sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

SEXALESCENTES



GENERALIZÁVEL, REFLETE UMA QUESTÃO MUITO ATUAL, COM MUITA OPORTUNIDADE E REALISMO....!

SEXALESCENTES

Se estivermos atentos, podemos notar que está surgindo uma nova faixa social, a das pessoas que estão em torno dos sessenta/setenta anos de idade, os sexalescentes é a geração que rejeita a palavra "sexagenário", porque simplesmente não está nos seus planos deixar-se envelhecer.


Trata-se de uma verdadeira novidade demográfica, parecida com a que em meados do século XX, se deu com a consciência da idade da adolescência, que deu identidade a uma massa jovens oprimidos em corpos desenvolvidos, que até então não sabiam onde meter-se nem como vestir-se.

Este novo grupo humano, que hoje ronda os sessenta/setenta, teve uma vida razoavelmente satisfatória.

São homens e mulheres independentes, que trabalham há muitos anos e que conseguiram mudar o significado tétrico que tantos autores deram, durante décadas, ao conceito de trabalho. Que procuraram e encontraram há muito a atividade de que mais gostavam e que com ela ganharam a vida.Talvez seja por isso que se sentem realizados... Alguns nem sonham em aposentar-se. E os que já se aposentaram gozam plenamente cada dia sem medo do ócio ou solidão. Desfrutam a situação, porque depois de anos de trabalho, criação dos filhos, preocupações, fracassos e sucessos, sabe bem olhar para o mar sem pensar em mais nada, ou seguir o voo de um pássaro da janela de um 5.º andar....

Neste universo de pessoas saudáveis, curiosas e ativas, a mulher tem um papel destacado. Traz décadas de experiência de fazer a sua vontade, quando as suas mães só podiam obedecer, e de ocupar lugares na sociedade que as suas mães nem tinham sonhado ocupar.

Esta mulher sexalescente sobreviveu à bebedeira de poder que lhe deu o feminismo dos anos 60. Naqueles momentos da sua juventude em que eram tantas as mudanças, parou e refletiu sobre o que na realidade queria.


Algumas optaram por viver sozinhas, outras fizeram carreiras que sempre tinham sido exclusivamente para homens, outras escolheram ter filhos, outras não, foram jornalistas, atletas, juízas, médicas, diplomatas... Mas cada uma fez o que quis. Reconheçamos que não foi fácil e, no entanto, continuam a fazê-lo todos os dias.

Algumas coisas podem dar-se por adquiridas.

Por exemplo, não são pessoas que estejam paradas no tempo: a geração dos "sessenta/setenta", homens e mulheres, lida com o computador como se o tivesse feito toda a vida. Escrevem aos filhos que estão longe e até se esquecem do velho telefone para contatar os amigos - mandam e-mails com as suas notícias, ideias e vivências.

De uma maneira geral estão satisfeitos com o seu estado civil e quando não estão, não se conformam e procuram mudá-lo. Raramente se desfazem em prantos senti mentais.Ao contrário dos jovens, os sexalescentes conhecem e pesam todos os riscos.Ninguém se põe a chorar quando perde: apenas reflete, toma nota, e parte para outra...

... Os homens não invejam a aparência das jovens estrelas do desporto, ou dos que ostentam um fato Armani, nem as mulheres sonham em ter as formas perfeitas de um modelo.Em vez disso, conhecem a importância de um olhar cúmplice, de uma frase inteligente ou de um sorriso iluminado pela experiência.

Hoje, as pessoas na década dos sessenta/setenta, como tem sido seu costume ao longo da sua vida, estão estreando uma idade que não tem nome. Antes seriam velhos e agora já não o são. Hoje estão de boa saúde, física e mental, recordam ajuventude mas sem nostalgias parvas, porque a juventude ela própria também está cheia de nostalgias e de problemas.

Celebram o sol em cada manhã e sorriem para si próprios...Talvez por alguma secreta razão que só sabem e saberão os que chegam aos 60/70 no século XXI!


Mirian Goldenberg

quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

Apresentar Portugal

Apresentar Portugal

Carta aberta a um DUX



Dux:

Ando aqui com esta merda entalada há já algum tempo. A ouvir as diferentes versões, a pensar nas dúvidas e a pôr-me no lugar das pessoas. Tento pôr-me no lugar dos pais dos teus colegas que morreram. Mas não que...ro. É um lugar que não quero nem imaginar. É um lugar que imagino ser escuro e vazio. Um vazio que nunca mais será preenchido. Nunca mais, Dux. Sabes o que é isso? Sabes o que é "nunca mais"?

A história que te recusas a contar cheira cada vez mais a merda, Dux. Primeiro não falavas porque estavas traumatizado e em choque por perderes os teus colegas. Até acreditei que estivesses. Agora parece que tens amnésia selectiva. É uma amnésia conveniente, Dux. Curiosamente, uma amnésia rara resultante de uma lesão cerebral de uma zona específica do cérebro. Sabias Dux? Se calhar não sabias. Resulta normalmente de um traumatismo crânio-encefálico. Portanto Dux, deves ter levado uma granda mocada na cabeça. Ou então andas a ver se isto passa. Mas isto não é uma simples dor de cabeça, Dux. Isto não vai lá com o tempo nem com uma aspirina. Já passou mais de 1 mês. Continuas calado. Mas os pais dos teus colegas têm todo o tempo do mundo para saber a verdade, Dux. E vão esperar e lutar e espremer e gritar até saberem. Porque tu não tens filhos, Dux. Não sabes do que um pai ou uma mãe é capaz de fazer por um filho. Até onde são capazes de ir. Até quando são capazes de esperar.

Vocês, Dux... Vocês e os vossos ridículos pactos de silêncio. Vocês e as vossas praxes da treta. Vocês e a mania que são uns mauzões. Que preparam as pessoas para a vida e para a realidade à base da humilhação, da violência e da tirania. Vou te ensinar uma coisa, Dux. Que se calhar já vai tarde. Mas o que prepara as pessoas para a vida é o amor, a fraternidade, a solidariedade e o civismo. O respeito. A dignidade humana e a auto-estima. Isso é que prepara as pessoas para a vida, Dux. Não é a destruí-las, Dux. É ao contrário. É a reforçá-las.

Transtorna-me saber que 6 colegas teus morreram, Dux. Também te deve transtornar a ti. Acredito. Mas devias ter pensado nisso antes. Tu que és o manda-chuva, e eles também, que possivelmente se deixaram ir na conversa. Tinham idade para saber mais. Meco à noite, no inverno, na maior ondulação dos últimos anos, com alerta vermelho para a costa portuguesa? Achavam mesmo que era sítio para se brincar às praxes, Dux? Ou para preparar as pessoas para a vida? Vocês são navy seals, Dux? Estavam a preparar-se para alguma missão na Síria? Enfim. Agora sê homenzinho, Dux. E fala. Vá. És tão dux para umas coisas e agora encolhes-te como um rato. Sabes o que significa dux, Dux? Significa líder em latim. Foste um líder, Dux, foste? Líderes não humilham colegas. Líderes não "empurram" colegas para a morte. Líderes lideram por exemplo. Dão o peito e a cara pelos colegas. Isso é um líder, Dux.

Não sei o que isto vai dar, Dux. Não sei até que ponto vai a tua responsabilidade nesta história toda. Mas a forma como a justiça actua neste país pequenino não faz vislumbrar grande justiça. És capaz de te safar de qualquer responsabilidade, qualquer que ela seja. Espero enganar-me. Vamos ver. O que eu sei é que os pais que perderam os filhos precisam de saber o que aconteceu. Precisam mesmo, Dux. É um direito que eles têm. É uma vontade que eles precisam. Negá-los disso, para mim já é um crime, Dux. Um crime contra a humanidade. Uma violação dos direitos humanos fundamentais. Só por isso Dux, já devias ser responsabilizado. É tortura, Dux. E a tortura é crime.

