"O mundo da realidade tem os seus limites. O mundo da imaginação não tem fronteiras." J.J. Rousseau ||| Faz mais ruído uma árvore que cai do que uma floresta a crescer.
sexta-feira, 29 de janeiro de 2016
Duas Histórias Interessantes
Todos nós sabemos que Al Capone somente foi preso por haver omitido rendimentos ao fisco americano. Mas toda história tem detalhes e desdobramentos curiosos que às vezes desconhecemos. As duas relatadas a seguir mostram que o exemplo, é mesmo, um grande legado.
HISTÓRIA NÚMERO UM
Há muitos anos, Al Capone controlava inteiramente a cidade de Chicago. Não ficou famoso por nenhum ato heroico.
Era notório, sim, por encher a cidade com tudo relativo a contrabando, bebidas, prostituição e assassinatos.
Capone tinha um advogado apelidado 'Easy Eddie', um excelente profissional. Sua habilidade, manobrando no cipoal de leis, manteve Al Capone fora da cadeia por muito tempo.
Para mostrar seu apreço, Capone lhe pagava muito bem.
Não só o dinheiro era grande, como Eddie também tinha vantagens especiais. Por exemplo, ele e a família moravam em uma mansão protegida, com todas as conveniências possíveis.
A propriedade era tão grande que ocupava um quarteirão inteiro em Chicago. Eddie vivia a vida da alta roda da cidade, mostrando pouca preocupação com as atrocidades que ocorriam à sua volta.
No entanto, Easy Eddie tinha um ponto fraco.
Tinha um filho que amava acima de tudo. Eddie cuidava para que seu filho tivesse sempre do melhor: roupas, carros e uma excelente educação. Nada era poupado. Preço não era problema. E, apesar do seu envolvimento com o crime organizado, Eddie tentou lhe mostrar sempre o que era certo e o que era errado. Eddie queria que seu filho se tornasse um homem melhor que ele.
Mesmo assim, com toda a sua riqueza e influência, havia duas coisas que ele não podia dar ao filho:
não podia transmitir-lhe um nome bom e um bom exemplo.
Um dia, Easy Eddie tomou uma decisão difícil no sentido de corrigir as injustiças de que havia participado na sua carreira como advogado.
Decidiu que iria às autoridades e contaria a verdade sobre Al 'Scarface' Capone, limpando o seu nome sujo e oferecendo ao filho alguma coisa como integridade moral recuperada.
Para tanto, teria de testemunhar contra a quadrilha de Capone, e sabia que o preço a pagar seria muito alto. Ainda assim, ele testemunhou.
Um ano depois, Easy Eddie foi assassinado a tiros numa rua de Chicago.
Deu ao filho o maior presente que poderia oferecer, ao maior custo que poderia pagar.
A polícia recolheu em seus bolsos um rosário, um crucifixo, uma medalha religiosa e um poema, recortado de uma revista.
O poema: 'O relógio da vida recebe corda apenas uma vez e nenhum homem tem o poder de decidir quando os ponteiros irão parar, se mais cedo ou mais tarde. Agora é o único tempo que você possui. Viva, ame e trabalhe com vontade. Não ponha nenhuma esperança no tempo, pois o relógio pode parar a qualquer momento.'
HISTÓRIA NÚMERO DOIS
A Segunda Guerra Mundial produziu muitos heróis.
Um deles foi o Comandante Butch O'Hare, um piloto de caça, operando no porta-aviões Lexington, no Pacífico Sul.
Um dia, o seu esquadrão foi enviado a uma missão. Quando já estavam voando, ele notou pelo medidor de combustível que haviam esquecido de encher os tanques do seu avião. Ele não teria combustível suficiente para completar a missão e retornar ao navio. O líder do vôo o instruiu a voltar ao porta-aviões. Relutantemente, ele saiu da formação e iniciou a volta à frota.
Quando estava voltando ao navio-mãe viu algo que fez seu sangue gelar: um esquadrão de aviões japoneses voava na direção da frota americana.
Com os caças afastados da frota, ela estaria indefesa ao ataque iminente. Ele não podia alcançar seu esquadrão nem avisar à frota da aproximação do perigo.
