segunda-feira, 14 de janeiro de 2019

Israel: sete décadas de sonho e pesadelo

David Ben-Gurion lendo, em 1948, a declaração de independência do Estado de Israel

Por:Pedro Olavo Simões

Ninguém, por mais mal informado que possa ser, ignorará o turbilhão constante que se vive no Médio Oriente e, em particular, o aparentemente insanável conflito israelo-palestiniano. Saber um pouco mais, sete décadas depois, sobre a forma como se formou o Estado judaico ajuda a perceber que nunca as coisas são tão claras como algumas pessoas poderão pensar, pendendo elas para qualquer um dos lados, e que o mundo nunca é a preto e branco.

No dia 14 de maio de 1948, David Ben-Gurion proclamou a independência do Estado de Israel. A evocação oficial do 70.º aniversário ocorreu, porém, a 20 de abril do ano passado, porque não se tratava de 20 de abril de 2018, mas do quinto dia de Iyar do ano de 5778 (na verdade, as comemorações foram antecipadas um dia, como manda a regra, para não colidirem com o Shabat, pelo que o Yom Haatzmaut, Dia da Independência, foi assinalado a 19 de abril, ou, melhor, do pôr-do-sol de 18 de abril ao pôr-do-sol de 19 de abril). Confuso? Tão confuso como, para os ocidentais, que sentem como natural e universal a sua forma de contar a passagem do tempo, pode ser qualquer calendário distinto do gregoriano, neste caso o judaico, um calendário lunar cuja contagem é iniciada um ano antes da criação do mundo (as teorias mais aceites apontam para há 4,6 mil milhões de anos o início da formação da Terra, muito, muito, muito antes do ano 1 da cronologia judaica, e um calendário não faz dos judeus necessariamente criacionistas, ou negacionistas da ciência, mas isso levar-nos-ia por caminhos muito distintos do que pretendemos). Se os leitores acham isto complexo, está criado o clima, na certeza de que esta complexidade é pouca se comparada com o terramoto geopolítico que se reforçou e ganhou raízes no Médio Oriente, em 1948, ou, se preferirem, em 5708. E que perdura.

Recuemos, então, ao quinto dia de Iyar de 5708. A 14 de maio de 1948, a data em que terminava o mandato colonial britânico na Palestina e esqueçamos os preconceitos que presidem, hoje, aos posicionamentos que opinadores e cidadãos comuns, no resto do mundo, assumem a propósito do conflito israelo-palestiniano, ou israelo-árabe: a complexidade do tema é tão grande que a tomada de partido nos moldes a que habitualmente assistimos - a esquerda pró-palestiniana e a direita pró-israelita - é arrasada por qualquer crivo de racionalidade que lhe apliquemos. E o Estado judaico, como o percebemos agora, tem a enquadrá-lo e a formatá-lo sete décadas de agitada história, ou seja, não é o mesmo que em 1948. Seja como for, não é esse o tema aqui proposto. Recuemos, pois, 70 anos, até ao dia em que Ben-Gurion proclamou, em Telavive: "Nós, membros do Conselho do Povo, representantes da comunidade judaica de Eretz-Israel e do Movimento Sionista, estamos aqui reunidos hoje, no dia em que termina o mandato britânico sobre Eretz-Israel, e, em virtude do nosso direito natural e histórico e com a força da resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas, declaramos o estabelecimento de um Estado judaico em Eretz-Israel, a ser designado por Estado de Israel".

Theodor Herzl, considerado o pai do sionismo moderno

Deste pequeno trecho da declaração de independência muito há a extrair e a esclarecer, começando desde logo pela ideia de legitimidade histórica, expressa não apenas pelas palavras e pela invocação da resolução 181 das Nações Unidas, aprovada a 29 de novembro de 1947, que preconizava a criação de dois estados na Palestina, um judaico e outro árabe, mas também por detalhes talvez menos discerníveis: a referência a Eretz-Israel (terra de Israel, em transliteração do hebraico moderno), de raiz bíblica, traduz a legitimação divina. Sendo Israel, originalmente, o nome dado por um anjo a Jacob depois de este o ter o combatido toda a noite sem fraquejar, é desse homem que ramificam as 12 tribos de Israel, raiz deste povo a que a terra em causa foi prometida por Deus. Um povo cuja mais comum designação, a de judeus, deriva de Judeia, isto é, do território que ocupavam. Ou seja, também o ser judeu, mais do que o significado místico aliado a uma religião (o judaismo), é uma indelével marca de ligação ao espaço geográfico.

