O Paquete "Carvalho Araújo" (1930-1973)
O paquete “Carvalho Araújo” foi um dos navios que mais tempo e melhor serviu os açorianos através das imensas viagens que fez de Lisboa para as diversas ilhas dos Açores e vice-versa, com passagens pelo arquipélago da Madeira. Navegou entre 1930 e 1970.
Pertenceu à “Empresa Insulana de Navegação” que o mandou fazer na Itália, para efectuar, especialmente, com regularidade mensal, aquelas viagens rotativas. Substituiu nesse serviço o navio “São Miguel”, propriedade da mesma empresa.
E 2 de Janeiro de 1930, o jornal “O Telégrafo” da cidade da Horta, dava a seguinte notícia: «Partiram para Trieste [Itália] onde foram assistir ao lançamento ao mar do navio a vapor da Empresa Insulana, o sr. Vasco Bensaúde e esposa, que será a madrinha da nova unidade, e o sr. F. Brito do Rio respectivamente director e chefe de serviços desta empresa».
«Foram convidados a assistir o cônsul geral de Portugal em Génova e o cônsul e vice-cânsul em Trieste».
«O vapor que foi lançado ao mar em 16 de Dezembro, deverá ser entregue pronto em 28 de Fevereiro, e poderá talvez fazer a sua primeira viagem à Madeira e Açores em 22 de Março próximo» (1).
Contrariamente ao que aqui foi noticiado, a primeira viagem do navio “Carvalho Araújo” apenas teve lugar em Maio, certamente devido a problemas de acabamentos e de recrutamento da respectiva tripulação.
No seu excelente livro, “Paquetes Portugueses”, Luís Miguel Correia escreve que o lançamento à água do paquete “Carvalho Araújo” foi efectuado no dia 17 de Dezembro de 1929 (2). Ilustrando o seu trabalho sobre esse paquete com excelentes fotografias, situação que também acontece com os outros paquetes portugueses inseridos nesse trabalho, o autor refere que «O “Carvalho Araújo” chegou a Lisboa, vindo do estaleiro, em 19 de Março de 1930, largando para a viagem inaugural à Madeira e aos Açores a 23 de Abril de Abril seguinte» (2).
Conforme se pode ver naquele livro, de que nos servimos com a devida deferência para enriquecer este artigo, as principais características do referido paquete eram as seguintes: Comportava 4560 toneladas, tinha 112,82 metros de comprimento,
15,30 m de boca, 2 máquinas a vapor, 2 hélices e a velocidade máxima de 14 nós. Tinha capacidade para 78 passageiros de 1.ª classe, 78 de 2.ª e 98 de 3.ª, podendo embarcar nas cobertas 100 passageiros de 3.ª classe (apenas com direito ao refeitório). Esclarece-se que esta solução, face à pobreza existente no tempo, era a mais utilizada pelos açorianos, onde eu cheguei a viajar, na minha juventude.
Durante a sua longa carreira, em viagens entre Lisboa, a Madeira e os Açores, o paquete “Carvalho Araújo” servia com bastante assiduidade as populações das ilhas desses arquipélagos. Transportava passageiros e cargas, como convinha naquele tempo às referidas ilhas. Trazia-nos mercadorias de Lisboa, com excepção de combustíveis, e levava-nos para lá o nosso gado, o óleo de baleia e as algas marinhas, bem como outros produtos menos significativos. Nalgumas ilhas escaladas o paquete “Carvalho Araújo”, alternava as suas viagens com outros navios da EIN, designadamente com o paquete “Lima”, o “Cedros” e o “Ponta Delgada” passando por portos diferentes. Sempre que o tempo o permitia, o “Carvalho Araújo” passava pelos portos de Porto Santo, Funchal, Vila do Porto, Ponta Delgada, Angra do Heroísmo, Santa Cruz da Graciosa, Velas de S. Jorge, S. Roque Pico, Horta, Corvo, Santa Cruz das Flores e Lajes das Flores, regressando a Lisboa e escalando os mesmo portos.
Nas suas viagens quase regulares, o paquete “Carvalho Araújo” transportou diversas entidades importantes das quais distinguimos algumas.
Nos últimos dias de Julho e primeiros de Agosto de 1941, o Presidente da República, General António Óscar Fragoso Carmona (1869-1951), que visitou as ilhas então ditas Adjacentes, dos arquipélagos da Madeira e dos Açores. Nas ilhas do Corvo e das Flores a visita do Chefe do Estado teve lugar no dia 4 de Agosto de 1941. Foi o primeiro Chefe do Estado que visitava essas ilhas, trazendo consigo larga comitiva com ministros e outras altas individualidades. O desembarque no Corvo teve lugar na parte da manhã e nas Flores (apenas em Santa Cruz) na parte da tarde. Os analistas políticos afirmavam que Salazar havia instituído essa viagem – que se fazia em plena II Guerra Mundial, com os submarinos alemães a torpedearem navios de passageiros no Oceano Atlântico – para provar ao mundo que as tropas do “Eixo” não eram tão agressivas como se afirmava (3).
Em 1942 o referido paquete transportou o Padre Cruz, Francisco Rodrigues da Cruz (1859-1948), alta figura da Igreja Católica desse tempo, que muitos fiéis afirmavam poder vir a ser elevado aos altares, graças à sua bondade e às demais qualidades que ostentava. A visita à ilha das Flores fez-se em 31 de Agosto, tendo desembarcado em Santa Cruz das Flores, onde celebrou Missa, na sua missão evangélica, enquanto que nas Lajes, devido ao estado do mar, as autoridades civis e religiosas, com as crianças da catequese, foram cumprimentá-lo à 1.ª classe do referido paquete (4).
No ano de 1948, na sua viagem de Junho/Julho, a figura de honra importante no “Carvalho Araújo” foi a imagem de Nossa Senhora de Fátima que, acompanhada de adequada comitiva, visitou pela primeira vez as chamadas “Ilhas Adjacentes”, na sua primeira visita a essa ilhas. No Corvo e nas Flores, Santa Cruz e Lajes, as visitas tiveram lugar em 2 de Julho (5).
Em Julho de 1957 o paquete “Carvalho Araújo” antecipou a sua saída de Lisboa para transportar o então Presidente da República, General Francisco Higino Craveiro Lopes (1894-1964) e a sua comitiva. Afirmou-se que, como Salazar pretendia correr com ele do poder, “mandou-o” visitar as ilhas da Madeira e dos Açores. No Faial a visita fez-se no dia 24 de Julho (6).
Em Julho 1962, também transportou o Presidente da República, Vice-Almirante Américo de Deus Rodrigues Tomás (1894-1987), bem como a respectiva comitiva, sendo a visita ao Distrito da Horta efectuada entre os dias 11 a 14 desse mês (7).
Aquele distinto autor, Luís Miguel Correia”, mais à frente, escreve que «o “Carvalho Araújo” terminou a ultima viagem aos Açores em 2 de Março de 1970, passando a ser utilizado no transporte de tropas para a Guiné (8)». Refere também que esse paquete, depois dessas viagens, em 8 de Janeiro 1971 foi imobilizado no Tejo até ser vendido a «sucateiros espanhóis, saindo de Lisboa a 20 de Outubro de 1973, a reboque, com destino a Aviles onde entrou em 27 de Outubro (9)». Escreve também que foi alterado «o nome deste velho paquete em 1 de Março de 1972 para “Marcéu”».
Durante o século XX, nenhum navio serviu os açorianos com a eficiência, a regularidade e a duração com que o paquete “Carvalho Araújo o fez, inclusive por ocasião da II Guerra Mundial, salvo raras excepções.
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