Havia apenas uma coisa a fazer. Teria que desviá-los da frota de alguma maneira...
Afastando todos os pensamentos sobre a sua segurança pessoal, ele mergulhou sobre a formação de aviões japoneses.
Suas metralhadoras calibre 50, montadas nas asas, disparavam enquanto ele atacava um surpreso avião inimigo e em seguida outro. Butch costurou dentro e fora da formação, agora rompida e incendiou tantos aviões quanto possível, até que sua munição finalmente acabou. Ainda assim, ele continuou a agressão.
Mergulhava na direção dos aviões, tentando destruir e danificar tantos aviões inimigos quanto possível. Finalmente, o exasperado esquadrão japonês partiu em outra direção.
Profundamente aliviado, Butch O'Hare e o seu avião danificado se dirigiram ao porta-aviões. Logo à sua chegada informou a seus superiores sobre o acontecido. O filme da máquina fotográfica montada no avião contou a história com detalhes. Mostrou a extensão da ousadia de Butch em atacar o esquadrão japonês para proteger a frota. Na realidade, ele tinha destruído cinco aeronaves inimigas.
Isto ocorreu no dia 20 de fevereiro de 1942, e por aquela ação Butch se tornou o primeiro Ás da Marinha na 2ªGuerra Mundial, e o primeiro Aviador Naval a receber a Medalha Congressional de Honra.
No ano seguinte Butch morreu em combate aéreo com 29 anos de idade. Sua cidade natal não permitiria que a memória deste herói da 2ª Guerra desaparecesse, e hoje, o Aeroporto O'Hare, o principal de Chicago, tem esse nome em tributo à coragem deste grande homem.
Assim, se algum dia você passar no O'Hare International, lembre-se dele e vá ao Museu comemorativo sobre Butch, visitando sua estátua e conhecendo suas condecorações. Fica situado entre os Terminais 1 e 2.
O que têm estas duas histórias de comum entre elas? Porque ambos eram de Chicago? Não!
Butch O'Hare era o filho de Easy Eddie.
Adolescentes não têm mimos a mais, têm mimos maus
Adolescentes não têm mimos a mais, têm mimos maus: O caso do adolescente norte-americano com
quinta-feira, 28 de janeiro de 2016
Retrospectiva ortográfica
FRANCISCO MIGUEL VALADA 28/01/2016
Rapidamente se percebe a inexistência de semelhanças entre a motivação para promover um acordo ortográfico e os resultados obtidos com o AO90.
Exactamente como acontece com ‘aspecto’, ‘concepção’, ‘confecção’, ‘excepcional’, ‘facção’, ‘infeccioso’, ‘percepção’, ‘perspectiva’, ‘recepção’, ‘respectivo’ ou ‘ruptura’, ‘retrospectiva’ pertence àquele apreciável conjunto de palavras que se mantêm indemnes na ortografia do português do Brasil, mas cuja utilização deixou de ser admitida na ortografia portuguesa europeia, quer pelo AO90, quer por instrumentos auxiliares para a sua aplicação — quando chego à entrada ‘retrospectiva’, um dos dicionários portugueses consultados, em vez de me dar acesso directo ao significado, dá-me uma descompostura: “a nova grafia é retrospetiva [sic]”.
Para quem desconsidera as abundantes diferenças ortográficas criadas pelo AO90, recordo as palavras proferidas por Lindley Cintra, em 1981 – e que tive a oportunidade de salientar, na Academia das Ciências de Lisboa, em Novembro do ano passado –, relativas a um problema a ser resolvido por um acordo ortográfico: “No estado presente, seja qual for a solução adoptada, o aluno inevitavelmente vai encontrar-se perante textos portugueses em que as mesmas palavras aparecem escritas de duas formas diversas, com as naturais confusões e possível desorientação”. Rapidamente se percebe a inexistência de semelhanças entre a motivação para promover um acordo ortográfico e os resultados obtidos com o AO90.
