segunda-feira, 30 de novembro de 2015

O túmulo de Nefertiti pode estar mais perto do que nunca

Sarcófago de Tutankhamon

INÊS NADAIS   28/11/2015

As análises conduzidas no túmulo de Tutankhamon sugerem que é “90% certa” a existência de uma câmara funerária oculta, reforçando a tese de que aí poderá estar enterrada uma das mais famosas rainhas do Antigo Egipto.

As autoridades egípcias estão “desesperadas por boas notícias” e este sábado puderam finalmente dá-las: os resultados preliminares das análises conduzidas por uma equipa internacional liderada pelo egiptólogo Nicholas Reeves apontam fortemente para a existência de uma segunda câmara funerária até aqui oculta por trás da parede Norte no túmulo de Tutankhamon. “Tínhamos dito que havia 60% de hipóteses de haver alguma coisa atrás destas paredes. Mas agora, após uma primeira leitura das imagens obtidas por radar, podemos afirmar que essa probabilidade é afinal de 90%”, afirmou este sábado, no Vale dos Reis, o ministro das Antiguidades Egípcias Mahmoud al-Damaty.

Túmulo de Tutankhamon

Tratando-se ou não do sarcófago de Nefertiti, como Reeves ardentemente defende, as autoridades egípcias acreditam que o que quer que ali venha a ser encontrado, selado atrás de uma parede há vários milhares de anos, pode constituir “o achado do século XXI” – na era moderna, apenas o túmulo de Tutankhamon foi descoberto intacto, com todo o seu infindável tesouro de mais de cinco mil peças que demorou quase uma década a catalogar.

O busto de Nefertiti está no Neues Museum, em Berlim

  Ao longo do próximo mês, as imagens obtidas pelo especialista Hirokatsu Watanabe com um radar especialmente adaptado às difíceis condições geotérmicas e à relativa exiguidade do túmulo de Tutankhamon serão sujeitas a uma minuciosa análise no Japão. Se tudo correr como espera o egiptólogo britânico que convenceu as autoridades egípcias a reavaliar aquele que é o grande ex-libris do Vale dos Reis, as conclusões finais desta investigação confirmarão a sua tese de que o mausoléu ainda não foi integralmente escavado.

“Parece claro que, como predisse, o túmulo continua. O radar sugere que a câmara funerária [de Tutankhamon] se prolonga ao longo de um corredor que desemboca noutra câmara funerária”, sublinhou Reeves, secundado pelo perito japonês: “Existe de facto um espaço vazio atrás da parede, não há qualquer dúvida. Neste momento, porém, ainda não podemos fazer cálculos”, disse Watanabe, citado pela Reuters.

Perito japonês Hirokatsu Watanabe

Embora considerada fantasiosa por alguns egiptólogos, a tese de que após a sua morte precoce, com apenas 19 anos, Tutankhamon terá sido enterrado no mausoléu pré-existente da primeira mulher do seu pai, o faraó Akhenaton, parece cada vez menos incrível. Há muito que os especialistas tentam perceber porque é que o túmulo de Tutankhamon é mais pequeno do que o dos outros faraós enterrados no Vale dos Reis – a necrópole da antiga cidade de Tebas, actual Luxor – e porque é que exibe a orientação típica dos túmulos das rainhas egípcias do seu tempo, com o eixo central inclinado para a direita.

A eventual descoberta do túmulo de Nefertiti numa segunda câmara funerária até aqui desconhecida confirmaria a suspeita de que o mausoléu original da rainha terá sido reconvertido, dez anos após a sua morte, para acolher os restos mortais de Tutankhamon, o que explicaria também as orelhas furadas e os traços femininos da sua célebre máscara funerária – um dos mais extraordinários tesouros do Antigo Egipto, actualmente exposto no Museu do Cairo. “A minha hipótese é de que nos encontramos perante um túmulo dentro de outro túmulo. Tutankhamon terá sido enterrado na parte exterior de uma sepultura que já existia e que terá sido adaptada para o efeito”, explicou Nicholas Reeves ao El Mundo no Verão passado.

O ministro egípcio das Antiguidades Mahmoud al-Damaty e o egiptólogo britânico Nicholas Reeves

Mas desde que em Julho o arqueólogo da Universidade do Arizona publicou o artigo em que defende esta tese, The Burial of Nefertiti?, vários egiptólogos têm vindo lembrar que não há sequer consenso acerca do local onde Nefertiti morreu no século XIV a.C., e que o mais provável é ter sido enterrada em Amarna – foi de resto na capital que Akhenaton fundou e que dedicou ao seu único deus, Aton, que o magnífico busto da rainha esculpido há cerca de 3.300 anos foi encontrado em 1912.