Sabes, quero me lembrar de ti para o resto da vida, Dux. Sabes porquê? Porque não quero que o meu filho cresça e se torne num dux. Quero que ele seja o oposto de ti. Quero que ele seja um líder e não um dux. Consegues pereceber o que digo, Dux? Quero que ele respeite todos e todas. Que ele lidere por exemplo. Que ele não humilhe ninguém. Que seja responsável. Que se chegue à frente sempre que tenha que assumir responsabilidades. Que seja corajoso e não um rato nem um cobardezinho. Que seja prudente e inteligente. E quero me lembrar também dos teus colegas que morreram. Porque não quero que o meu filho se deixe "mandar" e humilhar por duxezinhos como tu. Não quero que ele se acobarde nem se encolha perante nenhum duxezinho. Quero que ele saiba dizer "não" quando "não" é a resposta certa. Quando "não" pode salvar a sua dignidade, o seu orgulho ou até a sua vida. Quero que ele saiba dizer "basta" de cabeça erguida e peito cheio perante um duxezinho, um patrãozinho, um governozinho ou qualquer tirano mandão e inseguro que lhe apareça à frente. É isso que eu quero, Dux. Quem o vai preparar para a vida sou eu e a mãe dele, Dux. Não é nenhum dux nem nehuma comissão de praxes. Sabes porquê, Dux? Porque eu não quero um dia estar à espera de respostas de um cobarde com amnésia selectiva. Não quero nunca sentir o vazio dos pais dos teus colegas. Porque quero abraçar o meu filho todos os dias da minha vida até eu morrer, Dux. Percebeste? Até EU morrer. EU, Dux. Não ele.

A HISTÓRIA UNIVERSAL DA INFÂMIA




Entre os portugueses e a luxúria do poder, Passos Coelho escolheu o poder. Fica registado.

«Este Governo, o de Pedro Passos Coelho, nasceu de uma infâmia. No livro "Resgatados", de David Dinis e Hugo Coelho, insuspeitos de simpatias por José Sócrates, conta-se o que aconteceu. O então primeiro-ministro chamou Pedro Passos Coelho a São Bento para o pôr a par do PEC4, o programa que evitava a intervenção da troika em Portugal e que tinha sido aprovado na Comissão Europeia e no Conselho Europeu, com o apoio da Alemanha e do BCE, que queriam evitar um novo resgate, depois dos resgates da Grécia e da Irlanda.
Como conta Sócrates na entrevista que hoje se publica, Barroso sabia o quanto este programa tinha custado a negociar e concordava com a sua aplicação, preferível à sujeição aos ditames da troika, uma clara perda de soberania que a Espanha de Zapatero e depois de Rajoy evitou.
Pedro Passos Coelho foi a São Bento e concordou. O resto, como se diz, é história. E não é contada por José Sócrates que um dia a contará toda. No livro conta-se que uma personagem chamada Marco António Costa, porta-voz das ambições do PSD, entalou Passos Coelho entre a espada e a parede. Ou havia eleições no país ou havia eleições no PSD. Pedro Passos Coelho escolheu mentir ao país, dizendo que não sabia do PEC4. Cavaco acompanhou. E José Sócrates demitiu-se, motivo de festa na aldeia.

Detenho-me nesta mentira porque, quando as águas se acalmam no fundo poço, é o momento de nos vermos ao espelho. Pedro Passos Coelho podia ter agido como um chefe político responsável e ter recusado a chantagem do seu partido. Podia ter respondido ao diligente Marco António que o país era mais importante do que o partido e que um resgate seria um passo perigoso para os portugueses. Não o fez. Fraquejou.

Um Governo que começa com uma mentira e uma fraqueza em cima de uma chantagem não acaba bem. Houve eleições, esse momento de vindicação do pequeno espaço político que resta aos cidadãos, e o PSD ganhou, proclamando a sua pureza ideológica e os benefícios da anunciada purga de Portugal. Os cidadãos zangados com o despesismo de José Sócrates e do PS, embarcaram nesta variação saloia do mito sebástico. O homem providencial. Os danos e o sofrimento que esta estupidez tem provocado a Portugal são impossíveis de calcular. Consumada a infâmia, a campanha contra José Sócrates continuou dentro de momentos. Todos os dias aparecia uma noticiazinha que espalhava pingos de lama, ou o Freeport, ou a Face Oculta, ou a TVI, ou todas as grandes infâmias de que Sócrates era acusado. Ao ponto do então chefe do Bloco de Esquerda, Francisco Louçã, que se tinha aliado ao PCP e ao PSD para deitar o Governo abaixo e provocar a demissão e eleições (no cálculo eleitoralista misturado com a doutrina esquerdista que ignorava a realidade e as contas de Portugal), me ter dito numa entrevista que considerava "miserável" a "campanha pessoal" da direita contra Sócrates. Palavras dele.
Aqui chegados, convém recordar o que o Governo de Passos Coelho tem dito e feito. Recordar as prepotências de Miguel Relvas, os despedimentos, os SMS, os conluios entre a Maçonaria e os serviços secretos, os relatórios encomendados, os escândalos, a ameaça da venda do canal público ao regime angolano, e, por fim, o suave milagre de um inexistente diploma. Convém recordar as mentiras sobre o sistema fiscal, os cortes orçamentais, a adiada e nunca apresentada reforma do Estado, as privatizações apressadas e investigadas pelo MP, os negócios e nomeações, a venda do BPN, as demissões (a de Gaspar, a "irrevogável" de Portas), as mentiras de Maria Luís, os swaps e, por último, cúmulo das dezenas de trapalhadas, o espetáculo da "Razão de Estado" vista pela miopia de Rui Machete. Convém recordar que na semana da demissão de José Sócrates os juros do nosso financiamento externo passaram de 7% para 14%. E os bancos avisaram-no de que não aguentavam. Sócrates sentou-se e assinou o memorando.

Que o atual primeiro-ministro não hesitasse, mais uma vez, em invocar um segundo resgate para ganhar as eleições autárquicas que perdeu, diz tudo sobre a falta de escrúpulos deste Governo, a que se soma a sua indigência, a sua incompetência, o seu amadorismo. A intransigência. Este é o problema, não a austeridade.

José Sócrates foi estudar. Escreveu uma tese, agora em livro, que o honra porque tem um ponto de vista bem argumentado, politicamente corajoso vindo de um ex-primeiro-ministro. E vê-se que sabe o que diz. Podem continuar a odiá-lo, criticá-lo, chamar-lhe nomes. Não alinho nas simpatias ou antipatias pela personagem, com a qual falei raras vezes. O que não podem é culpá-lo de uma infâmia que levou o país ao colapso político, financeiro, cívico e moral.

Entre os portugueses e a luxúria do poder, Passos Coelho escolheu o poder. Fica registado».


Clara Ferreira Alves

PORQUE A VERDADE É DURA,MAS OS VIGARISTAS ABUNDAM !!!!!



A meta do défice para 2013 era de 4,5% do PIB, foi posteriormente em Junho renegociado a sua revisão para 5,5%.
De facto hoje é o dia do Santo IRS, São CES, São Perdão Fiscal Para Incumpridores, São Funcionário Público Expropriado, Santo ADSE Excedentário, até do São Troika Perdulário em relação à prenda de Natal para o BANIF.
NÃO POSSO MAIS COM TANTA MENTIRA! Trata-se de uma manipulação criminosa com a colaboração do “falso jornalismo”
O mais grave desta política é a destruição do muito de bom que se tinha feito, mais por invejas e complexos de um líder pequenino do que por qualquer política pensada. Mas também se aprendeu como um líder pequenino consegue fazer o que quer de todo um país sem qualquer oposição, ficámos a conhecer o povo que somos, a sentir o que é e ao que pode conduzir a cobardia colectiva.
Esta gente sem coragem para uma reforma da máquina do Estado, de alto a baixo, que passe pelo aproveitamento das capacidades, pelo combate ao desperdício e à duplicação, que comece na mais modesta freguesia e acabe na presidência da república, não se pode aspirar a mais que isto, apenas sabe saquear os rendimentos dos pensionistas, reformados e funcionários públicos, em especial e dos que vivem do salário em geral.
Os ditos “ténues sinais de recuperação económica” encobrem o ajustamento falhado e as reformas estruturais não realizadas. A dívida pública galopou para os 130% do PIB, para a qual qualquer técnico sério sabe perfeitamente que não temos capacidade para suportar, o Estado foi estrangulado mas não reformado, o ensino e a ciência incompreensivelmente amputados e a competitividade da economia cai nos rankings internacionais. As recentes migalhas de crescimento significam apenas que uma parte da economia conseguiu sobreviver ao tsunami da austeridade excessiva. Mas quantas empresas viáveis e competências valiosas não se perderam irreversivelmente? Quantos postos de trabalho, jovens saídos do país e famílias insolventes poderíamos ter poupado? É a nossa dívida mais sustentável agora? Podem umas migalhas de crescimento justificar e ilibar toda a destruição económica e social dos últimos 3 anos (e que deixará profundas marcas nos seguintes)? Quantos anos vamos demorar a recuperar o que foi perdido?
Esta gente mentem, e para isso sacrificam os seus próprios povos no altar deste capitalismo brutal e desumano, cujos objectivos são hoje por demais claros: estamos a caminho duma nova era de escravatura esta, porventura tão cruel e desumana como a anterior, embora, obviamente, aplicada em moldes diferentes
Nem já os “ditos mercados neles acreditam”…
“As yields das Obrigações do Tesouro (OT) no prazo a 10 anos voltaram a subir acima dos 5% no mercado secundário. A linha foi ultrapassada às 16h, segundo dados da Investing.com. Ontem tinham fechado em 4,89%.”

domingo, 26 de janeiro de 2014

A simplicidade calou a ARROGÂNCIA...



