Milos Bicanski
Abriu a caça ao plástico descartável. As palhinhas são a face mais visível da investida – multiplicam-se as iniciativas para banir estes pequenos objectos corriqueiros. Mas o seu impacto no gigantesco imbróglio que é o plástico nos oceanos é negligenciável. E vão passando pelos pingos da chuva os maiores culpados: as redes de pesca, por exemplo, que constituem, de acordo com os estudos mais conservadores, um quinto de todo o plástico que chega aos mares. Esta desproporção é um dos muitos equívocos que poluem a discussão do tema. Da origem do lixo às medidas ambientais tidas como um sucesso, como a taxa sobre os sacos de plástico, desmontamos dez ideias feitas sobre este flagelo.
1 - OS HÁBITOS DE CONSUMO DO MUNDO OCIDENTAL SÃO OS CULPADOS
Mais de metade de todo o plástico que vai parar ao mar tem origem em apenas cinco países: China, Indonésia, Filipinas, Tailândia e Vietname. Só a China contribui com 28% do total mundial, apesar de ter “apenas” 18% da população do planeta. Estes cálculos fazem parte de um estudo do McKinsey Center for Business and Environment para a organização não-governamental do ambiente Ocean Conservancy. De acordo com outro estudo, publicado na revista científica Environmental Science & Technology, liderado por um hidrogeólogo do Helmholtz Center for Environmental Research, de Leipzig, na Alemanha, só o rio chinês Yangtzé contribui com 1,5 milhões do total de oito milhões de toneladas que vão parar aos oceanos todos os anos (no caso, através do mar Amarelo). Segundo o investigador principal, Christian Schmidt, cerca de um quarto de todo o plástico marinho tem origem em rios, e dez rios – oito deles na Ásia e dois em África – são responsáveis por 93% dessas descargas de plástico no mar.
2 - O PLÁSTICO NOS OCEANOS NÃO É A GRANDE QUESTÃO
Todos os anos, cerca de oito milhões de toneladas de plástico vão parar aos mares, segundo as contas de Jenna Jambeck, professora de Engenharia Ambiental da Universidade da Geórgia, EUA, num estudo publicado na revista Science em 2015. Por uma questão de perspetiva, diga-se que a Grande Pirâmide de Gizé pesa 6,5 milhões de toneladas. Estes oito milhões correspondem a um quarto do total de plástico produzido anualmente no planeta (31,9 milhões de toneladas). Não é possível saber com exactidão o número de animais marinhos que morrem por ingerirem este material, ou por ficarem presos nele. Já foram encontradas vítimas de aproximadamente 700 espécies diferentes, entre aves, tartarugas e mamíferos, com algumas associações ambientalistas a arriscarem números que vão de cem mil a cem milhões de animais mortos por ano. Ainda este mês, foi notícia por todo o mundo a baleia-piloto que deu à costa na Tailândia, morta, com 80 sacos de plástico no estômago.
3 - AS PALHINHAS SÃO O PROBLEMA – AFINAL, CADA PESSOA USA 1,5 A DUAS POR DIA
O vídeo de uma tartaruga com uma palhinha enfiada numa narina tornou-se viral, virando as atenções para este objeto corriqueiro, mas os números avançados sobre as palhinhas são pouco fiáveis. Têm sido divulgadas estatísticas espantosas – e que estão a servir de justificação para várias campanhas que pretendem banir as palhinhas. Nos EUA, diz-se, são 500 milhões por dia (o que dá 1,5 palhinhas diárias por pessoa); no Reino Unido, as estimativas vão dos 8,5 mil milhões aos 42 mil milhões por ano (neste caso, daria quase duas palhinhas por pessoa, diariamente). A verdade é que não fazemos a mais pequena ideia da quantidade real. Os 500 milhões dos EUA baseiam-se no trabalho de uma criança de nove anos, que ligou para alguns fabricantes e extrapolou os resultados. As estatísticas inglesas são ambas – apesar de tão díspares – da autoria da mesma empresa de consultoria na área do Ambiente, a Eunomia, que utilizou metodologias dúbias: na primeira, as contas somavam 4,4 mil milhões, mas os autores, sem qualquer justificação concreta, decidiram inflacionar para quase o dobro (em declarações à BBC, a Eunomia admite que os 8,5 mil milhões são uma “estimativa indicativa” que deve ser “divulgada com cautela”); na segunda – um relatório encomendado pela associação conservacionista World Wildlife Fund –, a empresa parte de um cálculo feito por uma firma de estudos de mercado para a União Europeia para chegar aos 42 mil milhões no Reino Unido.