Já depois da conferência de imprensa deste sábado, um dos mais destacados especialistas do Antigo Egipto, o ex-ministro das Antiguidades Zahi Hawass, frisou à AFP que a sugestão de que Nefertiti pode ter sido enterrada no mausoléu de Tutankhamon é totalmente inverosímil, dada a sua participação activa na aventura monoteísta de Akhenaton: “Nefertiti prestou culto a Aton durante anos. Os sacerdotes nunca autorizariam que fosse sepultada no Vale dos Reis.” E o próprio Mahmoud al-Damaty, o ministro das Antiguidades Egípcias que este sábado anunciou “o achado do século XXI”, acredita ser mais lógico estar-se perto do mausoléu de Kia, a segunda mulher de Akhenaton e provável mãe de Tutankhamon, do que do da mítica Nefertiti.

Akhenaton


“Implicações extraordinárias”
Até que os resultados finais das análises feitas nos últimos dois dias sejam divulgados, não é de excluir que se esteja perante o início de uma campanha arqueológica tão apaixonante como aquela que o egiptólogo britânico Howard Carter concluiu, depois de muitas peripécias, a 16 de Fevereiro de 1922, dia em que finalmente pôde revelar ao mundo o túmulo até então selado de Tutankhamon. Nos últimos dias, a equipa internacional liderada por Nicholas Reeves aguardou pela saída dos últimos turistas para se fechar no mausoléu e auscultar os segredos que aquelas paredes ainda possam ter a contar. “O túmulo parece relutante em confiar-nos os seus segredos. Mas está a revelá-los pouco a pouco. E até agora nenhum dos resultados contradiz as bases da minha teoria”, disse o egiptólogo à National Geographic, que co-financia o projecto e em 2016 vai estrear um documentário exclusivo sobre a investigação em curso.

Especialista na 18.ª Dinastia, uma das mais misteriosas e fascinantes de toda a história do Antigo Egipto, Reeves começou a suspeitar de que poderemos estar mais perto do que nunca do túmulo de Nefertiti quando viu as imagens de altíssima resolução, obtidas com recurso a scanners 3D, que a empresa madrilena Factum Arte começou a recolher em 2009 no túmulo de Tutankhamon: “Se aquilo que as imagens sugerem vier a confirmar-se, as implicações são extraordinárias. Nestas profundezas inexploradas pode estar um enterramento anterior, o da própria Nefertiti, consorte celebrada, co-regente e eventual sucessora do faraó Akhenaton”, sugeria em Julho.

Tutankhamun

É uma hipótese que de facto o radar de Hirokatsu Watanabe não descartou, tal como as sofisticadas imagens feitas no início deste mês com câmaras termográficas não tinham descartado. Além da câmara funerária selada atrás da parede Norte, sugerida pelas “destacadas irregularidades térmicas” que as imagens evidenciam, parece haver também indícios de que a parede ocidental adjacente esconde um outro compartimento, possivelmente um espaço de armazenamento onde Reeves ambiciona encontrar um tesouro à escala daquele com que Carter se deparou há quase um século. Se ambos os indícios confirmarem, será necessário encontrar uma maneira de passar para o lado de lá dessas paredes sem danificar as valiosas pinturas murais que constituem a exuberante decoração interna do túmulo de Tutankhamon: “Uma ideia é cortar os frescos e exibi-los num museu, talvez em colaboração com os especialistas italianos que usaram esta técnica em Pompeia. Não é fácil, mas pode fazer-se”, garante Reeves.

Para um país que, como lembra a National Geographic, atravessa um período de extrema turbulência económica e política e que viu uma das suas principais fontes de receitas, o turismo, recuar para níveis mínimos, “o potencial de uma descoberta arqueológica avassaladora” é incalculável. “A possibilidade de estarmos perante a existência de outra câmara funerária no túmulo de Tutankhamon é realmente intrigante e excitante, mas quem poderá lá estar? Falta-nos toda a família real, excepto Tutankhamon. Pode ser qualquer pessoa”, notou à revista norte-americana Ray Johnson, director da Chicago House, um núcleo de investigação da Universidade de Chicago que está sediado em Luxor.

A máquina de fazer dinheiro do Estado Islâmico

Raqqa, na Síria, foi escolhida para ser a capital do "calfado"

CLARA BARATA  29/11/2015

Ter um território sob seu domínio é fundamental para a organização terrorista financiar uma guerra. Mercado negro, fronteiras porosas, acesso a recursos naturais e várias formas de roubo são as suas estratégias.

