domingo, 20 de setembro de 2020

Carta aberta ao anormal do Ramalho Eanes.

  Desconheço o Autor


Caro General Ramalho Eanes, ultimamente o Portugal que serviu enquanto Presidente da República tem-se chocado com o aproveitamento que muitos membros da nossa classe politica interpretam. Somos o país que consegue sentir o choque do ridículo mas que normaliza tais comportamento porque, como sabemos, “todos os políticos são iguais”.
Ficamos surpreendidos quando soubemos que em média, entre 2006 e 2013, os nossos governantes gastaram 295 euros por refeição. Ficamos admirados com a notícia de José Conde Rodrigues , ex-secretário de Estado da Justiça, que gastou 13.657 euros dos fundos públicos na compra de 729 livros para beneficio próprio.
Ficamos pasmados com o caso da ex-ministra da Saúde Ana Jorge, ao ter usado um cartão de crédito em nome do Estado (para despesas urgentes de trabalho) em lojas de roupa, ourivesarias ou no El Corte Inglés.
Ficamos boquiabertos com o ex-ministro da economia, Manuel Pinho, que recebeu 1 milhão de euros na sua Offshore depois de beneficiar a EDP em vários contratos de parceria.
Ficamos espantados, mais recentemente, com o ministro-adjunto deste executivo que embora advogado de elite disse desconhecer a lei que o impedia de acumular cargos públicos com outros cargos em empresas privadas.
Enquanto grande parte da nação ajoelha-se boquiaberta e volta a esquecer estes abusos, como se um anulasse o anterior, não consigo esquecer o Presidente da República que num período de grandes dificuldades financeiras, consta que vendeu a sua própria casa de férias para pagar os custos que a presidência não conseguia suportar. Não consigo deixar de relembrar o individuo que tinha apenas dois fatos e que recebia as visitas ao Palácio de Belém com um chá depois da hora de jantar, para evitar custos desnecessários. Esse foi o senhor.
Em julho de 2017 o país ficou a conhecer o caso dos três secretários de Estado que beneficiaram de viagens pagas pela empresa Galp, antes de ser aprovado um benefício fiscal em dezenas de milhões de euros à mesma empresa. José Sócrates defendeu que as críticas se tratavam de “um excesso de patriotismo”, considerando que as suspeitas sobre os governantes eram “estapafúrdias” e António Costa não hesitou em reforçar a “relevante e dedicada colaboração dos três Secretários de Estado nas funções desempenhadas no XXI Governo Constitucional”.
Em abril de 2018 chegou a público os milhares de euros de que vários deputados beneficiaram ao receberem em duplicado o valor das viagens que faziam em “nome do interesse nacional”. Carlos César, líder parlamentar do partido socialista e parte desse grupo, logo declarou não se sentir culpado por não ter feito “nada de errado”, sendo que o “atual modelo vigora há décadas e foi utilizado por altos cargos do Estado”. Eduardo Ferro Rodrigues, presidente da Assembleia da Republica, declarou a inocência dos parlamentares que nas suas palavras não tinham “cometido nenhuma ilegalidade”.
Não esqueço o homem que RECUSOU receber 1 milhão de euros do erário publico, com o acumular de dezenas de anos sem receber a subvenção que tinha direito, após o parecer do Provedor de Justiça em 2008 ter defendido que todos os Presidentes deviam ser tratados de igual forma.
Deparamo-nos com um ex-primeiro ministro que fez da acção política o benefício dos seus interesses pessoais, onde até históricos como Arons de Carvalho defendeu não achar “reprovável uma pessoa viver com dinheiro emprestado"
Vivemos na realidade de vários governantes e parlamentares que acumulam os vencimentos com ajudas de custo e subvenções vitalícias, de dezenas de nomes da política que acabaram nas administrações de grandes Bancos e Grupos Económicos, uma Assembleia da Republica onde se misturam os escritórios de advogados e as grandes empresas com as leis que se aprovam e propostas, como a do grupo parlamentar do partido socialista a janeiro deste ano, para tornar o lobby, a representação dos interesses de particulares nos corredores do poder, numa profissão reconhecida pela lei.
Aqueles que fazem da desaprovação o consentimento, esquecem-se que Portugal já teve como líder máximo um individuo que promulgou a lei que o impediria de acumular o salário presidencial com as restantes pensões a que teria direito, abrindo mão da pensão choruda de General. Só serviu os interesses de quem o elegeu e não de quem o tentou financiar.
Por isso, tenho orgulho em afirmar que por muito chocante que possa parecer, António dos Santos Ramalho Eanes, o primeiro Presidente da República democraticamente eleito após o 25 de abril, é o anormal no meio de um panorama político podre que para muitos é a norma controladora.
Sei que o senhor não é perfeito e podemos até ter as nossas divergências ideológicas, mas pelo menos tenho a certeza de que nunca fez parte do grupo que se aproveita do poder para se apoderar dos recursos que pertencem apenas aos portugueses. É para mim uma honra recordar uma Nação inteira que se deprime com os muitos que a serve, de que nem “todos os políticos são iguais” e de que enquanto houver quem no senhor se inspire haverá sempre esperança. Ao contrário do que alguns dirão, recordá-lo não é “estar preso ao passado” senão querer um futuro onde o mais simples português não tenha de voltar a justificar a miséria do país com os políticos que são “sempre iguais” e que insistem em “não mudar”.
Por muito mau que o presente possa parecer eu não o esqueço, senhor presidente.
Tenho dito.

quinta-feira, 17 de setembro de 2020

Não ter onde cair morto...(Coronel Carlos Matos Gomes)



Não ter onde cair morto

A notícia de que a família Espirito Santo não tinha um único bem em

seu nome elucidou-me sobre o tipo de sociedade em que vivemos,

aonde chegámos. Juristas meus amigos garantiram-me que é

perfeitamente legal um cidadão, ou cidadã, ou uma família não ter

qualquer bem em nome próprio. Nunca tinha colocado a questão da

ausência de bens no quadro da legalidade, mas no da necessidade.