ESSA CALOU OS AMERICANOS.!!!
SHOW DO MINISTRO BRASILEIRO DE EDUCAÇÃO NOS ESTADOS UNIDOS Essa merece ser lida, afinal não é todo dia que um brasileiro dá um esculacho educadíssimo
nos americanos!

Durante debate em uma universidade, nos Estados Unidos,o ex-governador do
DF, ex-ministro da educação e atual senador CRISTÓVAM BUARQUE, foi
questionado sobre o que pensava da internacionalização da Amazônia.

O jovem americano introduziu sua pergunta dizendo que esperava a resposta
de um Humanista e não de um brasileiro.

Esta foi a resposta do Sr.Cristóvam Buarque:

"De fato, como brasileiro eu simplesmente falaria contra a
internacionalização da Amazônia. Por mais que nossos governos não tenham o
devido cuidado com esse patrimônio, ele é nosso.

"Como humanista, sentindo o risco da degradação ambiental que sofre a
Amazônia, posso imaginar a sua internacionalização, como também de tudo o
mais que tem importância para a humanidade.

"Se a Amazônia, sob uma ética humanista, deve ser internacionalizada,
internacionalizemos também as reservas de petróleo do mundo inteiro.O
petróleo é tão importante para o bem-estar da humanidade quanto a Amazônia
para o nosso futuro. Apesar disso, os donos das reservas sentem-se no
direito de aumentar ou
diminuir a extração de petróleo e subir ou não o seu preço."

"Da mesma forma, o capital financeiro dos países ricos deveria ser
internacionalizado. Se a Amazônia é uma reserva para todos os seres
humanos, ela não pode ser queimada pela vontade de um dono, ou de um país.
Queimar a Amazônia é tão grave quanto o desemprego provocado pelas
decisões arbitrárias dos especuladores globais. Não podemos deixar que as
reservas financeiras sirvam para queimar países inteiros na volúpia da
especulação.

"Antes mesmo da Amazônia, eu gostaria de ver a internacionalização de
todos os grandes museus do mundo. O Louvre não deve pertencer apenas à
França.
Cada museu do mundo é guardião das mais belas peças produzidas pelo gênio
humano. Não se pode deixar esse patrimônio cultural, como o patrimônio
natural Amazônico, seja manipulado e instruído pelo gosto de um
proprietário
ou de um país. Não faz muito, um milionário japonês,decidiu enterrar com
ele, um quadro de
um grande mestre. Antes disso, aquele quadro deveria ter sido
internacionalizado.

"Durante este encontro, as Nações Unidas estão realizando o Fórum do
Milênio, mas alguns presidentes de países tiveram dificuldades em
comparecer por constrangimentos na fronteira dos EUA. Por isso, eu acho
que Nova York,
como sede das Nações Unidas, deve ser internacionalizada. Pelo menos
Manhattan deveria pertencer a toda a humanidade. Assim como Paris, Veneza,
Roma, Londres, Rio de Janeiro, Brasília, Recife, cada cidade, com sua
beleza específica, sua historia do mundo, deveria pertencer ao mundo
inteiro.

"Se os EUA querem internacionalizar a Amazônia, pelo risco de deixá-la nas
mãos de brasileiros, internacionalizemos todos os arsenais nucleares dos
EUA. Até porque eles já demonstraram que são capazes de usar essas armas,
provocando uma destruição milhares de vezes maiores do que as lamentáveis
queimadas feitas nas florestas do Brasil.

"Defendo a idéia de internacionalizar as reservas florestais do mundo em
troca da dívida. Comecemos usando essa dívida para garantir que cada
criança do Mundo tenha possibilidade de COMER e de ir à escola.
Internacionalizemos as crianças tratando-as, todas elas, não importando o
país onde nasceram, como patrimônio que merece cuidados do mundo inteiro.

" Como humanista, aceito defender a internacionalização do mundo.
Mas, enquanto o mundo me tratar como brasileiro, lutarei para que a
Amazônia seja nossa. Só nossa!


Nota. Contra minha vontade respeito a escrita "brasileira".

Subir à torre dos Clérigos



Quando um alpinista francês veio ao Porto para escalar a Torre dos Clérigos, ele era calçado especial, fato especial, óculos anti-reflexos especiais, etc, etc. Este é um artista Portuense...e mais nada!!!...

Espiral de náusea




por VIRIATO SOROMENHO MARQUES

A Goldman Sachs aparenta ser um banco, mas o seu currículo mais parece um cadastro, devido às suas ligações com uma interminável série de irregularidades, que vão das bolhas imobiliárias e financeiras, à manipulação de mercados, à corrupção de governos, incluindo a maquilhagem das contas públicas gregas, que inaugurou a atual crise europeia. AGoldman Sachs é um dos nichos de um poder mundial não eleito, não submetido a constrangimentos constitucionais, não obrigado a testes de legitimidade.

Um poder fáctico, sem lealdade de pátria, religião ou doutrina. Escassas centenas de homens que gerem em rede dinheiro e influência. Um dos instrumentos da sua estratégia consiste em cativar pessoas brilhantes do mundo académico, projetando-as depois em altos lugares políticos de países e/ou organizações internacionais. Paulson, Draghi, Monti, Issing, ou o falecido António Borges estão nessa lista. José Luís Arnaut (JLA), figura influente do PSD, foi nomeado para o Conselho Consultivo Internacional da Goldman Sachs.

Ao contrário das figuras citadas, a JLA não se lhe conhece uma única ideia própria, mas
sabe-se que o seu escritório de advocacia tem sido fundamental no "apoio" ao Governo em matéria de privatizações. A Goldman Sachs espreita, ávida, sempre que um país é obrigado a vender os seus anéis. José Luís Arnaut é, portanto, um hábil perito em
transformar propriedade pública em salvados. Merecedor da gratidão pública da Goldman Sachs.

Milhões de portugueses e europeus labutam, preocupados com o (des)emprego e o desamparo da crise.

Lutam por uma democracia que não retire os seus filhos do mapa do futuro. Mas há quem faça carreira e lucro à custa do sofrimento geral. A espiral recessiva parece ter sido travada. Mas a espiral da náusea moral, essa, está ainda muito longe de ter batido no fundo.

Cimbalino e não só



O Porfírio do Cimbalino e a balança falante.