Felizmente, em órgãos de comunicação social de língua portuguesa, a palavra ‘retrospectiva’ pode ser outrossim encontrada, por exemplo, na agência de notícias de Angola (“o destaque da retrospectiva noticiosa de 2015”, Angop, 3/1/2016) ou em jornais portugueses de referência, como o PÚBLICO. Nos últimos dias, quer a propósito do falecimento de Pierre Boulez, quer acerca da Direcção-Geral do Património Cultural, podia ler-se, respectivamente, “projectava a apresentação de uma retrospectiva da obra do compositor francês na Casa da Música” (PÚBLICO, 7/1/2016, p. 7) e “exposição mais vista de sempre em Portugal com a sua retrospectiva no Palácio da Ajuda” (PÚBLICO, 6/1/2016, p. 27).
De igual modo, na última página do tal PÚBLICO adquirido no aeroporto de Lisboa, lia-se: “a retrospectiva habitual” (PÚBLICO, 4/1/2016, p. 48). No entanto, depois desta última ‘retrospectiva’, encontrei ‘diretiva’ (sic). Em princípio, poderia estar perante um texto de um escrevente de português do Brasil, cuja norma admite ‘retrospectiva’ e ‘diretiva’. Contudo, o texto do PÚBLICO em apreço é de um autor português que, além de adoptar o AO90, tem-no amiúde defendido, decidindo igualmente rebaptizar a sua coluna neste jornal com um espirituoso “Consoante Muda”.
Ao escrever ‘retrospectiva’ em vez de ‘retrospetiva’, Rui Tavares, além de ser quem afinal acaba por cumprir a “summa [sic] missão de salvar as consoantes mudas que resistem” (PÚBLICO, 6/2/2012), confirma, de forma peremptória, a interiorização, comum a qualquer escrevente de português europeu, da função grafémica (neste caso, diacrítica) da letra consonântica ‘c’ de ‘retrospectiva’ e o factor de perturbação que a sua supressão constitui. Trata-se de circunstância muito semelhante à de ocorrências como *‘deflacção’ ou *‘ilacção’ (em vez de ‘deflação’ e ‘ilação’), ilustrativas da estranheza sentida por escreventes de português europeu em relação a formas ortográficas excepcionais e da vincada percepção existente sobre a função da letra 'c' nas palavras terminadas em –acção. A diferença relativamente a ‘retrospectiva’ é que *‘deflacção’ e *‘ilacção’ correspondem, de facto, a formas ortograficamente incorrectas.
A esta ocorrência de ‘retrospectiva’, em texto escrito ao abrigo do AO90, também não é possível aplicar o aforismo “Eu digo aquele ‘c’ em espectador e aquele ‘p’ em conceptual? Se sim, escrevo-o. Se não, omito-o”, de Rui Tavares (PÚBLICO, 27/10/2010, p. 40), por dois motivos: 1) ao contrário daquilo que acontece com o ‘c’ de ‘espectador’ e o ‘p’ de ‘conceptual’, em português europeu actual, não é nem admissível, nem aceitável qualquer prolação [k] que reflicta o ‘c’ de ‘retrospectiva’; 2) mesmo que tais admissibilidade ou aceitabilidade houvesse, Rui Tavares não pronuncia (pelo menos, de forma sistemática) o ‘c’ de ‘retrospectiva’: isto é perceptível, por exemplo, durante um debate em Estrasburgo, em Março de 2014: “eu gostaria de, neste curtíssimo minuto, fazer alguma retrospectiva [em que ‘c’ = [Ø]] do que foi este mandato”.
2. Por razões familiares, há cerca de onze anos, passei a estar atento às notícias do trânsito com menção a conceitos como “2.ª Circular”, “Eixo Norte-Sul” ou “IC19” — antigamente, a minha atenção centrava-se exclusivamente no núcleo “Arrábida/Freixo”, “Freixo/Arrábida, “nó de Francos”, etc. Por esse motivo, decidi embrenhar-me no projecto de intervenção da 2.ª Circular que a Câmara Municipal de Lisboa “colocou em consulta pública”. Recomendo cautela. Além de pérolas como ‘características’ e ‘caraterísticas’ (sic) na mesma frase, ‘carácter’ e ‘caráter’ (sic) no mesmo parágrafo ou “Arquitetura[sic] Paisagista (NPK, arquitectos paisagistas associados)”, encontramos “esquema das adoções [sic] de água ao separador”, quando aquilo que se pretende de facto referir é o “fornecimento de água do ponto de captação para o local onde é feita a distribuição”, isto é, ‘adução’, ou seja, ‘aduções’.