O desejo de criar um Estado judaico em Eretz-Israel, o sionismo moderno, vinha já do século XIX. Significava a ideia de um regresso a casa, isto é, do resgate à diáspora do povo judaico, alvo de permanentes perseguições ao longo dos séculos, que só em casa encontraria paz. Theodor Herzl (1860-1904), um judeu austríaco, jornalista e escritor, é tido como o fundador deste movimento, cujas raízes, no entanto, são mais antigas.

Ora, em 1948, este tipo de justificação fazia mais sentido do que nunca. A revelação dos horrores do nazismo, a consciência internacional do Holocausto (da Shoah, na designação hebraica usada desde essa altura), essa perceção de que, mais de qualquer outro, este povo, que perdera seis milhões dos seus às mãos da ignomínia, merecia a tal paz. Merecia a sua casa. E assim surgiu a atrás referida resolução das Nações Unidas, que preconizava os dois estados e a manutenção de Jerusalém e Belém, locais sagrados para as três grandes religiões monoteístas, sob administração internacional. E assim tomaram os sionistas a iniciativa, unilateral, de declarar a criação do seu Estado. Que, como disse Ben-Gurion na declaração de independência, seria "baseado na liberdade, justiça e paz, como preconizavam os profetas de Israel". Que asseguraria "completa igualdade de direitos sociais e políticos a todos os seus habitantes, independentemente da religião, raça ou sexo". Que garantiria "liberdade de religião, de pensamento, de linguagem, de educação e de cultura". Que preservaria os lugares santos de todas as religiões e que seria fiel à Carta das Nações Unidas.


T. E. Lawrence, o afamado Lawrence da Arábia

Mas as lutas entre judeus e árabes já vinham de trás, e a leitura da declaração de independência desencadeou imediatamente a primeira guerra israelo-árabe.

Pioneiros da ocidentalização

Nunca a Palestina foi uma terra sem judeus. Muito antes do surgimento do movimento sionista, como o conhecemos ou como aqui o abordamos, sempre houve, ao longo dos anos, judeus que sentiram o apelo, místico ou telúrico, de regressar ao espaço germinal do seu povo. Judeus havia por lá quando os pioneiros do novo sionismo, ainda no século XIX, começaram a chegar, encontrando em Eretz-Israel não o paraíso prometido, mas o que poderia esperar-se de um dos espaços mais esquecidos do Império Otomano. E os judeus que já (ou ainda) lá estavam faziam, também, parte desse retrato de algum modo desolador. Daí que as novas migrações, feitas já com o sonho de um Estado judaico no horizonte, tivessem uma matriz progressista, uma ideia subjacente de criar ali um espaço de progresso, sendo progresso, de certo modo, um sinónimo de ocidentalização.

Como escreve Esther Mucznik em "A Grande Epopeia dos Judeus no Século XX" (Esfera dos Livros, 2017), "os pioneiros dos séculos XIX e XX vêm animados de um espírito diferente: o que eles trazem de novo é a vontade de desenvolver o país, 'construí-lo para nos reconstruirmos', segundo a fórmula adoptada".

Daí resulta a ideia de que, embora a atração pela Palestina tivesse uma natureza histórico-religiosa (não esqueçamos que as coisas, necessariamente, cruzam-se, num caso em que os textos sagrados cumprem, também, a função - merecedora de rigorosa crítica documental, claro - de fonte histórica), o propósito essencial era o de um povo, de uma nação que queria organizar-se enquanto Estado, por ser esse o caminho para um progresso, nos capítulos em que o progresso de qualquer povo é aferido. Esse progresso quase sempre construído numa perspetiva coletivista, começou por assentar em explorações agrícolas, levadas a cabo, sobretudo, por jovens que fugiam às perseguições a que estavam sujeitos nos locais de origem, sobretudo na Rússia. Havia nisso um misto de desejo de fazer florescer a terra dos antepassados com a adaptação às contingências da Palestina sob o domínio otomano, cuja economia era eminentemente agrária e muito pouco desenvolvida. E havia, reconheça-se, uma força de vontade que era incomum na região, a força que fazia secar pântanos ou irrigar desertos, tornando fértil e próspero o que, bem vistas as coisas, não existia antes enquanto espaço humanizado.