No ano 2000 editei um pequeno livro que recolhia textos de humor e sátira (ilustrado com desenhos publicados no Jornal de Notícias) a que dei o nome Cimbalino Curto, e o jornalista Vale Moutinho atribuiu-lhe três estrelas (numa escala de cinco) na recensão crítica que fez no jornal Diário de Notícias. Um dia o telefone tocou no meu atelier. Do outro lado, alguém me dizia que falava de Lisboa... e eu a registar a força do seu sotaque tripeiro! - Olhe, eu moro em Lisboa e estou farto de procurar o seu livro Cimbalino Curto, mas não o encontro nas livrarias. Fui ao Diário de Notícias para me darem o seu contacto, mas também não sabiam quem você era. Tiveram que telefonar para a delegação do Porto, e só assim pude chegar à fala consigo. Sabe? É que eu sou o inventor do cimbalino!... E disse-o com tanta convicção e entusiasmo que, de imediato, lhe propus um encontro para que me contasse essa sua invenção. Combinamos dia e local, meti-me no comboio, encontramo-nos junto ao elevador da Bica e fomos almoçar bacalhau com grão.
Bom conversador, o meu leitor eventual chamava-se Porfírio. Rumou a Lisboa em 1959 para chefiar a FAEMA, residia em Oeiras, e nasceu no Porto (Freguesia de Santo Ildefonso) em 1928, tendo vivido a meninice e juventude numa "ilha" da rua de S. Victor. Em miúdo esteve, por um triz, para participar, como figurante, no filme de Manoel Oliveira, Ani­ki Bobó. Só não o fez porque adoeceu e quando se iniciaram as filmagens estava internado nas Goelas de Pau (Hospital Joaquim Urbano). A sua mãe, viúva, não queria vê-lo parado. Por isso, aos sete anos, ajudava-a a carregar canastras de pão para a Calçada de Monchique e, no Verão, ia para a praia da Foz vender copos de água com limão, de um regador forrado com heras. Carregou carvão e farinha, foi marçano, vendeu fruta aos trabalhadores que construíam o Coliseu do Porto, e aos domingos recebia gorjetas de viúvas por limpar jarras e floreiras no cemitério do Prado do Repouso.
Aos 14 anos era aprendiz de serralheiro na Metalúrgica Henrique F. dos Santos, no Largo do Corpo da Guarda. Entre os vários artigos fabricados nessa oficina contavam-se máquinas de café de saco, açucareiros, cafeteiras e leiteiras. Mas também se procedia a consertos e, nesse sentido, às segundas-feiras, o Porfírio dava uma volta pelos cafés da baixa portuense recolhendo as peças com necessidade de arranjo.
Dessas rondas profissionais recordava os cafés Java, Majestic, Águia D'Ouro, Palladium, Brasileira, Tivoli, Atneia, Arcá­dia, Sport, Central, Victoria, Astória e Bra­sil, e ainda a Confeitaria Palace, estabele­cimento de gabarito, que existia ao fundo da rua 31 de Janeiro, na curva para Sá da Bandeira. No primeiro andar funcionava a redacção do jornal O Século. O Porfírio também arranjava fechaduras, e muitas vezes foi chamado a casas de prostituição onde, inexplicavelmente, as fechaduras avariavam muito!... Nessas andanças acabou por fazer amizade com muitas "mulheres da vida". Na década de 1950 Salazar proibiu a prostituição complicando a vida a muitas profissionais do sexo, e o Porfírio recorreu às amizades que fez com os proprietários dos cafés da baixa, conseguindo emprego para muitas delas. Uma das obras metalúrgicas que as suas mãos ajudaram a construir, e que recorda pela sua imponência, é um candeeiro de tecto que pode ser visto no Hall do Teatro Rivoli. Um dia o Porfírio mudou de casa e de patrão. Instalou-se na rua de Santa Catarina, no número 630, e arranjou emprego no número 610, na oficina metalúrgica de Manuel Ferraz, pegada à Casa NunÁlvares. Em 1948 veio a "coqueluche" das lâmpadas fluorescentes e o Porfírio especializou-se na nova técnica de iluminação. Também fez holofotes para a Tobis, máquinas de cortar fiambre e de medir azeite, cadeiras de barbeiro e balanças. Entretanto o serviço militar interrompeu-lhe a profissão numa altura em que a guerra da Coreia obrigou o Estado Português a defender os territórios de Timor e Macau. O Porfírio só não foi mobilizado porque era considerado o amparo de família, por ser órfão de pai. Em 1950 a oficina mudou-se de Santa Catarina para a rua de Noeda (Campa­nhã), e uma nova especialização estava reservada ao Porfírio.

La Cimbali e o cimbalino
Em 1956 a boa fama profissional da oficina de Manuel Ferraz levou a que fosse escolhida para agente da marca La Cimbali, moderna máquina italiana de tirar cafés. Porfírio foi a Itália fazer uma especialização para poder reparar as novas máquinas, cuja primeira foi montada no Café Central, em Anadia. Seguiu-se a montagem de máquinas nos cafés Águia d'Ouro, Palladium, Âncora dOuro, Tropi­cal, Brasileira e Confeitaria Lobito (Largo do Padrão) no Porto, e nos cafés Sport e Pátria, em Matosinhos. O Porfírio era conhecido em todos os cafés, e o seu passado profissional merecia confiança. Honesto, simpático, alegre e bom conversador, facilmente convenceu todos os industriais do ramo a deixarem montar uma das modernas máquinas nos seus estacionamentos, à experiência. Um engenheiro italiano, de nome Cam­po Nuovo, acompanhava o Porfírio e informava os donos dos cafés que só se procederia à venda da máquina se se comprovasse a eficácia do novo modo de servir café à italiana, se o interesse dos clientes justificasse e se houvesse vontade de aquisição por parte do proprietário do estabelecimento. E foi a que começou o problema. Ninguém pedia café de máquina!... Passavam-se os dias e o café à italiana não tinha clientes. Aquilo parecia um fiasco e o italia­no Campo Nuovo começou a desanimar e pensou regressar a Itália com as máquinas. Entendendo esse desânimo, e cheio de boa vontade em ajudar, o Porfírio percebeu a falta de informação que fazia o desconhecimento do produto pelos potenciais consumidores, e sugeriu ao italiano:
- Ó senhor engenheiro, porque é que o senhor não faz um cartaz a dizer assim: "Não peça café. Peça um cimbalino e veja a diferença". Campo Nuovo arregalou os olhos De imediato viu que acabara de nascer um nome para o novo produto que era o café da máquina La Cimbali!
Aceitou a ideia, mandou topografar cartazes com a frase sugerida pelo Porfírio, distribuiu-os pelos cafés... e algum tempo depois já pôde facturar as máquinas instaladas!
Os bons apreciadores de café aderiram ao "cimbalino" que se tornou num êxito e numa marca do Porto, e o Porfírio recebeu um prémio de 5.000 escudos pela ideia!

A balança falante
A Farmácia Estácio, pegada ao Teatro Sá da Bandeira, no Porto, era famosa por ter uma balança que falava! Recordo o momento mágico em que a minha mãe me levou a pesar-me nela. Subi para o prato, o ponteiro movimentou-se no mostrador apontando para o meu peso e, ao mesmo tempo, uma voz metálica saiu da balança, informando: "Vossa Excelência pesa vinte e quatro quilos e duzentos gramas"!... Estávamos na década de 1950 e a técnica de gravação sonora não tinha a sofisticação necessária para explicar o fenómeno! O Porfírio fazia a manutenção da balança falante, e explicou-me o seu funcionamento. A balança, colocada na entrada da farmácia, nunca mudava de lugar. Nem podia!... Estava presa ao chão por parafusos. E na cave, precisamente sob a balança, havia uma mesa sobre a qual se encontrava outro mostrador ligado por um veio ao tecto... ao prato da balança que estava na loja Essa mesa era o posto de trabalho de uma funcionária que endereçava sobrescritos, empacotava comprimidos e rotulava xaropes, enquanto esperava que um cliente se fosse pesar. Quando tal sucedia, o mostrador da cave apontava o mesmo peso que o cliente comprovava visualmente, enquanto que acendia uma lâmpada vermelha, chamando a atenção da funcionária. Esta, tinha um microfone e um botão para o ligar, e dizia o peso que via no mostrador que tinha à sua frente, e que o cliente ouvia na saída do som por detrás do painel do ponteiro! Às vezes, momentaneamente, a balança "avariava"... mostrava o peso, mas não falava. Isso acontecia quando a funcionária da cave... ia fazer um xi-xi...
 

"Perguntam-me..."



"Perguntam-me muitas vezes por que motivo nunca falo do governo nestas
crónicas e a pergunta surpreende-me sempre. Qual Governo? É que não
existe governo nenhum. Existe um bando de meninos, a quem os pais
vestiram casaco como para um baptizado ou um casamento.
Existe um Aguiar Branco e um Poiares Maduro. Porque não juntar-lhes um...
Colares Tinto ou um Mateus Rosé? É que tenho a impressão de estar num
jogo de índios e menos vinho não lhes fazia mal".

António Lobo Antunes

Praxe, polémica e violência, uma história com séculos




ANDREIA SANCHES

25/01/2014
Foi proibida pelo rei. Foi debatida nos jornais, de forma apaixonada, em diferentes momentos. Caiu com a crise académica. Emergiu com a massificação do ensino. Que praxe é esta?


Há algumas ideias feitas sobre a praxe dos estudantes. Por exemplo: que os abusos são coisas da História recente; que ela é igual em todas as universidades; que o termo se refere apenas aos “castigos” aplicados aos alunos do 1.º ano. Não é bem assim.

Os castigos sobre os mais novos, como os “canelões” (os mais velhos davam pontapés nas canelas dos recém-chegados a Coimbra), eram praticados já no século XVII. Não se fala, então, de “praxe”, antes de “investida”. E esta podia incluir “insultos”, “troças” ou castigos, como obrigar o jovem aluno a prestar serviços aos mais velhos (limpando-lhes os sapatos, por exemplo).

Por vezes, as “investidas” degeneravam. “Não havia defensa daquelas bárbaras e indecentes investidas, feitas com violência e desacatos, armados os agressores como para assaltar um castelo: e destes excessos resultaram mortes, incêndios e sacrilégios”, escreveu o médico e filósofo Ribeiro Sanches (1699-1783).