4 - MAS AS PALHINHAS NÃO DEIXAM DE SER UMA PARTE CONSIDERÁVEL DO QUE POLUI OS MARES
As palhinhas estão efectivamente entre os dez objectos mais encontrados nas praias. 4% das peças de plástico no mar são palhinhas, o que apesar de tudo é considerável. Estimativas muito abertas apontam para 437 milhões a 8,3 mil milhões de palhinhas espalhadas nos mares. Mas em termos de massa, são uma gota no oceano. Cada uma pesa, em média, 0,42 gramas. Todas juntas, calcula-se que atinjam o mar menos de duas mil toneladas por ano, o que equivale a 0,025% do total de plástico despejado nos oceanos. Acabar com o uso de palhinhas seria pouco mais do que uma medida simbólica. Apesar disso, várias empresas, desde supermercados a cadeias de hotéis e restaurantes – com a McDonald’s britânica à cabeça –, têm anunciado nas últimas semanas que vão banir as palhinhas ou trocá-las por outras de papel. Por outro lado, representantes de doentes com Parkinson ou deficiências que impedem o uso dos braços já vieram alertar que, para muita gente, as palhinhas não são um luxo – são um bem de primeira necessidade.
5 - O LIXO QUE FAZEMOS EM TERRA É QUE ESTÁ A ENTUPIR OS OCEANOS
O estudo divulgado pela Ocean Conservancy calcula que 80% do plástico que hoje se encontra a flutuar nos oceanos seja plástico doméstico ou industrial descartado em terra. Sobra 20%, constituído por material de pesca abandonado. Outras estimativas dão um peso ainda maior ao setor das pescas. Um estudo publicado este ano na revista científica Nature estima que 46% da famosa ilha de plástico do Pacífico seja constituído por restos de redes de pesca; somando mais material, como armadilhas e linhas, o material de pesca corresponderá a 60% do total. Outros 10% a 20% são detritos arrastados pelo tsunami de 2011 no Japão. Dos objetos recolhidos pelos investigadores, ainda com letras visíveis, 30% tinham caracteres japoneses e 29,8% chineses. Mas há também muito lixo no mar que não se vê. Os cientistas responsáveis pelo estudo da Nature lembram que 40% do plástico não flutua e, por isso, vai parar ao leito dos oceanos.
6 - A ILHA DE PLÁSTICO DO PACÍFICO VÊ-SE DO ESPAÇO
Tecnicamente, a área onde se concentra o lixo no oceano Pacífico, e que tem servido de bandeira antiplástico, terá cerca do dobro do território francês. Dizemos “concentra”, mas seria mais rigoroso dizer “dispersa”: todo o lixo junto pesará 79 mil toneladas, o mesmo que um pequeno icebergue. Apesar das campanhas de alerta, que incluem uma iniciativa junto das Nações Unidas para ali ser reconhecido um “país” chamado Ilhas de Lixo (e que tem Al Gore como primeiro signatário), a ilha de plástico não tem propriamente terra firme. Não só não é visível do alto (muito menos do espaço) como é possível um barco atravessá-la sem que os seus ocupantes vislumbrem um único pedaço de plástico. E as fotos de água coberta de lixo que muitas vezes acompanham as notícias sobre a ilha de plástico? São habitualmente imagens tiradas junto à costa de grandes cidades do Sudoeste Asiático (Manila, nas Filipinas, é a preferida).
