheiro de Barroso! Ah, aquele que gregos diziam ser mais alemão que os alemães e que por acaso é secretário de estado de uma pasta perdida entre voos, na Europa? Pergunta Tito. Esse mesmo. Coitados de nós, que mal fizemos para merecer tamanha prenda!
Não te fiques a rir, meu caro, no teu partido algumas coisas são surreais: Aquele cartaz da ressurreição, onde ao voltar da página se encontram os amanhãs que cantam! A tentativa de resposta retro, com dramas de 2013 para ganhar o poder em 2015! Desperdiçando Costa e as propostas económicas, o melhor capital do PS nesta altura! Ou a tentação de responder olho por olho, dente por dente, a uma máquina de comunicação rica, poderosa, bem oleada e sem escrúpulos, que ganha sempre nesse terreno! Tens que dizer aos teus amigos, lá no Rato, que a campanha tem que dar a volta por cima e não responder acuada.
A propósito do Rato, retorqui, procurando mudar de assunto, estive lá, dei a volta ao jardim e não encontrei o famoso portão de ferro por onde entrará Portas em Setembro, quando vier da capela do Rato ao Rato conversar com Costa, como previsto na crónica de verão de um ilustre matutino. Impagável, essa crónica, concorda Tito. Os retratos de Portas e Passos estão impecáveis. O de Costa mais impreciso. Não te vou dizer que não gostei, responde Tito, acho até bem apanhados os caracteres e a trama. Vamos a ver se o cronista chega ao fim sem desiludir. Para já, o matutino está a esgotar mais cedo. Voltando aos números do desemprego, o que mais me surpreendeu na barulheira foi a UGT se ter travestido de entidade patronal, dando uma ajudinha ao governo. Teriam sido objecto de management buy out, mudando agora de ramo de negócio e mais tarde de logotipo, quem sabe? “Nova UGT” ironiza Tito! Calma, amigo, não te precipites, trata-se apenas de uma vingançazinha no contexto da silly season.
Laboriosamente, tentei explicar a Tito que o comportamento do Governo perante o FMI infundia tudo menos confiança. Começaram por exultar com a intervenção externa e com a vinda do FMI. Quiseram sempre mostrar como eram bons alunos, sempre mais além da Troika, convencidos de que a dureza do sacrifício rejuvenescia a economia. Aconteceu o contrário. Depois, com o bónus da decisão Draghi que aliviou pressões sobre dívidas soberanas, a baixa do petróleo e do Euro, de súbito passaram a “arrotar postas de pescada” como diz o povo. O FMI, de indispensável passou a usurário nos juros. E quando os relatórios regulares surgiam, normalmente de qualidade superior aos da União, e os dados não eram tão optimistas, começaram a construir o patíbulo onde enforcar o Fundo. À medida que os números se tornavam menos credíveis, subia o tom de desprezo pela ortodoxia dos monetaristas. Ao ponto de, quando Subir Lall, do FMI, em Novembro de 2014, ter manifestado dúvidas sobre a velocidade de baixa do desemprego, o terem tratado como o leproso da semana. O que agora se repete. É certo que há vários FMI, o bom polícia e o mau polícia, mas o que há de comum a ambos é a qualidade técnica da análise. A desconstrução pelo FMI da narrativa optimista do Governo, e o alerta da Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO), duvidando do crescimento, do desemprego e do défice, deixam a actual maioria enfurecida. E os conselhos de moderação de gasto, de resto prodigalizados por igual à coligação e ao PS, destroem-lhes o argumentário.
Bem sei responde Tito, ouvindo com paciência a minha arenga. O problema está na estreiteza do caminho, o fio de uma navalha, se te desvias do espeto, podes cair na caçoula. Já sabia, Tito amigo, que irias trazer de novo a gastronomia à colação. Antes de partires, tenho que te levar à minha terra, a provares um cabrito assado e respectivas batatas. Bem dizem que os beirões são batateiros e azeiteiros, mas para mim não há cabrito nem peixe assado sem divinas e tostadas batatinhas. A refeição terminava, Tito chamou um táxi para o aeroporto, para acolher a mana de Londres.
Professor catedrático reformado