Em 1727, D. João V determina o seguinte: “Mando que todo e qualquer estudante que por obra ou palavra ofender a outro com o pretexto de novato, ainda que seja levemente, lhe sejam riscados os cursos.” Mas a praxe resiste. É de 1765 a Macarrónea Latino-Portuguesa, “conhecida pelo título da primeira composição, publicada em 1746 – o Palito Métrico”, onde se “descreve e prescreve”, nas palavras da socióloga Maria Eduarda Cruzeiro, a relação com os “caloiros”. No século XIX, os novatos são “tosquiados”, obrigados a cantar e a dançar. Em 1873, um estudante, depois de ver o cabelo cortado à força, mata um dos agressores.

António Manuel Nunes explica, em 2004, nos Cadernos do Noroeste, que alguns rituais envolviam também alunos mais velhos, caso do hábito de “rasgar as vestes e ser violentamente sovado com palmadas no momento em que se acabava o curso”. Por meados do século XIX, o termo “praxe” substitui “investidas”, “caçoadas” e “troças”. “Desde essa data, a Praxe Académica reúne numa mesma unidade semântica os comportamentos característicos, e até dispersos, do universo académico”, diz Aníbal Frias, num artigo publicado na Revista Crítica de Ciências Sociais, em 2003. E “emerge devido a um aumento da concorrência entre a velha Universidade de Coimbra e outros estabelecimentos de ensino superior, técnico-científicos, então criados em Lisboa e no Porto. Uma competição que se acentua (...) com a criação das universidades de Lisboa e do Porto em 1911, e, sobretudo, depois do 25 de Abril de 1974, com a multiplicação das universidades novas e dos institutos politécnicos, em busca de uma legitimidade e de uma ‘alma’.”

Moca, colher e tesoura
No início do século XX, há histórias célebres de tentativas de suavizar as praxes, como a do jovem Aristides de Sousa Mendes, futuro cônsul, e do seu irmão gémeo César, que promoveram as “Festas de recepção aos novatos” na Universidade de Coimbra, onde estudavam Direito em 1905. Com José d’Arruella e outros “rapazes cheios de intenções generosas”, o grupo recebeu os caloiros com poesia, música e teatro, numa tentativa de pôr fim à “velha usança das troças” que, por vezes, se tornavam “sumamente agressivas”, conta Lina Alves Madeira, na revista Rua Larga, da UC. Na altura, a iniciativa foi saudada por Guerra Junqueiro, Gomes Leal e Bernardino Machado. Com a proclamação da República, a praxe quase desaparece. Mas, em 1916, “uma representação assinada por 825 estudantes” reclama-a. E estala o debate, de novo. “Abaixo as praxes ridículas e inoportunas!”, lê-se num artigo de 14 de Dezembro desse ano, publicado no bissemanário A Resistência.

A primeira tentativa de codificação da praxe de Coimbra no século XX é também de 1916, segundo Maria Eduarda Cruzeiro. Chama-se Leis Extravagantes da Academia de Coimbra ou Código das Muitas Partidas e tem na capa “a triologia simbólica da perseguição aos caloiros” – a moca, a colher e a tesoura, símbolos que resistem até hoje – “e ainda uma figura de veterano aplicando com uma colher a sanção de unhas a um caloiro”. A colher, por exemplo, é, segundo Frias, um símbolo dos castigos escolares – remete para a palmatória dos professores, que “aponta as letras do alfabeto no quadro, que apruma os corpos e os espíritos, que marca o ritmo dos exercícios”.

Em 1957, o Código da Praxe Académica de Coimbra, então aprovado, define praxe como “o conjunto de usos e costumes tradicionalmente existentes entre os estudantes de Coimbra e os que forem decretados pelo Conselho de Veteranos”, definição que permaneceu até hoje. O debate pró e contra a praxe volta às páginas dos jornais. O Diário de Lisboa publica durante dias a fio cartas e artigos em tom inflamado. “Se há caloiros que tudo suportam, há os que não sofrem sem raiva no coração as humilhações impostas por indivíduos tantas vezes intelectualmente coxos”, lê-se num deles. Responde outro: “O que se pretende com as inofensivas brincadeiras a que os caloiros são submetidos é ver como estes reagem a elas e, se for caso disso, tentar demonstrar-lhes que a excessiva arrogância e o amor-próprio em demasia ser-lhes-ão prejudiciais na sua vida futura.”

No jornal República, a associação académica faz saber que a praxe é um “assunto da exclusiva competência dos estudantes de Coimbra [...] e só a eles cabe (se o entenderem!) actualizá-la”.
Esta visão da praxe como algo que escapa ao controlo do exterior é recorrente. Miguel Cardina, num número da Revista Crítica de Ciências Sociais, de 2008, diz que a praxe é “uma reminiscência” do tempo em que existia em Coimbra um “foro académico” – ou seja, uma jurisdição universitária (com tribunal, prisão e polícia próprios).
Ainda na década de 1960, com a crise académica, a praxe é abolida. E uma reportagem de 1973, no República, descreve uma Coimbra sem capa nem batina, onde os estudantes haviam perdido o seu “estatuto especial”. Mas havia saudosos da praxe.

“Entre 1978 e 1980, alguns elementos da Praxe Académica foram reactivados” na cidade, conta Frias. Esta “restauração” desenvolveu-se em várias etapas: em 1978, assistiu-se “à ressurreição do fado”, o qual “havia sido parcialmente destronado” pelo canto de intervenção; em 1979, com o apoio da direcção social-democrata da Associação Académica de Coimbra, organiza-se uma “Queima das Fitas disfarçada”; em 1980, regressam a Queima das Fitas, a capa e a batina... e as praxes.

Esfregada com esterco
A década de 1980 e 1990 marca a explosão do ensino superior em todo o país. Nascem novas instituições, públicas e privadas, para dar resposta à crescente procura de formação por parte de jovens de diversas origens. Nos anos 1990, os rituais vulgarizam-se. Frias fala de “praxes híbridas”, “onde os empréstimos do modelo coimbrão se associam a traços locais”. Um inquérito aos estudantes de Coimbra conduzido pelo sociólogo Elísio Estanque entre 1999 e 2000 revela que só 3,3% pensam que a praxe deve ser abolida por a acharem violenta.

Depois de 2000, vários ministros da Educação mostram-se preocupados com alguns relatos. O caso de Ana Santos é dos mais mediáticos. “Obrigaram-me a colocar na posição de ‘Elefante Pensador’ (joelhos, cabeça no chão e mãos debaixo dos joelhos com as palmas viradas para cima). Fui insultada por tempo que não consigo quantificar (...). Fui esfregada com esterco – camada sobre camada, cara, pescoço, peito, costas, barriga, cabelo”, tendo sido obrigada a ficar “em pé a secar ao sol” – era este o teor da carta da aluna da Escola Superior Agrária de Santarém ao então ministro Pedro Lynce. Estávamos em 2002.

A aluna contou que a dois caloiros, como ela, foi ordenado que lhe mergulhassem a cabeça num bacio com excrementos. Tudo começou quando atendeu um telefonema da mãe. Os caloiros estavam proibidos de falar ao telefone.

Em 2007, o regime jurídico das instituições de ensino superior passou a prever sanções para quem, nas praxes, passasse das marcas. Mas os casos sucederam-se.

“A relativa desvalorização social dos títulos académicos (que deriva da própria massificação da certificação escolar) e a necessidade de legitimação de novas instituições foram um poderoso factor do renascimento das praxes enquanto retórica de tradicionalismo”, lê-se num relatório do Parlamento, em 2008, cuja relatora foi a deputada Ana Drago.

Nesse ano, o caso de Ana Santos chegou ao tribunal. Durante o julgamento, um ex-professor declarou que era “preciso desmistificar as fezes” e o director da escola fez saber que também tinha “recebido bosta no corpo”. Mas seis jovens que praxaram a aluna acabaram condenados por ofensa à integridade física qualificada e um sétimo pelo crime de coacção. Tiveram de pagar multas.

No mesmo ano, o Instituto Piaget de Macedo de Cavaleiros foi condenado a pagar 40 mil euros a uma estudante vítima de actos “degradantes e humilhantes”. E, em 2009, foi dado como provado que o aluno Diogo Macedo tinha morrido, oito anos antes, por causa de uma pancada na nuca, na Universidade Lusíada de Vila Nova de Famalicão, onde estava a participar num ensaio da tuna.

Apesar de já estar no 4.º ano, Diogo nunca passara de “tuninho” (o grau mais baixo na hierarquia) e era frequentemente submetido a praxes. O caso chegou a ser arquivado pelo Ministério Público, em 2004, por falta de provas, mas a mãe do aluno exigiu uma indemnização, na esperança que mais dados surgissem sobre o que se passara. Já em 2013, o Supremo Tribunal de Justiça confirmou a condenação da Lusíada: cerca de 91 mil euros por danos morais.