O Estado Islâmico (EI) é talvez a organização terrorista mais bem financiada de sempre, nas palavras do actual vice-director da CIA, David Cohen. Ao contrário da Al-Qaeda e outros grupos terroristas, que dependem fortemente de dadores simpatizantes das suas causas, o EI controla um território na Síria e no Iraque onde vivem pelo menos oito milhões de pessoas e que governa como se fosse um Estado. Impõe a quem lá vive os mais variados impostos, com inspiração no Corão, e explora recursos naturais, como o petróleo.

Uma ressalva: não há muitos dados concretos, nem uma pista electrónica das contas e transacções do EI que permita conhecer com pormenor as finanças do califado autodeclarado pelo líder Abu Bakr al Baghdadi em Junho de 2014, depois de o grupo ter conquistado Mossul, a segunda maior cidade iraquiana. Mas estimativas apresentadas ao Congresso dos Estados Unidos no final desse ano pela Rand Corporation, apontam para que o Estado Islâmico ganhe entre 1 e 3 milhões de dólares por dia provenientes de várias fontes. Fez um longo caminho desde 2008, quando apenas conseguia ganhar um milhão de dólares num mês.

Os rendimentos anuais do EI, neste momento, rondam os 2700 milhões de euros, diz o Le Monde, que faz algumas comparações que ilustram bem as capacidades financeiras desta organização: estima-se que o orçamento dos talibans, no Afeganistão, oscile entre 49,7 milhões e 300 milhões de euros, e o que Hezbollah libanês entre 150 e 341 milhões de euros.

Quem são os jovens radicalizados? Conheça os "neo-jihadistas"

O acesso aos poços de petróleo da Síria e do Iraque é, certamente, uma das principais fontes de rendimento do EI. Mas não é a única e, neste momento, nem sequer será a principal. A diversificação é uma das chaves do seu sucesso.

Petróleo

A dúvida é: até que ponto os bombardeamentos da coligação internacional estão a impedir a exploração petrolífera pelo Estado Islâmico na Síria e no Iraque? Em Outubro, uma investigação do Financial Times concluía que os jihadistas estavam a ganhar cerca de 1,5 milhões de dólares diários com o petróleo, mas estes números foram contestados.

No entanto, o EI terá a capacidade de produzir 44 mil barris de crude por dia na Síria e 4000 no Iraque, que depois é vendido na Turquia, a intermediários, a preços muito reduzidos – por vezes a 20 dólares. É apenas uma fracção da capacidade de produção total do Iraque (três milhões de baris por dia), mas quase 10% da da Síria, que antes da guerra civil começar a todo fôlego, diz aNewsweek, rondava 385 mil barris diários.

Em alguns casos, o petróleo é refinado ainda na Siría, com sistemas transportáveis, baratos e simples de operar. Este combustível é usado localmente e é ainda mais fácil canalizá-lo para o mercado negro na Turquia, misturando-o com outro combustível.

Em teoria, quando abastece o seu carro, parte do gasóleo ou gasolina pode ter vindo daquela que o EI extrai na Síria ou no Iraque. Na verdade, as próprias tropas do Presidente Bashar al-Assa, com quem combate o EI, devem usá-lo, tal como os curdos, que lhes têm sido os mais eficazes a dar-lhes luta.

Reportagem: O que é o Estado Islâmico?

O tráfico é feito através de camiões cisterna para a Turquia – muito provavelmente conduzidos por civis, que não são propriamente cúmplices dos jihadistas, apenas usam rotas que têm décadas, utilizadas durante os anos das sanções impostas ao regime de Saddam Hussein, no Iraque. Os guardas de fronteira recebiam baksheesh (pagamento às escondidas, suborno) para deixar passar os camiões com contrabandos variados, entre os quais petróleo, que era vendido a intermediários na Turquia, que se encarregavam de o colocar no mercado normal.

O Estado Islâmico aproveita-se dessas mesmas redes e fará pelo menos 500 milhões de dólares de lucro anuais – o petróleo representará cerca de um terço dos seus actuais rendimentos anuais.

Outros importantes recursos naturais que estão no território do EI são as minas de fosfatos de Khnaifess, localizadas à beira da estrada entre Damasco e Palmira, a cidade património da Humanidade da qual os jihadistas se apropriaram. A Síria tem uma das maiores reservas de fosfatos do mundo – em tempos de paz, as minas rendiam cerca de 60 milhões de dólares anuais. Não é claro, no entanto, se o grupo terá capacidade para explorar as minas.

Sob seu controlo estão também cinco fábricas de cimento – que poderiam render 583 milhões de dólares anuais, diz a Reuters – e várias instalações de extracção de enxofre.