Na primeira década do século XX, a chegada de judeus à Terra de Israel, fugidos aos pogroms, intensificou-se, e é em 1909 que surge, na região da Galileia, Degania Alef, o primeiro kibutz (no plural kibutzim), designação cujo étimo hebraico se reporta, justamente, a "coletivo". Os kibutzim, simultaneamente núcleos de povoamento e de exploração agrária, tornaram-se formas de vida comunitária particularmente bem sucedidas, com a igualdade entre os membros da comunidade, os kibutznik, a ser levada muito a sério. Estas entidades foram, ainda, o meio com que, de forma mais clara, os pioneiros mostraram aos judeus críticos do sionismo, que apontavam a Palestina como uma terra morta, que assim não era, ou seja, que a vida estava latente e que o esforço coletivo a devolvia à superfície.

Enfim, numa breve evocação como esta, mais do que entrar em detalhes importa clarificar alguns conceitos. O mais óbvio é o de que judaismo não é sinónimo de sionismo, termo nascido de tzion, palavra significando "cume", que era também sinónimo de uma fortaleza conquistada pelo rei David, a sudeste de Jerusalém. O Monte Sião, que se tornou sinónimo da Terra de Israel, à qual os sionistas pretendiam voltar. Mas a verdade é que muitos judeus não partilhavam desse desejo. O que havia era, essencialmente, a divergência entre os que consideravam a criação de um Estado judaico como única forma de proteção contra o antissemitismo, os sionistas, e os que entendiam que o antissemitismo se diluiria no progresso civilizacional, até desaparecer. Nesses primeiros tempos de convergência para a Palestina, os primeiros eram claramente minoritários. Nos alvores da I Guerra Mundial estavam estabelecidos em Eretz-Israel cerca de 85 mil judeus.

Impulso da Declaração Balfour
Na construção de uma resenha deste género, tanto por quem a faz como por quem a lê, há desde logo que desmontar ou descartar um lugar-comum, pelo qual Israel, enquanto Estado, é uma compensação dada pela comunidade internacional ao povo judaico, devido ao Holocausto. A construção vinha muito de trás, e a causa sionista já ia reunindo simpatias internacionais, em especial desde a desagragação do Império Otomano, uma das consequências da I Guerra Mundial (e da Revolta Árabe de 1916-1918, à qual teremos de voltar). E o principal símbolo dessas simpatias foi dado pelo próprio Reino Unido, que na sequência do conflito passara a ter jurisdição colonial sobre a Palestina.


O príncipa Faiçal, filho do xerife de Meca, ao lado de quem Lawrence combateu

A "Declaração Balfour", assim chamada por ter sido plasmada numa carta enviada em novembro de 1917 por Arthur James Balfour, secretário dos Negócios Estrangeiros (o equivalente a ministro) britânico, ao barão Lionel Walter Rothschild, líder da comunidade judaica do Reino Unido, constituía o reconhecimento pelo Governo de Londres da validade das pretensões dos sionistas e abria caminho a tudo o que viria posteriormente a suceder:

"O Governo de Sua Majestade vê favoravelmente o estabelecimento, na Palestina, de um lar nacional para o povo judeu e fará uso dos seus melhores esforços para facilitar a prossecução deste objetivo, ficando claramente entendido que nada será feito que possa prejudicar os direitos civis e religiosos de comunidades não judaicas existentes na Palestina, bem como os direitos e estatuto político de que gozem judeus em qualquer outro país."