Apesar de o próprio texto do AO90, na base V, copiar a base IX de 1945 e admitir que o emprego do “do o e do u, em sílaba átona” é regulado “fundamentalmente pela etimologia e por particularidades da história das palavras”, na redacção da base IV, esse factor não foi considerado, eliminando-se letras com importante valor grafémico. Aquilo que verificamos é que um escrevente de português europeu grafou ‘adoções’ (sic) em vez de ‘aduções’, cometendo um erro ortográfico, mas identificando correctamente aquela letra ‘o’, em posição átona, como equivalente a ‘u’. Neste padrão, em português europeu, o diacrítico ‘p’ impede tal percepção. Isto é, ‘adoções’ corresponde a um dois-em-um: erro ortográfico (por ‘aduções’) e erro grafémico criado pelo AO90 (por ‘adopções’).
3. Por falar em adopções, o Diário da República anda há quatro anos a tentar adoptar o AO90, com abundância de grafias exclusivas do homólogo brasileiro (o Diário Oficial da União), como ‘fato’ e ‘contato’. Trata-se de facto que não constitui novidade: denunciei-o no PÚBLICO (“Contra fatos: os argumentos”, 13/11/2012, p. 47) e em documento enviado à Assembleia da República (cf. L. M. Queirós, “Adversários do Acordo Ortográfico querem referendo”, PÚBLICO, 20/4/2015, pp. 26-7). Apesar disso, o espectáculo continua, com o primeiro número de 2016 do Diário da República a trazer-nos “valorização dos fatos constantes nos números precedentes” e “registo contabilístico dos fatos patrimoniais”.
A opaca e inadequada redacção da base IV do AO90, o rotundo fracasso das acções de formação e a impreparação de agentes políticos difusores da convicção de ‘fato’ ser a nova grafia de ‘facto’ reflectem-se, não só na perpétua profusão de ‘fatos’ e ‘contatos’, mas também noutros factos insólitos: em 6/1/2016, a Câmara Municipal de Ovar viu-se obrigada a apresentar uma declaração de rectificação de edital publicado no Diário da República de 7/12/2015, no qual se grafara ‘contatar’, em vez de ‘contactar’.
Em 21/3/2013, o ILTEC garantia-nos que o AO90 “já foi quase plenamente aplicado, como o Estado determinou, sem problemas de maior”. Efectivamente, sem problemas de maior. Tendo o actual primeiro-ministro admitido recentemente que não toma “a iniciativa de desfazer o acordo ortográfico”, então, tomemo-la nós.
Autor de Demanda, Deriva, Desastre - os três dês do Acordo Ortográfico(Textiverso, 2009)
terça-feira, 19 de janeiro de 2016
Os editores desaparecidos. O sequestro de Lisboa. E a arte de passar a ferro
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Bom dia.
Há um ano, dois encapuzados entraram na redação do jornal humorístico Charlie Hebdo, em Paris, dispararam mais de 60 tiros e assassinaram 12 pessoas, entre as quais alguns dos melhores cartunistas franceses. Um ano depois, a morte de Wolinsky e dos seus pares não foi em vão: o Charlie Hebdo, que antes imprimia 50 mil exemplares, hoje vende 90 mil em banca e mais 180 mil para assinantes. E como diz o «Le Monde» (e cito o artigo de Nuno Ramos de Almeida no i), «antigamente liam-no nos cafés para rir; hoje lêem-no também nos ministérios e nas embaixadas, mesmo que não tenham nenhuma vontade de sorrir».
Infelizmente, o mundo não mudou para melhor depois do atentado do Charlie Hebdo. Nem há mais respeito pelo livre pensamento e pela diferença. Como se vê pelo que se conta a seguir.
Há um ditado de origem anglo-saxónica que diz que se nada como um pato, se grasna como um pato e se parece um pato, então provavelmente é um pato. Ora seguindo esta lógica, o que pensará o leitor se uma pessoa ligada a uma editora desaparece, uma segunda pessoa ligada à mesma editora desaparece, uma terceira pessoa ligada à referida editora desaparece, uma quarta pessoa também ligada à tal editora desaparece e uma quinta pessoa igualmente ligada à editora desaparece? Ora, pensa seguramente que deve haver algum problema com a editora.