7 - A RECICLAGEM É A SOLUÇÃO
A reciclagem faz parte da solução, mas nem de perto é suficiente para resolver o problema. Somente 9% do plástico é reciclado em todo o planeta, com assimetrias regionais bem vincadas: enquanto na Europa se chega aos 30%, os EUA encaixam precisamente na média mundial dos 9%. Em Portugal, diz a Agência Portuguesa do Ambiente, 42% do plástico é reciclado, e com tendência a subir: entre 2011 e 2015 (últimos dados disponíveis), a reciclagem deste material, recolhido pela Sociedade Ponto Verde, cresceu quase 100% – de 74 mil para 145 mil toneladas. Segundo um relatório publicado em Novembro na revista Science Advances, desde 1950 já se produziu 8,3 mil milhões de toneladas de plástico (um pouco mais de uma tonelada por cada pessoa que vive hoje na Terra). E, desta quantidade astronómica, apenas 12% foi incinerado, método que, aliás, também está longe de ser bom para o ambiente. Em suma, por mais optimistas que sejam as perspectivas de crescimento da reciclagem, continuará a produzir-se – e a acumular-se – muito mais plástico do que aquele que é tratado.
8 - A TAXA SOBRE OS SACOS DE PLÁSTICO FOI UM SUCESSO
Em 2015, os sacos que os supermercados ofereciam passaram a ser taxados a 10 cêntimos pelo Governo – uma medida para desincentivar a utilização dos sacos descartáveis e aumentar a de sacos reutilizáveis. No primeiro ano, o Estado arrecadou 1,5 milhões de euros com este novo imposto, quando previa angariar €40 milhões. Acontece que as grandes superfícies mudaram rapidamente para novos sacos com uma gramagem superior à visada pela taxa, escapando à lei (os dez cêntimos vão para os retalhistas). No ano passado, a taxa só rendeu 60 mil euros. Por causa disso, o Governo estuda agora alargar o imposto a estes sacos. A troca de sacos mais finos por outros mais grossos acaba por não ter grande impacto, positivo ou negativo, no ambiente. Por um lado, “as pessoas tendem a reutilizá-los mais, porque são mais duráveis”, diz Susana Fonseca, da associação ambientalista Zero. Por outro, sendo mais grossos e pesados, a sua degradação natural é mais lenta. “Faltam dados que nos ajudem a perceber o seu impacto”, lamenta a ambientalista.
9 - NÃO HÁ MUITO QUE O CONSUMIDOR POSSA FAZER
É uma realidade que muito do lixo que chega ao mar foge ao controlo e responsabilidade directa dos consumidores portugueses, seja por razões geográficas (é na Ásia que o problema está mais descontrolado), seja porque parte substancial do plástico tem origem na indústria das pescas. Mas podemos fazer muito mais do que fazemos. “É preciso uma alteração do paradigma: substituir o plástico descartável por reutilizável, desde os copos para as festas aos recipientes para levar comida dos restaurantes”, diz Susana Fonseca, da Zero. “O investimento inicial é maior, mas compensa.” A nível legislativo, tem havido novidades. A Comissão Europeia apresentou, em maio, um conjunto de propostas para banir os produtos descartáveis sempre que houver uma alternativa; o partido PAN apresentou, e viu aprovada, já este mês, uma iniciativa para o incentivo ao depósito de embalagens de plástico, com o valor das embalagens a ser restituído, após retoma. Na teoria, tem tudo para correr bem: a crer num inquérito do Eurobarómetro, de Novembro, os portugueses até são dos europeus mais sensíveis ao problema do plástico.