Ou seja, os vários argumentos de legitimação do movimento sionista, que estivera por trás da própria declaração do Governo britânico (a gratidão para com o seu povo que Chaim Weizmann, químico liderava a Federação Sionista Internacional e veio a ser, em 1948, o primeiro presidente de Israel, por ter desenvolvido um processo importante para o fabrico de explosivos e para o esforço de guerra), esses argumentos, dizíamos, começaram aí, devagarinho (estamos a falar de diplomacia), a ter alguma aceitação internacional. Mas outros fatores havia que, de certo modo, davam à ambição do regresso a Eretz-Israel um sentido dúplice, particularmente na Rússia, que, como percebemos atrás, acabou por ser um dos grandes "fornecedores" de pioneiros do que viria a ser o Estado judaico. Com a revolução bolchevique de 1917, os judeus russos, posteriormente soviéticos, passavam a ter um estatuto de igualdade que até então não tinham e que a natureza internacionalista do movimento revolucionário ajuda a explicar. Não obstante, a popularidade do sionismo crescia, surgindo organizações que traduziam esse espírito. Muitos judeus perfilhavam ainda os ideais bolcheviques, e chegavam até a lugares cimeiros no seio do partido, sendo Leon Trotsky (um judeu pouco ou nada praticante) o paradigma desse facto. Só que, depois, Lenine morreu e Estaline abraçou o poder. Tudo mudava aí, e as purgas, perseguições, pogroms, enfim, o terror estalinista seria um empurrão não voluntário para a causa sionista.

Árabes sentem-se atraiçoados

Ficou atrás escrito que teríamos de voltar à Revolta Árabe de 1916-1918. Assim é. Este conflito marginal à I Guerra Mundial, que colocou as tribos árabes da região em confronto com o Império Otomano, é essencial para perceber em parte a conflituosidade do Médio Oriente, na certeza de que os problemas são muito mais complexos e transcendem as causas de natureza histórica. Necessitando dos árabes para combater os otomanos, os ingleses prometeram a Hussein, xerife de Meca, que o resultado seria um grande reino árabe, que incluiria, além de toda a Península Arábica, a Palestina, a Síria e o Iraque. Muitos terão presente o épico filme de David Lean "Lawrence da Arábia" (1962), baseado na obra autobiográfica de T. E. Lawrence "Os Sete Pilares da Sabedoria", em que Peter O"Toole veste a pele do oficial britânico que combateu com as tribos beduínas conduzidas por Faiçal, filho do referido xerife de Meca, justamente no período em causa. Ora, a dita promessa de um grande Estado árabe destinava-se a ser quebrada.

Em maio de 1916, Inglaterra e França firmavam, com a concordância da Rússia, o então secreto Acordo Sykes-Picot, batizado com os apelidos dos negociadores, Mark Sykes e François Georges-Picot, pelo qual os despojos otomanos na região seriam objeto de uma partilha de natureza colonial. Depois, em novembro de 1917, a já referida Declaração Balfour tornava a promessa feita ao xerife de Meca ainda mais inexequível.

Depois da Guerra, Faiçal ainda tentou o estabelecimento de uma Grande Síria árabe, de que a Palestina faria parte, mas ficou decidido numa Conferência Interaliados realizada em Itália, em 1920, que a Palestina e o território que constituía, no seio do Império Otomano, a Transjordânia ficariam sob administração britânica. Essa decisão foi confirmada, em 1822, pela Sociedade das Nações. E a criação do Emirado da Transjordânia, o protetorado britânico que resultaria, em 1946, no reino da Jordânia independente, constituía uma primeira separação territorial e, em parte, uma primeira partilha de território tido por palestiniano.

