Donald Trump acendeu uma disputa comercial com a China e, a reboque disso, atropelou a Huawei. Decidiu abrir guerra ao TikTok, a primeira aplicação social chinesa a singrar no Ocidente. Tornou-se uma dor de cabeça para o Facebook e o Twitter, que já tinham problemas em lidar com a desinformação mesmo sem um Presidente americano tóxico. Além disto, foi na recta final da Administração Trump que os executivos de topo de algumas das maiores empresas tecnológicas foram ouvidos no Congresso.
É por tudo isto que é interessante a pergunta feita neste artigo: Qual o futuro das gigantes tecnológicas numa presidência Biden?
As respostas dadas pelos especialistas ouvidos pela Karla Pequenino apontam para um regresso a alguma normalidade. “Esperamos ver menos uso de agências governamentais e ordens executivas para punir plataformas de tecnologia sobre temas que não são do interesse público”, disse a investigadora de Yale Farzaneh Badiei.
Porém, Trump não foi a única coisa que aconteceu nestes últimos anos.
O futuro das grandes empresas tecnológicas assenta num contexto mais vasto: uma pandemia que veio alterar hábitos de consumo e de trabalho; a perda de reputação do mundo da tecnologia; e a ascensão tecnológica chinesa.
No que concerne à pandemia, as chamadas big tech – Amazon, Apple, Google, Microsoft e Facebook – surgem como grandes vencedoras. Sem excepção, apresentaram bons resultados financeiros, viram as acções subir (em alguns casos, estrondosamente), beneficiaram com o teletrabalho, com o acelerar da digitalização das empresas, com o aumento das encomendas online e com a necessidade de mais entretenimento caseiro.
Do ponto de vista regulatório, o que se vai passar nos EUA tem mais importância do que as investidas europeias. A União Europeia tem mão mais pesada sobre as gigantes americanas, mas os processos são lentos e, mesmo quando culminam em multas recorde, não resultam em mudanças de fundo. Do outro lado do Atlântico, o precedente da Microsoft no final da década de 1990 joga a favor da manutenção destas enormes corporações.
Na questão da responsabilidade no espaço público (um assunto que toca mais em algumas destas big tech do que noutras), 2020 deixou o copo meio cheio. O Facebook, em particular, esforçou-se por resolver as suas falhas (dada a pressão pública, não tinha grandes hipóteses) – mas chega-se ao fim de um ciclo com a sensação de que a desinformação é uma nódoa entranhada.
Surge também a questão de saber quão feroz será a concorrência chinesa face às empresas americanas (a Europa é espectadora neste jogo). A Apple já há muito que lida com rivais asiáticos (a começar pela sul-coreana Samsung e pela Huawei). O TikTok mostrou que é possível uma rede social chinesa conquistar utilizadores que o Facebook (mesmo com o Instagram) tinha problemas em cativar. Será que a médio prazo, poderão, por exemplo, os gigantes chineses do comércio online – Alibaba, JD.com e Pinduoduo – perturbar à Amazon mais perto de casa? E quem ganhará terreno na corrida da inteligência artificial? Na China, o Estado, com menos preocupações éticas e de privacidade, proporciona condições mais férteis para o desenvolvimento de algumas destas tecnologias.
Por fim, o que os últimos tempo mostraram é que as big tech são tão poderosas (e espalhadas por tantas áreas de negócio) que é possível que se tenham tornado à prova de crise económica e de investida política. A façanha não se deve apenas ao tamanho. Estas empresas granjearam recursos que lhe permitem andarem há anos (há décadas, em alguns casos) a inventar o futuro. E é sempre mais fácil prosperar num futuro que conseguimos desenhar.
João Pedro Pereira
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