Um dia antes dos atentados de Paris, os EUA tinham anunciado uma intensificação dos ataques contra os locais de produção petrolífera nas mãos do EI, com o objectivo de os desactivar durante pelo menos seis meses – até agora, os bombardeamentos não tinham consequências de maior, dentro de uma semana, no máximo, voltavam a estar funcionais. Havia a preocupação de manter as estruturas operacionais para poderem ser aproveitadas pela Síria, num futuro em que houvesse paz.

Conheça um dos principais recrutadores do EI

Durante um ano, o EI lutou pelo controlo da refinaria de Baiji, a maior do Iraque, mas em Outubro foi obrigada a recuar.

“Os argumentos para não atacar a infra-estrutura petrolífera nas mãos do EI são bem conhecidos – os custos da reconstrução pós-conflito e a destruição dos meios de ganhar a vida daqueles que dependem desta indústria”, escreveu no New York Times Tom Keating, director do Centro de Estudos de Crime Financeiro e Estudos de Segurança no Royal United Services Institute (Reino Unido). “Mas o preço de atrasar os bombardeamentos vê-se em Beirute, no Egipto e Paris”, onde houve atentados do EI.

Quanto ao bombardeamento das longas filas de camiões cisternas que muitas vezes se vêm rumo à Turquia, os militares contorcem-se de dúvidas: podem ser apenas civis a conduzi-los, que tentam ganhar a vida num ambiente de guerra. “Os apelos para que se bombardeiem alvos petrolíferos exageram a dependência do Estado Islâmico dos rendimentos do petróleo”, afirma, no mesmo jornal, Hassan Hassan, analista da Chatham House e co-autor do livroISIS: por dentro do Estado do terror (Leya).

“Os bombardeamentos, em especial no Leste da Síria, estão a pôr em causa as formas de vida de muitas pessoas que dependiam do comércio, transporte e outras actividades relacionadas com o petróleo, antes do EI controlar as áreas em que vivem”, sublinha. O mercado negro foi a forma de continuarem a ter meios de sobrevivência, depois do colapso do Governo de Bashar al Assad. “Algumas famílias estão a enviar os seus filhos para as fileiras do EI, como a única forma de obter um rendimento mensal”, frisa.

Taxas e extorsão

Ter o controlo efectivo de um território é a originalidade do Estado Islâmico. É o seu ponto forte, pois pode impor as mais variadas taxas às pessoas que lá vivem, e apropriar-se dos recursos produzidos. A extorsão e a imposição de taxas com inspiração corânica podem render 600 milhões de dólares anuais (565 milhões de euros) ao EI e deve ser a sua principal fonte de rendimento, dizem vários analistas. Só na cidade iraquiana de Mossul, deverá obter oito milhões de dólares em impostos por mês, diz um relatório da Thomson Reuters.

No entanto, pode também ser o seu ponto fraco, pois tem de administrar o território, assegurar os serviços mínimos a quem lá vive. Isto ao mesmo tempo que mantêm uma guerra sangrenta contra Assad e seus aliados, contra outros grupos rebeldes e são bombardeados pela coligação internacional liderada pelos EUA e agora também pela Rússia.

Como é a vida no Estado Islâmico?

Os jihadistas “impõem um contrato social em que os muçulmanos consentem em pagar taxas e contribuições de caridade obrigatórias em troca de protecção e benefícios, enquanto súbditos do califado”, explica num artigo dothink tank Brookings Institution Mara Revkin, que está a fazer um doutoramento sobre os processos de governação de grupos rebeldes como o EI.

O sistema de taxas do EI baseia-se numa leitura selectiva de interpretações medievais do Corão, diz Mara Revkin, para impor três grandes tipos de taxas: o Zakat é a contribuição obrigatória de uma percentagem dos ganhos totais dos muçulmanos – tradicionalmente é de 2,5%, mas o EI aumentou-a para 5%. Para além dos salários, pode ser aplicada a produtos agrícolas, por exemplo – e o EI deitou mão a grande parte dos territórios agrícolas da Síria e do Iraque, onde é produzida grande parte do trigo e da cevada daqueles países. Mesmo vendendo estes cereais no mercado negro a 50% do preço normal, a Reuters estima que o EI obtenha cerca de 200 milhões de dólares anuais

Fay é o tributo pago em dinheiro ou terras pelos não-crentes – e há relatos de valores diferentes impostos a cristãos e outras minorias. A Ghanima refere-se aos bens móveis retirados pela força aos não muçulmanos numa campanha militar, como escravos e armas. Um quinto (khums) deve ser destinado para o erário público, e os restantes 80% podem ser distribuídos entre os combatentes, explica a investigadora.