Entretanto, claro, o movimento sionista continuava a dar os seus passos, com uma presença no território iniciada em 1882, ano do estabelecimento da primeira colónia agrícola, nas imediações de Jafa. Passada a Grande Guerra, as migrações de judeus para Eretz-Israel cresceram, causando mal-estar ao povo palestiniano, havendo já em 1920 registo de confrontos violentos entre judeus e árabes. Em 1931 já havia 190 mil judeus a viver na Palestina, e o número continuou a crescer, de forma muito significativa nos anos seguintes, devido à chegada do nazismo ao poder na Alemanha. Aos pioneiros, que criavam comunidades rurais para fazer florescer a terra dos antepassados (ou, mais do que isso, na visão judaica, a terra que lhes fora dada por Deus), somava-se agora uma nova fatia de população altamente qualificada e eminentemente urbana. É nesse contexto que surge, em 1936, uma nova e violenta revolta árabe, que visava tanto a potência colonial (os britânicos) como o que entendiam como invasores ilegítimos (os judeus): queriam acabar com o domínio britânico e travar a imigração judaica. Toda essa situação de violência alargada, bem como a iminência da guerra na Europa e a necessidade de não perder o acesso a petróleo que o esforço bélico tornaria ainda mais essencial, levou os ingleses a mudar a postura em relação à Palestina. A impossibilidade de convivência de árabes e judeus num só Estado parecia clara, pelo que surgiu, pela mão da Comissão Peel (liderada pelo conde William Wellesley Peel) a ideia de dois estados, sendo o judaico territorialmente muito menor do que o árabe, e de uma terceira zona sob controlo britânico. Também inglesa seria a administração de Jerusalém, apesar de a cidade, santa para as três religiões do Livro, ficar encravada em território árabe. A proposta da Comissão Peel não foi unanimemente aceite pelos sionistas, mas prevaleceu a opinião de Weizmann e de Ben-Gurion, que, mesmo ficando longe do que eram as aspirações do povo judaico, viam nessa solução um começo e, ainda, uma possibilidade de acolhimento dos judeus em fuga da Europa. Os árabes, porém, foram intransigentes, recusando a partilha do território, e assim se mantiveram face a novas versões da proposta britânica, que iam gradualmente reduzindo o tamanho da zona a atribuir aos judeus.

Retomando o fio à meada, estávamos no meio da revolta árabe de 1936-39, que foi determinante para tornar praticamente insanável o conflito entre os dois povos e em que a violência palestiniana provocou, ainda por cima, divisões entre os judeus, levando ao surgimento do Irgun, uma organização militar judaica nascida no âmbito do "sionismo revisionista", que preconizava a lei de talião e praticou atos terroristas contra os árabes.

Retrocesso do Livro Branco

Depois veio a Shoah. A vergonha humana e, com ela, os sentimentos de culpa, que germinavam também entre os aliados, particularmente entre os ingleses, que não ficaram absolutamente bem no retrato, em relação ao que foi o extermínio do povo judaico em território europeu. O Livro Branco de 1939, ou Livro Branco de MacDonald (assim chamado em alusão ao homem que ocupava, no Governo de Neville Chamberlain, a pasta das Colónias), foi, a vários títulos, uma machadada nas pretensões judaicas e, sobretudo, a negação aos judeus da Europa da porta de salvação que podia ser a partida para a terra de Israel. Nesse momento, com a II Guerra Mundial prestes a deflagrar, os sionistas estavam isolados. As Potências do Eixo apoiavam a causa árabe, a União Soviética de Estaline também. E os britânicos, em cuja balança pesou mais a necessidade de garantir a simpatia dos árabes, alteraram a sua postura na Palestina, claramente em desfavor dos que queriam a criação de um Estado judaico: quando terminasse o mandato britânico, em 1948, seria criado um único Estado da Palestina, em que ficassem salvaguardados interesses e direitos de cada uma das comunidades; a imigração judaica para a Palestina ficava fortemente limitada, sendo apenas permitida a entrada de um máximo de 75 mil pessoas nos cinco anos seguintes (grosso modo, no que foi a duração da guerra); a compra de terras na Palestina por judeus seria proibida ou limitada.

Ora, se a Palestina sempre foi e será um território complicado, muito mais o era na complexidade da II Guerra Mundial. E os britânicos, para cujas operações o controlo do território era estrategicamente essencial, mantinham uma postura ambígua ou calculadamente descomprometida, particularmente no que toca ao envolvimento de árabes e judeus no conflito global. Enquanto os judeus, pelo que se passava na Europa, queriam combater Hitler (mesmo que ao lado dos ingleses, que haviam fechado ao povo judeu, na hora de maior precisão, as portas da Palestina), os árabes declaravam-se ao lado dos nazis, sendo de destacar o papel do mufti de Jerusalém, Amin el-Husseini, então exilado, que em 1941 foi a Berlim encontrar-se com Adolf Hitler. Só muito tardiamente, após anos de recusas, os britânicos aceitaram ter a seu lado, combatendo sob o estandarte judaico, dezenas de milhares de voluntários.