10 - É UMA GUERRA PERDIDA
É seguramente uma guerra muito difícil de combater. Mas têm sido dados passos importantes. O ataque às palhinhas vale sobretudo pelo seu simbolismo. Reduzir ao máximo a sua utilização, sendo um bom princípio, não é panaceia, atendendo ao diminuto peso destes objetos no total de plástico que desemboca nos oceanos, e pode até correr-se o risco de levar os consumidores a acreditarem que resolvem o problema com este pequeno sacrifício, ignorando as causas maiores da poluição. Apontar as armas à indústria das pescas, através, por exemplo, de um selo obrigatório nas redes, que responsabilize os armadores por material abandonado no mar, seria um passo muitíssimo mais significativo. Para tal, torna-se necessário um acordo internacional, talvez nos mesmos moldes do Protocolo de Montreal, assinado em 1987, que na prática conseguiu suprimir os gases que estavam a destruir a camada de ozono. Já não temos muito tempo: há estudos a prever que, daqui a 30 anos, haverá mais plástico do que peixe nos oceanos
Luis Ribeiro
1 - OS HÁBITOS DE CONSUMO DO MUNDO OCIDENTAL SÃO OS CULPADOS
Mais de metade de todo o plástico que vai parar ao mar tem origem em apenas cinco países: China, Indonésia, Filipinas, Tailândia e Vietname. Só a China contribui com 28% do total mundial, apesar de ter “apenas” 18% da população do planeta. Estes cálculos fazem parte de um estudo do McKinsey Center for Business and Environment para a organização não-governamental do ambiente Ocean Conservancy. De acordo com outro estudo, publicado na revista científica Environmental Science & Technology, liderado por um hidrogeólogo do Helmholtz Center for Environmental Research, de Leipzig, na Alemanha, só o rio chinês Yangtzé contribui com 1,5 milhões do total de oito milhões de toneladas que vão parar aos oceanos todos os anos (no caso, através do mar Amarelo). Segundo o investigador principal, Christian Schmidt, cerca de um quarto de todo o plástico marinho tem origem em rios, e dez rios – oito deles na Ásia e dois em África – são responsáveis por 93% dessas descargas de plástico no mar.
2 - O PLÁSTICO NOS OCEANOS NÃO É A GRANDE QUESTÃO
Todos os anos, cerca de oito milhões de toneladas de plástico vão parar aos mares, segundo as contas de Jenna Jambeck, professora de Engenharia Ambiental da Universidade da Geórgia, EUA, num estudo publicado na revista Science em 2015. Por uma questão de perspetiva, diga-se que a Grande Pirâmide de Gizé pesa 6,5 milhões de toneladas. Estes oito milhões correspondem a um quarto do total de plástico produzido anualmente no planeta (31,9 milhões de toneladas). Não é possível saber com exactidão o número de animais marinhos que morrem por ingerirem este material, ou por ficarem presos nele. Já foram encontradas vítimas de aproximadamente 700 espécies diferentes, entre aves, tartarugas e mamíferos, com algumas associações ambientalistas a arriscarem números que vão de cem mil a cem milhões de animais mortos por ano. Ainda este mês, foi notícia por todo o mundo a baleia-piloto que deu à costa na Tailândia, morta, com 80 sacos de plástico no estômago.
3 - AS PALHINHAS SÃO O PROBLEMA – AFINAL, CADA PESSOA USA 1,5 A DUAS POR DIA
O vídeo de uma tartaruga com uma palhinha enfiada numa narina tornou-se viral, virando as atenções para este objeto corriqueiro, mas os números avançados sobre as palhinhas são pouco fiáveis. Têm sido divulgadas estatísticas espantosas – e que estão a servir de justificação para várias campanhas que pretendem banir as palhinhas. Nos EUA, diz-se, são 500 milhões por dia (o que dá 1,5 palhinhas diárias por pessoa); no Reino Unido, as estimativas vão dos 8,5 mil milhões aos 42 mil milhões por ano (neste caso, daria quase duas palhinhas por pessoa, diariamente). A verdade é que não fazemos a mais pequena ideia da quantidade real. Os 500 milhões dos EUA baseiam-se no trabalho de uma criança de nove anos, que ligou para alguns fabricantes e extrapolou os resultados. As estatísticas inglesas são ambas – apesar de tão díspares – da autoria da mesma empresa de consultoria na área do Ambiente, a Eunomia, que utilizou metodologias dúbias: na primeira, as contas somavam 4,4 mil milhões, mas os autores, sem qualquer justificação concreta, decidiram inflacionar para quase o dobro (em declarações à BBC, a Eunomia admite que os 8,5 mil milhões são uma “estimativa indicativa” que deve ser “divulgada com cautela”); na segunda – um relatório encomendado pela associação conservacionista World Wildlife Fund –, a empresa parte de um cálculo feito por uma firma de estudos de mercado para a União Europeia para chegar aos 42 mil milhões no Reino Unido.