Mas todas estas taxas podem multiplicar-se, tornando-se verdadeiras extorsões: é preciso pagar uma taxa para usar os serviços de telecomunicações, para tirar dinheiro do banco, para comprar seja o que for. Os camiões e outros veículos que passem pelas estradas do Norte do Iraque têm de pagar 800 dólares de portagem, diz ainda a Reuters.

Dentro dos esquemas de extorsão cabem ainda os raptos para obter resgates. Os EUA e o Reino Unido recusam-se a pagar por cidadãos seus que tenham sido raptados, mas outros países terão pago alguns milhões de dólares ou euros – em 2014, o EI poderá ter recebido cerca de 45 milhões de dólares, estima um relatório do Congresso norte-americano. E mesmo cidadãos locais serão raptados frequentemente – embora nestes casos os resgates pedidos sejam muito menores, com valores que podem rondar os 500 dólares.

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A insatisfação com o sistema de taxas e extorsão do EI estará a crescer, pelo que se conclui dos relatos que chegam ao Ocidente. Talvez pela falta de perspectivas para a população sob o seu jugo, ou por causa da evolução do sistema de controlo do território posto em prática pelos jihadistas, explicado por Mara Revkin.

Quando o EI se apropria de um novo território, as suas prioridades são restaurar os serviços básicos, como a água e a electricidade. Em alguns locais, pôs a funcionar as panificações, para fornecer pão grátis ou a preços subsidiados. Os produtos que entram no território são adquiridos pelo EI e depois vendidos à população – com taxas, que se foram agravando. Começam depois uma campanha de repressão do crime vulgar – ladrões, traficantes, violadores, assassinos comuns.

Só então é que o EI começa a regular a moral pública e as práticas religiosas. Primeiro, as pessoas começam por ser encorajas a deixar de beber e fumar de forma educada. Se não o fazem a bem, começam a ser sujeitas a violência, e são introduzidos castigos corporais para quem for apanhado a vender ou a consumir cigarros ou álcool. O medievalismo do EI e a sociedade em dois andares – guerrilheiros e o resto da população – afirma-se com o avançar do tempo.

Tráfico de antiguidades

Esta será a segunda maior fonte de rendimentos do Estado Islâmico. Vários museus ficaram sob o seu controlo, e vários locais arqueológicos também. Algumas relíquias são destruídas para efeitos de propaganda, como está a acontecer na cidade de Palmira. Mas as peças facilmente transportáveis são traficadas para o estrangeiro, sobretudo para a Europa, onde há compradores para peças que, a não ser ilegalmente, nunca seriam transaccionadas.

Quem quiser escavar – ou roubar o que encontrar – nos sítios arqueológicos sírios paga uma taxa: 20% sobre o valor do que encontrar em Alepo, depois de efectuada a transacção com receptadores autorizados pelo EI, 50% em Raqqa. Um relatório do Congresso dos EUA estima em 100 milhões por ano os rendimentos do EI com a venda ilícita de objectos arqueológicos.

A questão é descobrir o percurso que estas peças fazem, depois de saírem da Síria ou do Iraque, através da Turquia ou de Beirute, e de terem sido branqueadas com documentação falsa sobre a sua origem. Começam a surgir algumas denúncias de que estarão a ser vendidos em leilões na Europa, ou em lojas sem escrúpulos em relação a peças vindas de regiões de conflito. Por exemplo, o especialista em Médio Oriente também do University College de Londres Mark Altaweel encontrou numa loja da capital britânica objectos que “muito provavelmente vêm do Iraque e da Síria”, contou ao Guardian.

Um fragmento de vidro rudimentar, uma estatueta minúscula, um baixo-relevo em osso – peças com características tão distintivas que só podem ter vindo de uma zona específica, na área controlada agora pelo Estado Islâmico, afirmou. “O facto de estarem à venda tão abertamente em Londres diz-nos a escala deste tráfico – estamos a ver apenas a ponta final”, comentou Altaweel.

sábado, 28 de novembro de 2015

Até que enfim!...


FERNANDO KA   28/11/2015

António Costa veio fazer justiça à minoria negra portuguesa.

Será o princípio da Primavera do afro-português, ou seja, o raiar da aurora da integração da comunidade luso-negra na sociedade de todos nós? Muito se tem falado sobre a integração dos negros portugueses, mas, nada tem sido feito até ao momento, a não ser a enfadonha proliferação dos discursos temáticos sobre o assunto, embora sem a substância prática no terreno.