Bom, e se souber que a tal editora se situa em Hong-Kong e é conhecida por vender obras proibidas na China talvez desconfie que por detrás dos desaparecimentos pode estar a mesma mão. E se souber ainda que a citada editora estaria a preparar um livro sobre a vida amorosa do presidente Xi Jinping e sobre uma sua antiga amante começa a desconfiar seriamente que talvez essa possa ser uma das explicações para os desaparecimentos. É que, como a História demonstra, as palavras continuam a ser muito perigosas nos regimes totalitários.
Até agora, as cinco pessoas que desapareceram ligadas à Mighty Current são o ex-proprietário da livraria, Lam Wing Kei, dois dos seus sócios, Lu Bo e Zhang Zhiping, o editor Gui Minhai, que tem passaporte sueco e deixou de ser localizado a 17 de outubro, quando estava na sua casa em Pattaya, na Tailândia e, desde há uma semana, do livreiro Lee Bo, 65 anos, que segundo a sua mulher saiu de casa na noite de 30 de dezembro, depois de alguém lhe ter encomendado pelo telefone uma série de volumes de um determinado livro e nunca mais foi visto, apesar de ter telefonado a dizer que estava na cidade de Shenzen a colaborar numa investigação sobre outros desaparecimentos (mas a mulher estranhou que tenha falado em mandarim e não em cantonês).
Voltamos ao princípio. Se nada como um pato, se grasna como um pato e se parece um pato, então provavelmente é um pato. Perante isto, o grande, o enorme editor que foi Luiz Pacheco, se ainda fosse vivo, em vez de escrever «O caso das criancinhas desaparecidas», escreveria seguramente«O caso dos cinco livreiros desaparecidos». Não estando já entre nós Pacheco e o seu génio, isso seguramente não impede o leitor de tirar as óbvias conclusões. É um pato. Ponto final.
E a bomba que o regime norte-coreano fez explodir e deixou o mundo em geral, e aquela região do planeta em particular, com os nervos em franja? É de hidrogénio ou não? Parece que não. Mas uma coisa é certa: a explosão foi nuclear. Ou seja, o regime de King Jong-um entrou mesmo para o seleto e muito restrito clube dos países que já têm ou conseguem produzir bombas nucleares. A China não foi avisada do teste, o Japão está aterrado e a ONU, seja a bomba de que tipo for, prepara-se para aprovar «mais extensas e significativas sanções» contra Pyongyang.
Ora a propósito deste tema, no frente-a-frente televisivo na RTP que opôs os candidatos do BE e do PCP, Marisa Matias e Edgar Silva, o jornalista João Adelino Faria perguntou-lhes: «A Coreia do Norte é uma ditadura ou uma democracia?» Marisa Matias respondeu prontamente:«Considero a Coreia do Norte uma ditadura.» Já Edgar Silva repetiu a pergunta, contornou-a e só no fim acabou por concordar que a democracia não é um «privilégio» daquele país. Já em 2003, Bernardino Soares, que foi líder parlamentar do PCP e é atualmente presidente da Câmara de Loures, afirmava: «Tenho dúvidas que a Coreia do Norte não seja uma democracia». Decididamente, o PCP tem um problema com a democracia que se vive na Coreia do Norte.
Os múltiplos debates e entrevistas aos dez candidatos têm sido seguramente esclarecedores em muitos pontos e nalguns proporcionam-nos mesmo surpresas sobre assuntos para os quais nunca tínhamos olhado dessa maneira. É o caso de Paulo Morais que diz que Lisboa está sequestrada pela empresa francesa (e capitais americanos) Vinci, pois gere o aeroporto da capital e as duas pontes sobre o rio Tejo. Um assunto que resolverá se for eleito Presidente da República. Mais: o candidato também quer expropriar a ponte Vasco da Gama a custo zero. Justificação: «O Estado tem a obrigação de chegar à ponte e ressarcir o povo do prejuízo que teve», dado que «não tinha 900 milhões» para a construir mas depois «tem 1000 milhões para dar aos privados» que a construíram.