Auscultados responsáveis de universidades e politécnicos, o relatório de 2008 do Parlamento concluiu que imperava “o entendimento de que as praxes académicas são um universo autónomo e, em certa medida, exterior às próprias instituições”, que “os órgãos de gestão se devem abster de intervir” e que cabe “aos organismos da praxe e aos próprios alunos” prevenir e sancionar as situações de abuso. Mas também houve reitores, como Mário Moutinho, da Universidade Lusófona de Lisboa, a defender uma proibição que viesse de cima: “Julgamos que orientações superiores facilitando a sua proibição em muito ajudariam esta universidade a rejeitar liminarmente a realização de praxes académicas.” com Sérgio B. Gomes

Fontes: Aníbal Frias, Praxe académica e culturas universitárias em Coimbra. Lógicas das tradições e dinâmicas identitárias, in Revista Crítica de Ciências Sociais, 2003; António Manuel Nunes, As praxes académicas de Coimbra: uma interpelação histórico-antropológica, in Cadernos do Noroeste, 2004;Miguel Cardina, Memórias incómodas e rasura do tempo: Movimentos estudantis e praxe académica no declínio do Estado Novo, in Revista Crítica de Ciências Sociais, 2008; Elísio Estanque, A tradição e o movimento estudantil na Universidade de Coimbra; Maria Eduarda Cruzeiro, Costumes estudantis de Coimbra no século XIX, in Análise Social, 1979; Alberto Sousa Lamy, A Academia de Coimbra (Rei dos Livros, 1990)


OPINIÃO
Praxes: igual à máfia?

VASCO PULIDO VALENTE

Os seis mortos da praia do Meco (e o único sobrevivente dessa excursão nocturna) frequentavam a Universidade Lusófona. Todo o mal vem daí.

As dúzias de instituições que se declararam “universidades” não tinham qualquer espécie de semelhança com a verdadeira coisa. Os professores eram, de maneira geral, pequenas personagens do antigo regime, muitas sem qualificação bastante e quase todas para além da idade de aprender e mudar. A maioria do chamado “corpo estudantil” fora antes rejeitado pelo Estado e pagava uma exorbitância pelo “ensino” que recebia. Cada “universidade privada”, fosse de que forma fosse, acabava por se tornar um negócio, a favor de obscuras direcções que não dependiam de nenhuma autoridade idónea. Mas, no meio disto, precisavam de prestígio.

Para o “prestígio” escolheram usualmente três caminhos: grandes cerimónias, imitadas de universidades medievais; trajos de professores de grande pompa e circunstância; e uma total liberdade para as “praxes”. Numa altura em que pelo Ocidente inteiro se abandonavam as “praxes” pela sua brutalidade e pela sua absoluta falta de sentido no mundo contemporâneo, Portugal adoptou com entusiasmo essa aberração. Tanto as direcções como os professores não abriram a boca e menos puniram os delinquentes, que de resto não se escondiam e até se gabavam. Do Minho ao Algarve nasceu assim uma nova cultura, cada vez mais sádica e tirânica, que variava na proporção inversa da qualidade académica da instituição em que se criara. Nas cidades chegou ao seu pior.

Parece (não garanto) que a PJ descobriu que os mortos do Meco estavam a cumprir um ritual “praxístico”, sob a direcção de um dux (um nome roubado a Coimbra), quando foram arrastados por uma onda. Parece também que nenhum deles trazia consigo um telemóvel, provavelmente para impedir que pedissem protecção, se o dux ultrapassasse as marcas. Entretanto, corre por aí que essa personagem sofre de uma “amnésica selectiva” e que nenhum aluno da Lusófona revelou ainda à polícia as regras secretas da “praxe” local (“Grande Conselho” incluído). Pior do que isso, na Internet já apareceram ameaças a quem “falar”, tal e qual como na máfia. O sr. ministro da Educação, depois de tantas trapalhadas, devia agora tratar da sua enegrecida reputação com um gesto limpo: fechar a Lusófona e punir os responsáveis que deixaram crescer a barbaridade das “praxes”.


OPINIÃO
A abjecção das praxes

JOSÉ PACHECO PEREIRA

25/01/2014

A praxe mata, às vezes o corpo, mas sempre a cabeça.

É-me pessoalmente repugnante o espectáculo que se pode ver nas imediações das escolas universitárias e um pouco por todo o lado nas cidades que têm população escolar, de cortejos de jovens pastoreados por um ou dois mais velhos, vestidos de padres, ou seja, de “traje académico”, em posturas de submissão, ou fazendo todo o género de humilhações em público, não se sabe muito bem em nome de quê.

Há índios com pinturas de guerra, meninas a arrastarem-se pelo chão, gente vestida de orelhas de burro, prostrações, derrame de líquidos obscuros pela cabeça abaixo, e uma miríade de signos sexuais, e gestos de carácter escatológico ou coprológico, que mostram bem a fixação dos rituais da praxe numa idade erótica que o dr. Freud descreveu muito bem.

Talvez pelas alegrias de ser vexado, o objectivo do coma alcoólico é muito desejado e o mais depressa possível. De um modo geral está quase tudo em adiantado estado de embriaguez, arrastando-se ao fim do dia pelos sítios mais improváveis, bebendo aquelas bebidas como os shots que são o atestado de que não se sabe beber, um álcool forte seja ele qual for, absinto, vodka ou cachaça e um licor ou sumo ultradoce para ajudar a engolir. Os nomes dosshots, do popular “esperma” ao “orgasmo”, passando pelo B-52, “bomba atómica”, "vulcão”, “bomba”, “Singapura”, “broche”, “inferno”, “chupa no grelo”, "Kalashnikov”, “levanta-mortos” ao “vácuo” (muito apropriado), fazem parte da cultura estudantil da Queima e da praxe. Por cima disso tudo, hectolitros de cerveja, a bebida que o nosso diligente ministro da Economia conseguiu retirar da proibição de servir bebidas alcoólicas a menores, um exemplo do que valem as ligações políticas de um gestor no seu sucesso como empreendedor.

A praxe mata, já tem matado, violado e agredido, enquanto todos fecham os olhos, autoridades académicas, autoridades, pais, famílias e outros jovens que aceitam participar na mesma abjecção. Já nem sequer é preciso saber se os jovens que morreram na praia do Meco morreram nalguma patetice da praxe, tanto mais que parece terem andado a seguir uma colher de pau gigante, fazendo várias momices, uma das quais pode ter-lhes custado a vida. Eu escreveria, como já escrevi noutras alturas, o mesmo, houvesse ou não houvesse o caso do Meco. (Aliás, é absurdo e insultuoso para a dignidade de quem morreu o espectáculo de filmes de telemóvel e entrevistas que as televisões têm passado, mas isso é outro rosário, da nossa estupidificação colectiva…)

Tenho contra a praxe todos os preconceitos, chamemos-lhe assim, para não estar a perder tempo, da minha geração. A praxe quando estava na faculdade era vista como uma coisa de Coimbra, um pouco antiquada e parola, de que, felizmente, no Porto e em Lisboa não havia tradição. No Porto, onde estudava, havia um cortejo da Queima das Fitas e a percentagem de estudantes vestidos de padres com capa e batina aumentava por uma semana, mas durante o ano era raro ver tal vestimenta. A situação era variável de escola para escola, mas a participação em actividades ligadas com a praxe era quase nula. Aliás, qualquer ideia de andar a “praxar” os estudantes do primeiro ano era tão exótica como a aparição de um disco voador na Praça dos Leões. Infelizmente muitos anos depois, apareceu uma verdadeira flotilha. Em Lisboa, muito menos, nada. Depois, outro enxame de discos voadores com padres de capa e batina.

Quando se deu a crise em Coimbra em 1969, a contestação à praxe acentuou-se, embora algumas “autoridades” da praxe, como o dux veteranorum,tenham apoiado a luta estudantil. Se em Coimbra a Queima das Fitas foi contestada, porque violava o “luto académico”, no Porto, as tentativas de a manter acabaram em cenas de pancadaria com grelados e fitados até que progressivamente desaparecerem do mapa. Tornava-se então evidente que o nascente conflito sobre a Queima no Porto se tinha tornado politizado entre uma universidade que as autoridades da ditadura cada vez menos controlavam e a tentativa de encontrar, por via da praxe, uma forma de resistência ao movimento associativo e estudantil. As últimas lutas mais importantes no Porto, como a contestação do Festival dos Coros, com as suas prisões em massa, tinham colocado as praxes e a Queima das Fitas do lado do regime e provocaram um longo ocaso das suas manifestações. Até um dia.