O "Exodus 1947", impedido pelos britânicos de aportar na Palestina, cheio de sobreviventes do Holocausto

Enfim, como dizíamos, veio a Shoah e, com ela, a legitimação reforçada das pretensões de um povo martirizado. Não pode dizer-se, por muitos motivos, alguns deles apontados neste artigo, que o Estado de Israel foi um resultado do Holocausto. E o fim da guerra não representou luz verde para as pretensões dos sionistas. Daí até à resolução das Nações Unidas, em 1947, os tempos seriam muito conturbados. Aos sobreviventes do extermínio na Europa, por via do estipulado pelo Livro Branco de 1939, os britânicos continuam a negar o acesso à Palestina, mesmo sendo esse um desejo crescente entre pessoas que não queriam nem podiam regressar à vida que tinham antes da guerra, porque essa vida deixara de existir. Privilegiando o relacionamento com o mundo árabe como forma de garantir estabilidade no Médio Oriente, Londres não emitia mais do que 1500 autorizações de entrada de judeus na Palestina por ano, quando o desejo era manifestado por muito largas dezenas de milhares. Aos sionistas perfilou-se apenas uma solução: chegar com ou sem autorização à terra de Israel. O apreseamento pelos ingleses de navios atulhados de sobreviventes do Holocausto gerava, na comunidade internacional, crescente simpatia por estes. O assalto britânico ao navio rebatizado de "Exodus 47" (nome que transferia para o tempo então presente o relato bíblico da fuga dos hebreus do Egito, rumo à terra prometida), de tão inconcebível, adquiriu enorme carga simbólica. Em terra, ao longo desses anos, a resistência judaica aos ingleses tornava-se cada vez mais violenta, não sendo descabido em certos casos o rótulo de terrorista (veja-se o atentado contra o Hotel King David, em Jerusalém, em julho de 1946).


Imagem encenada para retratar o estabelecimento de um kibbutz, em 1937, ou seja, ainda antes da II Guerra Mundial

Voz às Nações Unidas

A violência entre britânicos e judeus, decorrente sobretudo da manutenção do Livro Branco após o fim da II Guerra Mundial, só terminará no final de 1947. E os ingleses, absolutamente incapazes de lidar com o termo do seu mandato colonial, colocaram o problema nas mãos da ainda jovem Organização das Nações Unidas, em cuja Assembleia Geral, a 29 de novembro de 1947, veio a ser aprovada a resolução que criava dois estados, um judaico, outro árabe, numa Palestina dividida em seis parcelas desencontradas, ficando Jerusalém sob a inevitável jurisdição internacional.

Assim se chegou ao momento com que arranca esta evocação. A declaração de independência lida por David Ben-Gurion a 14 de maio de 1948, faísca que desencadeou de imediato o ataque de vários países árabes - Egito, Iraque, Líbano, Síria e Transjordânia - a Israel, que no ano seguinte saía vencedor do conflito, a que passou a designar "Guerra da Independência". No final, o mapa ditado pela resolução das Nações Unidas havia desaparecido. Os israelitas ampliavam o seu território em cerca de três quartos, os egípcios ficavam com o controlo da Faixa de Gaza, os jordanos adquiriam o domínio da Cisjordânia.

Vários outros conflitos, ao longo das décadas seguintes, resultariam em novas alterações ao mapa político, ditadas por territórios ocupados ou desocupados, mas isso já transcende a criação do Estado de Israel. Certo é que desde esse primeiro momento os árabes palestinianos foram, a maior parte do tempo, um povo sem terra, metido em campos de refugiados e publicitando globalmente a imagem de nação oprimida. Pelo que aqui ficou explanado, percebe-se que não podem eximir-se da responsabilidade que lhes cabe em tudo isto. Naquele fervilhante pedaço de território, onde a religião será o factor menos favorável à pacificação, não existe quem não tenha a sua parcela de culpa.

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