Quanto a Maria de Belém e seus apoiantes, que esperavam que na entrevista que concedeu à RTP António Guterres desse um sinal de que apoiaria a sua ex-ministra da Saúde, saiu-lhes o tiro pela culatra. O antigo primeiro-ministro limitou-se a dizer que apoiará o candidato que o PS apoiar. E sobre esta matéria mais não disse – a não ser que desiludiu os socialistas. Maria de Belém é que disse. Disse que se for eleita Presidente da República poderá levar estadistas estrangeiros a almoçar em lares de terceira idade ou instituições do género, preferindo isso ao que é tradicional (banquetes no Palácio de Queluz, por exemplo). Olha que bela e exequível ideia! Ficam todos a perceber como nós tratamos bem os idosos.
Quanto ao candidato que todas as sondagens dizem que ganha à primeira volta ou à segunda, Marcelo Rebelo de Sousa, defendeu a criação «de uma comissão de ética à luz da ética» para analisar as incompatibilidades dos deputados e composta, por exemplo, «por antigos presidentes da Assembleia da República, como Jaime Gama ou Mota Amaral». Isto porque a atual comissão de ética segue apenas a legislação, quando há casos em que «não há ilegalidade, mas há uma situação que não há ética».
OUTRAS NOTÍCIAS
É um caso dramático: menino de 11 anos foi encontrado morto na cama ao lado da mãe numa casa na Ponta do Sol, na Madeira. A tese das autoridades é que este será um caso de homicídio seguido de suicídio: a mãe, que padecia de cancro, terá envenenado o menor. O namorado da mãe tinha morrido há dias.
Da anormal noite futebolística (uma jornada da Liga a meio da semana) vieram as goleadas pelos mesmo 6-0 do Sporting em Setúbal e do Benfica na Luz perante o Marítimo – o Setúbal que está a fazer um campeonato muito promissor e que até já viu o seu avançado Suk assinar pelo FC Porto; e o Marítimo que tinha ido ganhar muito recentemente ao Estádio do Dragão por 3-1. Mas nem um nem outro resistiram à arte de bem passar a ferro de Sporting e Benfica. O Porto, em casa, não foi além de um empate a uma bola com o Rio Ave. No final, houve os cada vez mais usuais lenços brancos para Lopetegui. Mas Pinto da Costa não é homem para mudar de treinador a meio da época nem para dar o braço a torcer. Afinal, o basco foi aposta sua. O Sporting lidera com mais quatro pontos que Porto e Benfica.
O Jornal de Negócios foi ouvir economistas a propósito do regresso dos feriados, dois civis e dois religiosos. Desvalorizam o impacto no PIB. Em contrapartida, os empresários argumentam que a reposição dos quatro dias de descanso promovida pelo executivo de Costa vai reduzir a produtividade e fazer disparar os custos energéticos.
E para ficarmos bem dispostos nada como ler e reler o que disse Carlos Costa. O governador do Banco de Portugal defende que a estabilidade financeira foi assegurada durante o programa de ajustamento. E o caminho seguido só não foi totalmente bem-sucedido por causa do BES e do Banif, mas a culpa é das próprias instituições. Pois. O Banco de Portugal nada teve a ver com isso. Tirando a implosão do terceiro e do sétimo maiores bancos portugueses, correu tudo bem. E continua a correr.
Entretanto, o vice-presidente da bancada do PSD, Hugo Soares, acusou o Governo de ter feito 154 nomeações em 41 dias, sem as publicitar, e sugeriu que o executivo quer acabar com a comissão de recrutamento na administração pública.
O mesmo Governo que, segundo o Diário de Notícias, desfez em 40 dias a política de educação do anterior Executivo: só se manteve o Inglês a partir do 3.º ano e a gestão de escolas pelos municípios.