Eu participei nessas escaramuças políticas, mas também culturais, e escrevi alguns panfletos, incluindo um, Queimar a Queima, que circulou pelas três universidades em várias versões e edições. Mas, na luta contra a praxe, tornava-se cada vez mais evidente já nessa altura que estava em causa não apenas a conjuntura desses anos de brasa estudantis, mas também uma recusa da visão lúdica e irresponsável da juventude, e que, se se tratava de um rito de passagem, era para a disciplina da ordem e da apatia política. Rallies, touradas, bailes de gala, beija-mão ao bispo na bênção das pastas – tudo acompanhado pelas autoridades académicas muito contentes com a “irreverência” dos “seus” jovens, quando ela se manifestava naquelas formas – eram muito mais uma introdução à disciplina do que o despertar de qualquer consciência crítica. No fundo, o que se pretendia era que houvesse uma “explosão” de inanidades, a que depois se seguiria a disciplina da vida adulta, casamento, emprego, família e filhos, ordem social e hierarquia.

Ao institucionalizar a obediência aos mais absurdos comandos, a humilhação dos caloiros perante os veteranos, a promessa era a do exercício futuro do mesmo poder de vexame, mostrando como o único conteúdo da praxe é o da ordem e do respeito pela ordem, assente na hierarquia do ano do curso. Mas quem respeita uma hierarquia ao ponto da abjecção está a fazer o tirocínio para respeitar todas as hierarquias. Se fores obediente e lamberes o chão, podes vir a mandar, quando for a tua vez, e, nessa altura, podes escolher um chão ainda mais sujo, do alto da tua colher de pau. És humilhado, mas depois vingas-te.

Nos dias de hoje continua para mim evidente o papel deste tipo de rituais na consolidação de uma vida essencialmente amorfa e conservadora, desprovida de solidariedade e intervenção social e política, subordinada a todos egoísmos e disponível para todas as manipulações. Aliás, a evidente ausência do movimento associativo estudantil da conflitualidade dos dias de hoje e a fácil proliferação das “jotas” nessas estruturas, tanto mais eficaz quanto diminui a participação dos estudantes em qualquer actividade que não seja lúdica (numa recente eleição na Universidade do Porto para um universo de 32000 estudantes participaram 2000, em contraste com uma muito maior mobilização dos professores num processo eleitoral do mesmo tipo), acompanham a generalização da submissão à praxe. De facto, a praxe mata, às vezes o corpo, mas sempre a cabeça.

Historiador

sábado, 25 de janeiro de 2014

"Confraria Bancária da EDP!!!




"Este CGS (Conselho Geral e de Supervisão) da EDP é uma dourada manjedoura privada que o governo guarnece com dinheiros públicos - as escandalosas rendas! - que vai buscar aos salários e às pensões do povo "solidário" que nós somos.

À mesa posta, está o Eduardo Catroga (recebe €45.000/mês) e mais 20 personalidades do arco da governação.

Estão com aquele ar compenetrado da sua própria importância, e se dispõem patrioticamente a saquear a ralé, camponeses, intelectuais, professores, médicos, enfermeiros, engenheiros,cantoneiros, carpinteiros,electricistas, pensionistas, ,velhos e crianças, "pés descalços e barrigas ao sol".

Mas o Eduardo Catroga afadiga-se por muitas mais remunerações...

Olhem só :

"Actualmente - diz-se no currículo que apresenta do site da EDP - é Presidente do Grupo SAPEC, Administrador da Nutrinveste, Administrador do Banco Finantia e Membro do Comité de Investimentos da Portugal Venture Capital Initiative, um fundo de capital de risco promovido pelo Banco Europeu de Investimento". Isto sim, é homem de muito alimento trabalho.

Vêem-se lá, no CGS da EDP, entre outros, Luís Filipe Pereira, ex-SE de Cavaco Silva e ex-min. da Saúde de Durão Barroso, Jorge Braga de Macedo, ex-min. das Finanças de Cavaco Silva, Maria Celeste Cardona, ex-min. da Justiça,Rui Pena ex-ministro da Reforma Administrativa do Governo PS/CDS, em 1978, Rocha Vieira, ex-Ministro da República para a Região Autónoma dos Açores e ex governador de Macau, Paulo Teixeira Pinto ex.presidente do BCP que recebeu 10 milhões de euros para largar o cargo e uma pensão de 40 mil euros por mês. Também se sustenta àquele balcão da EDP o José Espírito Santo Ricciardi mas este já não pertence aquele grupo de vassalos bem nutridos, este pertence já ao grupo dos donos de Portugal e o que ganha ali não passa de uns desprezíveis trocos, ainda que façam jeito, é claro.”

sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

Codigo da Estrada - Acabe com as dúvidas

Aprenda a circular nas rotundas

Arnaut, um facilitador




por Daniel Oliveira

osé Luís Arnaut foi ministro de Durão Barroso e de Santana Lopes. Anda nos corredores da política há muitos anos, e teve direito, claro está, a uma comenda. Nos tempos em que parecia que Arnaut se dedicava à política, era uma espécie de Relvas que sabia ler e escrever. Mais polido do que o aprendiz de Tomar, dedicou-se a uma das mais antigas profissões das democracias: fazer uma ponte entre o mundo dos negócios e o Estado, quase sempre com vantagem clara para o primeiro. Era e continua a ser, usando alguma liberdade de linguagem, um facilitador.

A Rui Pena & Arnaut, sociedade de advogados de que é um dos sócios, esteve ligada à privatizações da REN e da ANA e envolvida na fracassada privatização da TAP. Nunca sendo muito claro de que lado joga, como foi o caso da REN, onde o escritório tinha como cliente da Rede Elétrica Nacional e, em simultâneo, participava na elaboração das propostas de lei de base e diplomas regulamentares do novo enquadramento legislativo nos sectores da energia. Essa é, aliás, uma das funções destes escritórios: autênticos órgãos não eleitos de produção legislativa para o Estado, sem qualquer verdadeira fiscalização de conflitos de interesses. A RPA também participou nas negociações dos swaps com o Estado e representou os interesses da Goldman e da JP Morgan.

Resumindo: o escritório de José Luís Arnaut é, com mais um ou outro, uma placa giratória onde os interesses de alguns políticos mais ambiciosos e empresários que dependem de decisões do Estado se cruzam, num emaranhado de cumplicidades em que se perde o rasto de quem representa quem e mais não se pode fazer do que escrever, com cuidado, em textos como este, o que toda a gente sabe: que por ali se faz o que a democracia não deveria tolerar.

A ida de José Luís Arnaut para a Goldman Sachs não me choca rigorosamente nada. Não se pode dizer, desta vez, que alguém mudou de campo. É apenas a conclusão lógica de toda uma carreira. Fazer lá fora o que já se faz cá dentro é o que se lhe pedirá, como administrador não executivo daquele gigante bancário, com participação tão ativa na crise financeira que o mundo vive hoje. Servir de apoio para os principais clientes em todo o mundo, é o que fazem estes administradores. Traduzindo para a realidade: sacar das agendas de contactos e pô-las a render. E a agenda de Arnaut será pequena quando comparada com a de alguns senhores que lhe farão companhia.

É isso mesmo que lá faz Otmar Issing. O alemão foi, como membro da Administração do Bundesbank e do Banco Central Europeu, um dos principais arquitetos dum Euro mal parido e da catastrófica política monetária europeia. Ou Robert Zoellick, que, depois de trabalhar no Departamento do Tesouro dos EUA, foi para a Goldman Sachs, da Goldman Sachs para a presidência do Banco Mundial e do Banco Mundial regressou para a Goldman Sachs. No meio, trabalhou para a Enron e teve, como representante dos EUA, um papel central nas negociações para a entrada da China na Organização Mundial de Comércio. Ou Lord Griffiths, antigo conselheiro de Margaret Thatcher, grande amigo, na política, dos interesses da banca e autor da ideia de que devemos "tolerar a desigualdade [promovida pelos brutais bónus dados aos banqueiros] como uma forma de atingir a maior prosperidade para todos".