4 - MAS AS PALHINHAS NÃO DEIXAM DE SER UMA PARTE CONSIDERÁVEL DO QUE POLUI OS MARES
As palhinhas estão efectivamente entre os dez objectos mais encontrados nas praias. 4% das peças de plástico no mar são palhinhas, o que apesar de tudo é considerável. Estimativas muito abertas apontam para 437 milhões a 8,3 mil milhões de palhinhas espalhadas nos mares. Mas em termos de massa, são uma gota no oceano. Cada uma pesa, em média, 0,42 gramas. Todas juntas, calcula-se que atinjam o mar menos de duas mil toneladas por ano, o que equivale a 0,025% do total de plástico despejado nos oceanos. Acabar com o uso de palhinhas seria pouco mais do que uma medida simbólica. Apesar disso, várias empresas, desde supermercados a cadeias de hotéis e restaurantes – com a McDonald’s britânica à cabeça –, têm anunciado nas últimas semanas que vão banir as palhinhas ou trocá-las por outras de papel. Por outro lado, representantes de doentes com Parkinson ou deficiências que impedem o uso dos braços já vieram alertar que, para muita gente, as palhinhas não são um luxo – são um bem de primeira necessidade.
5 - O LIXO QUE FAZEMOS EM TERRA É QUE ESTÁ A ENTUPIR OS OCEANOS
O estudo divulgado pela Ocean Conservancy calcula que 80% do plástico que hoje se encontra a flutuar nos oceanos seja plástico doméstico ou industrial descartado em terra. Sobra 20%, constituído por material de pesca abandonado. Outras estimativas dão um peso ainda maior ao setor das pescas. Um estudo publicado este ano na revista científica Nature estima que 46% da famosa ilha de plástico do Pacífico seja constituído por restos de redes de pesca; somando mais material, como armadilhas e linhas, o material de pesca corresponderá a 60% do total. Outros 10% a 20% são detritos arrastados pelo tsunami de 2011 no Japão. Dos objetos recolhidos pelos investigadores, ainda com letras visíveis, 30% tinham caracteres japoneses e 29,8% chineses. Mas há também muito lixo no mar que não se vê. Os cientistas responsáveis pelo estudo da Nature lembram que 40% do plástico não flutua e, por isso, vai parar ao leito dos oceanos.
6 - A ILHA DE PLÁSTICO DO PACÍFICO VÊ-SE DO ESPAÇO
Tecnicamente, a área onde se concentra o lixo no oceano Pacífico, e que tem servido de bandeira antiplástico, terá cerca do dobro do território francês. Dizemos “concentra”, mas seria mais rigoroso dizer “dispersa”: todo o lixo junto pesará 79 mil toneladas, o mesmo que um pequeno icebergue. Apesar das campanhas de alerta, que incluem uma iniciativa junto das Nações Unidas para ali ser reconhecido um “país” chamado Ilhas de Lixo (e que tem Al Gore como primeiro signatário), a ilha de plástico não tem propriamente terra firme. Não só não é visível do alto (muito menos do espaço) como é possível um barco atravessá-la sem que os seus ocupantes vislumbrem um único pedaço de plástico. E as fotos de água coberta de lixo que muitas vezes acompanham as notícias sobre a ilha de plástico? São habitualmente imagens tiradas junto à costa de grandes cidades do Sudoeste Asiático (Manila, nas Filipinas, é a preferida).