FRASES
"O Presidente da República tem de ser um árbitro. E eu gosto é de jogar à bola". António Guterresexplicando porque não se candidatou a Belém, RTP
"Marcelo faz bem em não consentir uma colagem ao PSD". Guilherme Silva, ex-líder parlamentar do PSD, jornal i
"José Sócrates é uma das caras da corrupção em Portugal". Paulo Morais, candidato à Presidência da República
"A redistribuição nunca é um almoço grátis (…) e é feita de forma a aliviar mais rapidamente as classes mais baixas de rendimento". Rocha Andrade, secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Jornal de Negócios
"Deixámos de vender equipamentos para lá. Se estivéssemos dependentes de Angola, estávamos lixados".Alberto Cravo, administrador da Metalusa, Jornal de Negócios. A moeda angolana recuou 24% em 2015. Foi o oitavo ano consecutivo de desvalorização. Há uma enorme quebra nas vendas e cada vez há mais dificuldade em receber e transferir dinheiro.
O QUE ANDO A LER
Não é bem o que ando a ler. É o que releio sempre que as palavras estão em perigo. Sempre que quem pronuncia as palavras é silenciado «por maneiras tão sábias, tão subtis e tão peritas, que não podem sequer ser bem descritas», como sentenciou Sophia de Mello Breyner. Nestas ocasiões regresso aos poetas, às palavras dos poetas, aos pensamentos dos poetas. Manuel António Pina é um dos meus poetas preferidos. Não só porque é um enormíssimo poeta. Mas porque, além do mais, fui colega dele no Jornal de Notícias, ele no Porto e eu na filial de Lisboa, numa altura em que não havia colegas nas redações mas camaradas. Depois, porque era uma excelente pessoa, de uma enorme generosidade. E já agora porque também era sportinguista. «Agora que os deuses partiram, / e estamos, se possível, ainda mais sós, / sem forma e vazios, inocentes de nós, / como diremos ainda margens e como diremos rios?». É assim que termina a sua coletânea «Todas as Palavras – poesia reunida», editada pela Assírio & Alvim, uma editora que há muitos anos guarda cuidadosamente todas as palavras e trata cuidadosamente todos os poetas. Ou como, segundo o Germano Silva, uma figura incontornável do Porto, dizia o Pina, quando o Sporting estava a perder: «Que se f… o futebol, Germano, vamos mas é para a poesia». E quando era o contrário, mudava o sentido da frase: «Que se f… a poesia, Germano, o futebol é que é!».
E pronto. Amanhã estará cá o Miguel Cadete para tirar um forte e robusto Expresso Curto. Eu, que nem sequer bebo café, fico-me por aqui. Tenha um excelente dia.
sábado, 2 de janeiro de 2016
A falsa guerra ao terror da Arábia Saudita
BRAHMA CHELLANEY* - O ESTADO DE S.PAULO 26 Dezembro 2015
Combate aos terroristas não terá sucesso enquanto a expansão de ideologias como o wahabismo não for contida
Conter o surto de terrorismo islâmico será impossível sem conter a ideologia que o conduz: o wahabismo, uma forma messiânica e jihadista do fundamentalismo sunita, cuja expansão internacional tem sido financiada por países árabes ricos em petróleo, especialmente a Arábia Saudita. Por isso, a coalizão antiterror liderada pelos sauditas tem de ser vista com profundo cepticismo.
O wahabismo promove, entre outras coisas, que mulheres sejam subjugadas e a morte aos “infiéis”. Trata-se - na descrição do presidente americano Barak Obama - de uma “interpretação pervertida de Islão” e a mãe ideológica do terrorismo jihadista. Sua descendência inclui a Al-Qaeda, o Taleban, o Boko Haram, o Al-Shabab e o Estado Islâmico - todos eles misturando hostilidade aos não sunitas e um antiquado romantismo num coquetel de ódio niilista.
A Arábia Saudita vem brincando ao terrorismo islâmico desde que o boom dos preços do petróleo nos anos 1970 ampliou enormemente a riqueza do país. Segundo relatório de 2013 do Parlamento Europeu, parte dos US$ 10 bilhões investidos pela Arábia Saudita em sua “agenda wahabista” no sul e sudeste da Ásia, “foi desviada” para grupos terroristas, incluindo o Lashkar-e-Taiba, responsável pelos atos terroristas em Mumbai em 2008.
