31 Julho 2015, por Baptista Bastos
Se quiser saber o que realmente ocorre, tem de frequentar a imprensa estrangeira, tal como no fascismo. Este reino cadaveroso está envolvido num lamaçal de condescendências e de cumplicidades, que afecta a própria alma do que somos.
A decadência portuguesa acentuou-se nos últimos quatro anos. O universo de embuste criado com o "empobrecimento" da população; a "austeridade" imposta por uma ideologia que ignora as características, a cultura e a História do país criaram uma apatia de desistência, já marcada anteriormente e acentuada agora. Não há debate político ou cultural; inculcou-se no português médio o fetiche do futebol; as revistas cor-de-rosa deram lugar a um universo fantasioso; e a imprensa, aquela que tinha por dever, obrigação e destino, está moribunda e pertence a grupos industriais com objectivos e funções especiais, que pouco têm a ver com a própria natureza do "produto."
É penoso ler a imprensa dita de "referência", estafada em desaforar o leitor dos grandes problemas nacionais e internacionais. A caso da Grécia, nos nossos jornais, foi e tem sido tratado com uma leviandade e uma displicência que brada aos céus. Nem nos tempos do fascismo, com censuras internas e externas, eram analisados temas como quem despacha um fardo enfadonho. Nem durante a guerra do Vietname, que seguimos com a atenção que o conflito justificava, a imprensa portuguesa desceu tão baixo. Então, como agora, tratava-se de um acto de beligerância, cuja natureza exprimia uma ideologia de supremacia, que conduzira a um embate sangrento. As pessoas, em todo o mundo, tomaram partido, na maioria dos casos com evidente simpatia pelos vietnamitas. Na contenda entre a Grécia, foi rapidamente percebido o que estava em causa, mesmo que os jornais, as rádios e as televisões fossem omissos em abordar a essência da beligerância, e a capitulação do Syriza não deixou de magoar muita gente, pela evidente humilhação de um povo, cercado pelas garras do capitalismo mais exacerbado.
No ponto da situação, há uma luta de classes e de poder que pode arrastar a Europa para um abismo profundíssimo. A questão é que deixou de existir analistas que, pedagogicamente, explicassem o que está em jogo, e os perigos decorrentes de uma Europa atrozmente desunida, que não passa de uma cabisbaixa serventuária da Alemanha. As coisas devem ser ditas pelo próprio carácter do enredo.
Na discórdia europeia, Passos Coelho colocou-se, obediente e sabujo, ao lado de Angela Merkel, tal como, anteriormente, o fizera José Sócrates. Nesta parada de serviçais, não o esqueçamos, o único partido que sempre recalcitrou foi, e tem sido, o PCP. Goste-se ou não, os comunistas portugueses têm pelejado contra a subserviência dos nossos governos e alertado para a urgente necessidade de Portugal sair desta Europa defeituosa. Nada desta problemática é tratada, com a seriedade exigida, pelos órgãos de comunicação sociais. Se quiser saber o que realmente ocorre tem de frequentar a imprensa estrangeira, tal como no fascismo. Este reino cadaveroso está envolvido num lamaçal de condescendências e de cumplicidades, que afecta a própria alma do que somos. "Um fraco rei faz fraca as fortes gentes", disse-o o Poeta, melhor do que ninguém.
Um autor fora do curso
Sempre gostei muito de Tomaz de Figueiredo, do seu temperamento sacudido e trágico, mas, sobretudo, dos seus livros, da requintada nobreza do seu carácter, do seu acrisolado gosto em ser português. Conheci-o, e disse-lhe o que acima escrevo. Ele apreciava quem o apreciava, e falou-me, várias vezes, no Manuel Poppe, grande crítico literário que nutria por ele grande estima e admiração. A verdade é que cada vez gosto mais deste homem raro e deste escritor invulgar, um pouco maltratado pela "inteligentzia" da época, a qual não suportava o seu génio e a sua truculência vital. A família do grande escritor reuniu, em volume, "Pedra d'Armas", uma série de textos avulsos, mas que marcam e definem a essência única deste prosador. Ler Tomaz de Figueiredo é ter um encontro inesquecível com um dos nossos maiores dos maiores.