7 - A RECICLAGEM É A SOLUÇÃO
A reciclagem faz parte da solução, mas nem de perto é suficiente para resolver o problema. Somente 9% do plástico é reciclado em todo o planeta, com assimetrias regionais bem vincadas: enquanto na Europa se chega aos 30%, os EUA encaixam precisamente na média mundial dos 9%. Em Portugal, diz a Agência Portuguesa do Ambiente, 42% do plástico é reciclado, e com tendência a subir: entre 2011 e 2015 (últimos dados disponíveis), a reciclagem deste material, recolhido pela Sociedade Ponto Verde, cresceu quase 100% – de 74 mil para 145 mil toneladas. Segundo um relatório publicado em Novembro na revista Science Advances, desde 1950 já se produziu 8,3 mil milhões de toneladas de plástico (um pouco mais de uma tonelada por cada pessoa que vive hoje na Terra). E, desta quantidade astronómica, apenas 12% foi incinerado, método que, aliás, também está longe de ser bom para o ambiente. Em suma, por mais optimistas que sejam as perspectivas de crescimento da reciclagem, continuará a produzir-se – e a acumular-se – muito mais plástico do que aquele que é tratado.
8 - A TAXA SOBRE OS SACOS DE PLÁSTICO FOI UM SUCESSO
Em 2015, os sacos que os supermercados ofereciam passaram a ser taxados a 10 cêntimos pelo Governo – uma medida para desincentivar a utilização dos sacos descartáveis e aumentar a de sacos reutilizáveis. No primeiro ano, o Estado arrecadou 1,5 milhões de euros com este novo imposto, quando previa angariar €40 milhões. Acontece que as grandes superfícies mudaram rapidamente para novos sacos com uma gramagem superior à visada pela taxa, escapando à lei (os dez cêntimos vão para os retalhistas). No ano passado, a taxa só rendeu 60 mil euros. Por causa disso, o Governo estuda agora alargar o imposto a estes sacos. A troca de sacos mais finos por outros mais grossos acaba por não ter grande impacto, positivo ou negativo, no ambiente. Por um lado, “as pessoas tendem a reutilizá-los mais, porque são mais duráveis”, diz Susana Fonseca, da associação ambientalista Zero. Por outro, sendo mais grossos e pesados, a sua degradação natural é mais lenta. “Faltam dados que nos ajudem a perceber o seu impacto”, lamenta a ambientalista.
9 - NÃO HÁ MUITO QUE O CONSUMIDOR POSSA FAZER
É uma realidade que muito do lixo que chega ao mar foge ao controlo e responsabilidade directa dos consumidores portugueses, seja por razões geográficas (é na Ásia que o problema está mais descontrolado), seja porque parte substancial do plástico tem origem na indústria das pescas. Mas podemos fazer muito mais do que fazemos. “É preciso uma alteração do paradigma: substituir o plástico descartável por reutilizável, desde os copos para as festas aos recipientes para levar comida dos restaurantes”, diz Susana Fonseca, da Zero. “O investimento inicial é maior, mas compensa.” A nível legislativo, tem havido novidades. A Comissão Europeia apresentou, em maio, um conjunto de propostas para banir os produtos descartáveis sempre que houver uma alternativa; o partido PAN apresentou, e viu aprovada, já este mês, uma iniciativa para o incentivo ao depósito de embalagens de plástico, com o valor das embalagens a ser restituído, após retoma. Na teoria, tem tudo para correr bem: a crer num inquérito do Eurobarómetro, de Novembro, os portugueses até são dos europeus mais sensíveis ao problema do plástico.
10 - É UMA GUERRA PERDIDA
É seguramente uma guerra muito difícil de combater. Mas têm sido dados passos importantes. O ataque às palhinhas vale sobretudo pelo seu simbolismo. Reduzir ao máximo a sua utilização, sendo um bom princípio, não é panaceia, atendendo ao diminuto peso destes objetos no total de plástico que desemboca nos oceanos, e pode até correr-se o risco de levar os consumidores a acreditarem que resolvem o problema com este pequeno sacrifício, ignorando as causas maiores da poluição. Apontar as armas à indústria das pescas, através, por exemplo, de um selo obrigatório nas redes, que responsabilize os armadores por material abandonado no mar, seria um passo muitíssimo mais significativo. Para tal, torna-se necessário um acordo internacional, talvez nos mesmos moldes do Protocolo de Montreal, assinado em 1987, que na prática conseguiu suprimir os gases que estavam a destruir a camada de ozono. Já não temos muito tempo: há estudos a prever que, daqui a 30 anos, haverá mais plástico do que peixe nos oceanos