Ora, nem sempre o aparecimento de uma andorinha configura o prenúncio da Primavera. Contudo, pode suscitar a expectativa de que os dias risonhos estarão para breve. Mas, a ver vamos. A nomeação de uma negra pela primeira vez para exercer um alto cargo no país que se orgulha de ser de brandos costumes e de primeiro a levar a civilização e a cruz de Cristo às terras africanas e, por outro lado, o último a abandoná-las por força das circunstâncias de luta pelas respectivas independências.

António Costa, ao contrário dos outros líderes políticos, eivados de preconceitos raciais, veio fazer justiça à minoria negra portuguesa, libertando-a do ostracismo a que tem sido votada. As figuras políticas deste país ainda não compreenderam que a posição de destaque dos negros luso-africanos constituem uma charneira no aprofundamento do relacionamento entre ambos os povos de aquém e além mar.

Portugal deveria ter seguido há muito mais tempo o exemplo dos ingleses e franceses na integração dos negros nacionais oriundos das suas ex-colónias em lugares de visibilidade pública. Por isso, há que louvar a coragem de António Costa, ao romper com a tradição segregadora, permitindo que um membro da comunidade negra fizesse parte do elenco governativo.

Portugal não pode continuar a fazer de conta que a integração está feita e nada mais há para fazer, ludibriando os incautos de que é o melhor país da integração no contexto europeu. A integração não pode ser confundida com a tolerância de encolher os ombros, sinal de deixa estar. É mais do que isso. Significa a participação na partilha comum e nas decisões sobre todos os assuntos de interesse colectivo. Neste caso, quem é parte integrante da sociedade não deveria ser excluído pela mera diferença da côr da sua pele.

Os cidadãos têm todos os mesmos direitos e deveres perante o seu país e deveriam ser avaliados pelas suas competências e dedicação à causa comum. Mas uma sociedade em que se manifestam preconceitos raciais faz, exactamente, o contrário, revelando a sua incapacidade de conhecer a verdadeira essência da natureza humana na sua múltipla diversidade. Um racista é um ignorante pobre de espírito.

Dirigente da Associação Guineense de Solidariedade Social

Acabou!!!! Acabou. Acabou?


JOSÉ PACHECO PEREIRA    28/11/2015

Experimentem dizer “acabou” junto de uma das inumeráveis vítimas destes anos de “ajustamento” e vão ver como é a resposta.

Acabou!!!!

Experimentem dizer “acabou” junto de uma das inumeráveis vítimas destes anos de “ajustamento” e vão ver como é a resposta. Eu já experimentei várias formas e têm todas um ponto de exclamação no fim ou outro qualquer expletivo. Ou é um suspiro fundo de quem atravessou um trajecto complicado e, chegado a outro lado, respira longamente de alívio; ou é um alto e sonoro “acabou” como antes do 25 de Abril se chegava ao “às armas” da Portuguesa e de repente toda a gente gritava a plenos pulmões; ou é uma espécie de vingança saborosa em ver na mó de baixo aqueles que sempre entenderam que têm o direito natural de estar na mó de cima.

Ou há mesmo uma variante irónica, como se o “acabou” fosse semelhante ao do episódio dos Monty Python em que uma personagem num pub dizia para um eleitor circunspecto do PAF ao lado “you know what I mean?” e tocava-lhe nos braços numa cumplicidade admitida. Wink, wink. No episódio, depois queria vender-lhe fotografias pornográficas: “you know what I mean?” Aqui, era uma fotografia de Cavaco Silva a “indicar” António Costa, wink, wink. Até eu fico da escola do engraçadismo, imaginando alguns personagens que andaram a insultar a nossa inteligência, a mentir-nos descaradamente, e a atacar o bolso dos que não se podiam defender, culpando-os de “viverem acima das suas posses” e de serem “piegas”.

“You know what I mean?”. Piu-pius governamentais que vivem no Twitter; irrevogáveis de geometria variável; o “impulsionador jovem” que aos saltos no palco dizia à assistência “ó meu, isso da história não serve para nada”; os “justiceiros geracionais” que queriam tirar as reformas aos pais e avós para em nome de uns abstractos filhos e netos as darem a “outros” pais e avós, bem vivos e presentes, em nome da “estabilidade do sistema financeiro”; os neo-malthusianos que nos encheram de simplismos gráficos em que se escolhiam os parâmetros e se excluíam outros para concluir que “não há alternativa”; os arrojados ultra-liberais, que queimam o valor dessa bela palavra de liberdade, e que proclamam que nunca, jamais e em tempo algum quereriam “casar” com as “esganiçadas” do Bloco, sem sequer perceber o que lhes diz o espelho; as mil e um personagens ridículos cuja desenvoltura vinha de terem poder, estarem encostados ao poder e entenderem que tinham impunidade para pisar os outros porque eram mais fracos e tinham menos defesas. Vamos todos dançar a tarantela para expulsar o veneno.