Líderes ocidentais reconhecem há muitos anos o papel da Arábia Saudita. Num telegrama diplomático de 2009, a então secretária de Estado dos EUA, Hillary Clinton, identifica a Arábia Saudita como “a mais significativa fonte de recursos para grupos terroristas sunitas em todo o mundo”. Em virtude, em grande parte, do interesse ocidental no petróleo saudita, o reino não sofre sanções internacionais!!!
Agora, com o crescimento de movimentos terroristas como o EI, as prioridades estão mudando. Como disse o vice-chanceler alemão, Sigmar Gabriel, em recente entrevista: “Precisamos deixar claro aos sauditas que o tempo de olhar para o outro lado acabou”.
Essa mudança forçou o reino saudita a anunciar uma “repressão” contra pessoas e grupos que financiam o terror. Mas, de acordo com recente relatório do Departamento de Estado dos EUA, doadores e instituições de caridade com base na Arábia Saudita continuam apoiando militantes sunitas.
Dessa perspectiva, o surpreendente anúncio de uma aliança antiterror de 34 países, com centro de operações em Riad, é um passo lógico, destinado a sufocar as críticas ocidentais enquanto alimenta a influência sunita no Oriente Médio. Mas é claro que a aliança é uma vergonha. Basta dar uma boa olhada em seus membros.
A aliança inclui todos os principais patrocinadores de grupos extremistas e terroristas, do Catar ao Paquistão. É como se um cartel de droga anunciasse que está liderando uma campanha antinarcóticos. Na lista de membros da aliança também estão, com a exceção do Afeganistão, todas as fortalezas jihadistas, incluindo os conflagrados Líbia e Iêmen.
Além disso, apesar de chamada de aliança “islâmica’, com membros “de todo o mundo islâmico”, o grupo inclui predominantemente os cristãos Uganda e Gabão, mas não Omã (país do Golfo), Argélia (maior país da África) e Indonésia (país de maior população muçulmana do mundo).
A falha em incluir a Indonésia, que tem quase duas vezes mais muçulmanos que todo o Oriente Médio, espanta não apenas pelo tamanho do país: enquanto a maioria dos países da aliança é governada por déspotas ou ditadores, a Indonésia é uma robusta democracia.
A abordagem disfuncional da iniciativa saudita é revelada no fato de que alguns membros da aliança - incluindo Paquistão, Malásia, Líbano e Autoridade Palestina - declararam imediatamente nunca haver de fato aderido ao movimento. O reino saudita parece pensar que pode tomar tal decisão em nome dos receptores de sua ajuda.
Some-se a nada surpreendente exclusão do Irão e Iraque, de governos xiitas, além da alauita Síria, fica claro que a Arábia Saudita simplesmente montou um novo grupo predominantemente sunita para impulsionar seus objectivos sectários e estratégicos.
Isso confirma a linha política mais dura dominante desde que o rei Salman subiu ao trono, em janeiro.
Em casa, o reinado de Salman até agora assinala um crescente número de sentenças de morte por decapitação, frequentemente em público - método copiado pelo EI. No exterior, significa uma clara preferência por soluções violentas no Bahrein, Iraque, Síria e Iêmen.
As soluções da Arábia Saudita frequentemente contrariam os objetivos de seus aliados americanos.Por exemplo, os sauditas e seus parceiros árabes discretamente abandonaram a guerra aérea liderada pelos EUA na Síria. Mas, além das manipulações estratégicas da Arábia Saudita está o problema fundamental com que começamos o artigo: a ideologia oficial do reino forma o núcleo do credo terrorista.
Isso diz muito da principal falha na atual abordagem do combate ao terrorismo. Enquanto a expansão de ideologias perigosas como o wahabismo não for contida, a guerra global ao terror, que já dura uma geração, não será ganha.
Não importa quantas bombas os EUA e seus aliados joguem, as madrassas financiadas pela Arábia Saudita continuarão doutrinando os jihadistas de amanhã. /
TRADUÇÃO DE ROBERTO MUNIZ
É PROFESSOR DE ESTUDOS ESTRATÉGICOS NO CENTRO DE PESQUISA POLÍTICA EM NOVA DÉLHI E FELLOW NA ACADEMIA ROBERT BOSCH DE BERLIM
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