Acreditava que pessoas caídas na situação de sem-abrigo,

refugiados, minorias étnicas não enquadradas como algumas

comunidades ciganas podiam não ter nada em seu nome, mas até já

ouvira falar no direito a todos os cidadãos possuírem uma conta

bancária, um registo de bens, nem que fosse para prever uma

melhoria de situação no futuro. Considerava um ato de

reconhecimento da cidadania ter em seu nome o que pelo esforço,

ou por herança era seu. Chama-se a isso “património”, que tem a

mesma origem de pai e de pátria, aquilo que recebemos dos nossos

antecessores e que faz parte dos bens que constituem a entidade

onde existimos.

Estes conceitos não valem para os Espirito Santo, para estes agora

desmascarados e para os da sua extracção que continuam a não ter

bens em seu nome, mas têm o nome em tantos bens, em paredes

inteiras, em tectos de edifícios, em frontarias, em supermercados, em

rótulos de bebidas.

O caso da ausência de bens dos Espírito Santo trouxe à evidência o

que o senso comum nos diz dos ricos e poderosos: vivem sobre a

desgraça alheia. Até lhe espremem a miséria absoluta de nada

possuírem. Exploram-na.No caso, aproveitam a evidência de que

quem nada possui com nada poder contribuir para a sociedade

para, tudo tendo, se eximirem a participar no esforço comum dos

concidadãos. Tudo dentro da legalidade e da chulice, em bom

português.

Imagino com facilidade um dos seus advogados e corifeus, um

Proença de Carvalho, por exemplo, a bramar contra a injustiça,

contra o atentado às liberdades fundamentais dos pobres a nada

terem, à violência socializante e colectivista que seria obrigar

alguém a declarar bens que utiliza para habitar, para se movimentar

por terra, mar e ar, para viver, em suma. Diria: todos somos iguais

perante a lei, todos podemos não ter nada, o nada ter é um direito

fundamental. Para ter, é preciso querer, e os Espirito Santo não

querem ter, querem o direito de usar sem pagar. O mesmo direito do

invasor, do predador.

A legalidade do não registo de bens em nome próprio para se eximir

ao pagamento de impostos e fugir às responsabilidades perante a

justiça é um exemplo da perversidade do sistema judicial e da sua

natureza classista. Esta norma legal destina-se a proteger ricos e

poderosos. Quem a fez e a mantém sabe a quem serve.Os Espirito

Santo não são gente, são empresas, são registos de conservatória,

são sociedades anónimas, são offshores com fato e gravata que

recebem rendas e dividendos, que pagam almoços e jantares. Não

são cidadãos. As cuecas de Ricardo Espirito Santo não são dele,

são de uma SA com sede no Panamá, ou no Luxemburgo.

A lingerie da madame Espirito Santo é propriedade de um fundo de

investimento de Singapura, presumo porque não sou o contabilista.

Mas a ausência de bens registados pelos Espirito Santos em seu

nome diz também sobre a sua personalidade e o seu carácter. A

opção de se eximirem a compartilhar com os restantes portugueses

os custos de aqui habitar levanta interrogações delicadas: Serão

portugueses? Terão alguma raiz na Históriacomum do povo que

aqui vive? Merecem algum respeito e protecção deste Estado que

nós sustentamos e que alguns até defenderam e defendem com a

vida?

Ao declararem que nada possuem, os Espirito Santo assumem que

não têm, além de vergonha, onde cair mortos!

O ridículo a que os Espirito Santo se sujeitam com a declaração de

nada a declarar com que passam as fronteiras e alfândegas faz

deles uns tipos que não têm onde cair mortos, uns párias.

A declaração de “nada a declarar” em meu nome, nem da minha

esposa, filhinhos e restante família dos Espirito Santo, os Donos

Disto Tudo, também nos elucida a propósito do pindérico

capitalismo nacional: Os Donos Disto Tudo não têm onde cair

mortos! O capitalismo em Portugal não tem onde cair morto!

Resta ir perguntar pelas declarações de bens dos Amorins, o mais

rico dos donos disto, do senhor do Pingo Doce, do engenheiro

Belmiro, dos senhores Mellos da antiga Cuf, dos senhores Violas,

dos Motas da Engil e do senhor José Guilherme da Amadora para

nos certificarmos se o capitalismo nacional se resume a uma

colecção de sem abrigo que não têm onde cair mortos! É que,se

assim for, os capitalistas portugueses, não só fazem o que é

costume: explorar os pobres portugueses, como os envergonham.

Os ricos, antigamente, mandavam construir jazigos que pareciam

basílicas para terem onde cair depois de mortos – basta dar uma

volta pelos cemitérios das cidades e vilas. Os ricos de hoje alugam

um talhão ao ano em nome de uma sociedade anónima!Os Espirito

Santo, nem têm um jazigo de família!

Eu, perante a evidência da miséria, se fosse ao senhor presidente

da República, num intervalo da hibernação em Belém, declarava o

território nacional como uma zona de refúgio de sem-abrigo, uma

vala comum e acrescentava a legenda na bandeira Nacional: “Ditosa

Pátria que tais filhos tem sem nada!”

Carlos de Matos Gomes