Acabou!!! Sabem ao que me refiro? Sabem, sabem. Bem demais.

Acabou.

Acabou. Percebe-se no ar que chegou ao fim uma época, um momento da nossa vida colectiva e que existe um desejado ponto sem retorno. E, na verdade, para “aquilo” já não é possível voltar, pode ser para outra coisa pior ou para outra coisa diferente, mas para o mesmo já não há caminho.

O modo como “acabou” conta muito, porque é diferente dos modos tradicionais da vida política portuguesa. Se o governo PSD-PP tivesse acabado nas urnas por uma vitória do PS mesmo tangencial, o efeito de ruptura estaria muito longe de existir, mesmo que o governo PS não fizesse muito de diferente do que o actual governo minoritário vai fazer. Foi a ecologia da vida política portuguesa que mudou, com o fim da tese do “arco de governação” e, mais do que qualquer solução, que pode ser precária, não durar ou acabar mal, acabou a hegemonia de uma das várias construções que suportavam a ideologia autoritária que minava a democracia nestes dias, a do “não há alternativa”.

Acabaram os votos de primeira e os de segunda, com o escândalo de também os votos de um torneiro numa oficina de reparações, que faz todas as opções erradas e tribunícias, é sindicalizado nos metalúrgicos, vive na margem sul, e vota na CDU, também valer para que haja um governo de pacíficos funcionários públicos e professores que votam no PS, ex-membro do “arco da governação”. Não é por amor ao governo de Costa, nem ao PS, é outra coisa, é porque não queriam os “mesmos” e foi essa força que os fez acabar. Vem aí o PREC? Se a asneira pagasse multa podíamos enviar os asneirentos num pacote para pagar a dívida e ainda ficávamos com um superavit.

Pode até não mudar muito, porque já mudou muito.

Acabou?

Não. Há muita coisa que não acabou. Há um rastro de estragos, uns materiais e outros espirituais, que não vão ser fáceis ou sequer possíveis de superar numa geração. Sempre que um jornalista fizer a pergunta pavloviana de “quem paga?” ou “quanto custa?” só sobre salários, pensões e reformas, ou seja aquilo que interessa aos que tem menos e nunca faça a mesma pergunta em primeiro lugar, e muitas vezes único lugar, para tudo o resto, benefícios fiscais, impostos sobre os lucros, “resolução” de bancos, PPPs, swaps, etc. ainda não acabou. Sempre que alguém “explicar”, com um encolher irónico dos ombros e completa e absoluta indiferença, a ineficácia da fiscalidade sobre a riqueza, porque os capitais “deslocam-se” como água para outros sítios, para offshores, e podem sempre fugir, e por isso “não vale a pena” sequer admitir tentar taxá-los, ainda não acabou. Sempre que se considera como normal que quem manda em nós, eleitores, portugueses, Portugal, são uns burocratas de Bruxelas e uma elite de governos europeus, que nos governam por “instruções”, “directivas”, “regras”, interpretadas rigidamente para países como Portugal e com ampla folga para países como a França, ainda não acabou. Sempre que o dolo, a violação da confiança e dos contratos com os de “baixo” e a inviolabilidade com os de “cima”, continuar a ser a prática de um estado de má-fé, ainda não acabou. Sempre que se cultive, dissemine, impregne, envenene a vida pública com a indiferença com a pobreza, o desemprego, a quebra de qualidade de vida, a perda de dignidade quando se vê a casa penhorada , ou se perde o carro na frágil classe média que criamos depois do 25 de Abril, retirando da pobreza muitas famílias para lhes dar outros horizontes pelo trabalho e, aos seus filhos, pela educação, e se vê tudo isto como efeitos colaterais não se sabe de quê, embora se saiba para quem, ainda não acabou. Sempre que se despreza os que vivem com dificuldades do seu trabalho e se valorize a esperteza e o subir na vida, ainda não acabou. Sempre que se violam direitos sociais, protecções aos que menos força têm, reivindicações de gerações inteiras, ainda não acabou.

Sempre que se acha que isto é radicalismo e não decência, ainda não acabou.

sexta-feira, 27 de novembro de 2015

Não quero morrer assim de qualquer maneira…


A semana passada deixei de comer chouriços. E presunto. E fiambre. E mortadela!!! Esta semana deixei de comer queijo. “Afecta a mesma molécula das drogas duras”, dizia um estudo. Eu não quero ter nada a ver com isso, gosto muito de queijo, mas não quero ter nada a ver com drogas, muito menos ser visto como um agarrado ao queijo. Acabou-se com o queijo cá em casa. Também já tinha acabado com o pão, por isso…

O mês passado deixei de beber vinho branco. Um estudo dizia que fazia mal a não sei quê. Se calhar era cancro também. Passei a beber só tinto que dizia um estudo ser ideal para uma série de coisas. Esta semana voltei a beber branco porque entretanto saiu um estudo a dizer que afinal o branco até tem propriedades que fazem bem e muito tinto é que não. Comecei a reduzir no tinto mas, também, acho que compreendem, não quero morrer assim de qualquer maneira.

Cortei nas azeitonas também porque um estudo dizia que têm demasiada gordura, são muito insaturadas, ou lá o que é, mas não parece nada bom.

Andava praticamente a peixe até perceber que os portugueses comem peixe a mais e são, por isso, prejudiciais ao ambiente. Eu sei que não moro no continente mas como sou português, e ainda contam todos para o estudo, sei lá, os que estão e os que não estão, e como eu não quero ser acusado de inimigo do ambiente, ando a cortar no peixe também. Especialmente no atum que está cheio de chumbo e o bacalhau também porque causa daquele estudo que saiu sobre a quantidade de sal mas, também, acho que compreendem, não quero morrer assim de qualquer maneira.


Esta semana saiu um estudo a dizer que afinal o vinho em geral faz mal. Fiquei devastado. Há dois meses foram as couves roxas. Vi até um especialista na televisão dizer que não devíamos comer nada cuja cor seja roxa; “é sinal que não é para comer”, dizia. Arroz também quase não como porque engorda, quanto mais esfregado pior, e saiu um estudo a dizer que implica com uma função qualquer mais ou menos delicada. Não é a reprodutora porque acho que essa é com a soja. Dá hormonas femininas aos homens, e consequentes mamas, o raio da soja (!) e prejudica as funções todas. Não, soja nem pensar!

Leite também já há muito que me livrei dele. Foi, salvo erro, desde que saiu um estudo a dizer que o nosso corpo não está preparado para leites. Por isso, leite não. Sumos de frutas também dispenso enquanto não resolverem o problema levantado no estudo que apontava para… não sei muito bem para quê, mas apontava e não era nada excitante mas, também, acho que compreendem, não quero morrer assim de qualquer maneira.

Carne vermelha, claro, também não. Ataca o coração, diz o estudo. Galinha nem sonhar porque umas estão cheias de gripe e as outras encharcadas de antibióticos. Além de que carne de galinha a mais, como dizia outro estudo, impacta com o desenvolvimento dental, o que até parecia óbvio mas ninguém percebia, pois as galinhas não desenvolvem dentes. Cortei a galinha há muito tempo. Porco? Só a brincar. É óbvio que não há cá porco. Não chegassem as salsichas e afins ainda veio este outro estudo, ou ainda não leu? Pois então, diz que o excesso de carne de porco pode provocar uma diminuição de massa cinzenta e o aumento dos ciclos atópicos do mastoideu singular. Ninguém quer passar por isso! Você quer? Eu não mas, também, acho que compreende, não quero morrer assim de qualquer maneira. Esqueça-se a carne de porco, pelo amor da santa!

Ah!… Já me esquecia do glúten! Glúten, também não. É que nem pensar! Durante muitos anos nem sabia que existia, mas desde que me apercebi da existência de semelhante coisa arredei tudo o que tivesse glúten. Deixa-me pouca escolha mas, também, acho que compreendem, não quero morrer assim de qualquer maneira.

Ovos! Claro que também não como ovos. Primeiro porque não sou nenhum ovíparo e depois por causa das quantidades de coisas que aquele estudo que saiu a semana passada dizia. É um rol senhores, um rol e colesterol! Vão ver e admirem-se! Os ovos! Quem diria os ovos… Enfim, é a vida: ovos nem vê-los! Como a manteiga: é só gordura! Desde que acabei com o pão e com o queijo, a manteiga também, por assim dizer, deixou de fazer falta. Ainda a usava para fritar ovos mas agora também não se pode comer ovos… Pois, a manteiga, dizia o estudo, é só gordura animal e animais não devem comer a gordura uns dos outros. Pareceu-me um bom fundamento e acabei com a manteiga.


Ia fazer uma salada. Sem muito azeite, claro, porque, compreendem, não quero morrer assim de qualquer maneira, sem sal, naturalmente e vinagre só do orgânico, porque, compreendem, não quero morrer assim de qualquer maneira…

É quando recebo um email com o título “Novo Estudo Aconselha a Ingestão Moderada de Saladas e Hortaliças”.

Enchi um copo de água, filtrada, naturalmente, de garrafa de vidro e sorvi um golo ávido. Espero que não me faça mal.