Mas os caminhos paralelos dos organismos públicos, da burocracia europeia e internacional e da Goldman Sachs são tantos que um texto não chegaria. Basta lembrar Peter Sutherland, ex-procurador-geral irlandês, comissário europeu para a concorrência e com um papel central no vergonhoso resgate à banca irlandesa. Homem que foi diretor não executivo do Royal Bank of Scotland, até este colapsar e ser, claro, nacionalizado. Chegou a diretor não executivo da Goldman Sachs. Ou Mario Draghi, atual presidente do Banco Central Europeu. Antes de regressar ao Banco de Itália foi, entre 2002 e 2005, vice-presidente da Goldman Sachs. Ou o falecido António Borges, que foi responsável do FMI para a Europa e conselheiro do governo português para as privatizações (algumas das que Arnaut também participou). Foi vice-presidente da Goldman Sachs. Ou Mario Monti, primeiro-ministro italiano nunca eleito (e que, depois, nas urnas, não conseguiu mais do que 10%). Foi conselheiro sénior da Goldman Sachs. Ou Petros Christodoulou, que, à frente Banco Nacional da Grécia (privado), e com a ajuda da Goldman Sachs, participou num esquema para esconder o défice do Estado antes da crise rebentar. Começou a sua carreira na Goldman Sachs e a última vez que ouvi falar dele estava à frente da agência governamental da dívida pública grega.

Resumindo: em todos os momentos fundamentais na desregulação económica e financeira do mundo e da Europa e na transformação do projeto europeu no monstro que hoje conhecemos encontramos gente da Golman Sachs. Generais, como Otmar Issing, Zoellick, Griffiths, Draghi ou Monti. Ou soldados, como Arnaut. Porque um dos ramos fundamentais da atividade deste colosso é a compra da democracia, pondo os Estados a decidir contra os seus próprios interesses, roubando o sentido do nosso voto e entregando o poder que deveria ser do povo a quem tem dinheiro para o pagar. São um verdadeiro partido invisível, um poder acima das nações que regula as nossas vidas independentemente das nossas vontades. Privatiza o que é nosso, vende lixo aos Estados, armadilha leis, governa em favor de poucos e premeia quem lhe preste vassalagem.

Publicado no Expresso Online

terça-feira, 14 de janeiro de 2014

GANHEI CORAGEM ...




GANHEI CORAGEM
Rubem Alves

... colunista da Folha de S. Paulo ....

Muitos pensamentos meus, eu guardei em segredo.
Por medo.
Alberto Camus, leitor de Nietzsche, acrescentou um detalhe acerca da hora em que a coragem chega:
"Só tardiamente ganhamos a coragem de assumir aquilo que sabemos".
Tardiamente.
Na velhice.
Como estou velho, ganhei coragem.

Vou dizer aquilo sobre o que me calei:
"O povo unido jamais será vencido", é disso que eu tenho medo.

Em tempos passados, invocava-se o nome de Deus
como fundamento da ordem política.
Mas Deus foi exilado e o "povo" tomou o seu lugar:

a democracia é o governo do povo.
Não sei se foi bom negócio;
o fato é que a vontade do povo, além de não ser confiável,
é de uma imensa mediocridade.
Basta ver os programas de TV que o povo prefere.

A Teologia da Libertação sacralizou o povo
como instrumento de libertação histórica.
Nada mais distante dos textos bíblicos.
Na Bíblia, o povo e Deus andam sempre em direções opostas.
Bastou que Moisés, líder, se distraísse na montanha
para que o povo, na planície,
se entregasse à adoração de um bezerro de ouro.
Voltando das alturas, Moisés ficou tão furioso
que quebrou as tábuas com os Dez Mandamentos.

E a história do profeta Oséias, homem apaixonado!
Seu coração se derretia ao contemplar o rosto da mulher que amava!
Mas ela tinha outras idéias.
Amava a prostituição.
Pulava de amante e amante enquanto o amor de Oséias
pulava de perdão a perdão.
Até que ela o abandonou.
Passado muito tempo, Oséias perambulava solitário
pelo mercado de escravos.
E o que foi que viu?
Viu a sua amada sendo vendida como escrava.
Oséias não teve dúvidas.
Comprou-a e disse:
"Agora você será minha para sempre.".
Pois o profeta transformou a sua desdita amorosa
numa parábola do amor de Deus.

Deus era o amante apaixonado.
O povo era a prostituta.
Ele amava a prostituta, mas sabia que ela não era confiável.
O povo preferia os falsos profetas aos verdadeiros,
porque os falsos profetas lhe contavam mentiras.
As mentiras são doces;
a verdade é amarga.

Os políticos romanos sabiam que o povo se enrola
com pão e circo.
No tempo dos romanos, o circo eram os cristãos
sendo devorados pelos leões.
E como o povo gostava de ver o sangue e ouvir os gritos!
As coisas mudaram.
Os cristãos, de comida para os leões,
se transformaram em donos do circo.

O circo cristão era diferente:
judeus, bruxas e hereges sendo queimados em praças públicas.
As praças ficavam apinhadas com o povo em festa,
se alegrando com o cheiro de churrasco e os gritos.
Reinhold Niebuhr, teólogo moral protestante, no seu livro
"O Homem Moral e a Sociedade Imoral"
observa que os indivíduos, isolados, têm consciência.
São seres morais.
Sentem-se "responsáveis" por aquilo que fazem.
Mas quando passam a pertencer a um grupo,
a razão é silenciada pelas emoções coletivas.

Indivíduos que, isoladamente,
são incapazes de fazer mal a uma borboleta,
se incorporados a um grupo tornam-se capazes
dos atos mais cruéis.
Participam de linchamentos,
são capazes de pôr fogo num índio adormecido
e de jogar uma bomba no meio da torcida do time rival.
Indivíduos são seres morais.
Mas o povo não é moral.
O povo é uma prostituta que se vende a preço baixo.

Seria maravilhoso se o povo agisse de forma racional,
segundo a verdade e segundo os interesses da coletividade.
É sobre esse pressuposto que se constrói a democracia.

Mas uma das características do povo
é a facilidade com que ele é enganado.
O povo é movido pelo poder das imagens
e não pelo poder da razão.
Quem decide as eleições e a democracia são os produtores de imagens.
Os votos, nas eleições, dizem quem é o artista
que produz as imagens mais sedutoras.
O povo não pensa.
Somente os indivíduos pensam.
Mas o povo detesta os indivíduos que se recusam
a ser assimilados à coletividade.
Uma coisa é a massa de manobra sobre a qual os espertos trabalham.

Nem Freud, nem Nietzsche e nem Jesus Cristo confiavam no povo.
Jesus foi crucificado pelo voto popular, que elegeu Barrabás.

O nazismo era um movimento popular.
O povo alemão amava o Führer.

O povo, unido, jamais será vencido!

De vez em quando, raramente, o povo fica bonito.
Mas, para que esse acontecimento raro aconteça,
é preciso que um poeta entoe uma canção e o povo escute:
"Caminhando e cantando e seguindo a canção.",
Isso é tarefa para os artistas e educadores.
O povo que amo não é uma realidade, é uma esperança.

Rubem Alves

O Panteão de chuteiras



JOÃO MIGUEL TAVARES

14/01/2014

Se me perguntarem quem é que prefiro ver no Panteão Nacional, se Óscar Carmona se Eusébio, eu voto obviamente em Eusébio. O Panteão Nacional, embora parco em sepulturas (são apenas dez), mesmo assim consegue o prodígio de ter gente que não merecia lá estar, fruto da época turbulenta em que foi criado (1916) e de meio século de ditadura.

Mas inverter a discussão sobre se Eusébio deve ou não ir para o Panteão argumentando, em delírio hiperbólico, que ele é muito maior do que a Igreja de Santa Engrácia e merece melhor companhia é, digamos assim, uma entrada com os pitons à frente, que não me parece que seja muito útil ao debate.

Talvez seja ingenuidade minha, mas eu simpatizo com a ideia republicana de existir um local digno e prestigiado onde homenagear os heróis da pátria, e aborrece-me quem disso desmerece. Qualquer país decente deve prestar tributo àqueles que “se vão da lei da morte libertando”, para citar um senhor que lá não está e merecia estar – é uma questão de identidade nacional e de respeito pela memória. E é também por isso que me faz alguma impressão imaginar o Panteão, daqui a 70 ou 80 anos, cheio de homens do futebol. Para o ano é Eusébio. E num futuro que se quer distante há-de ser Cristiano Ronaldo e José Mourinho, que hoje em dia têm uma projecção internacional como Eusébio nunca teve.

A existência de um critério compreensível é muito importante, e a Lei n.º 28/2000, que regula as honras do Panteão Nacional, define-o com bastante clareza: ele destina-se “a homenagear e a perpetuar a memória dos cidadãos portugueses que se distinguiram por serviços prestados ao País, no exercício de altos cargos públicos, altos serviços militares, na expansão da cultura portuguesa, na criação literária, científica e artística ou na defesa dos valores da civilização, em prol da dignificação da pessoa humana e da causa da liberdade”.

A não ser numa muito vaga definição de “expansão da cultura portuguesa”, tenho muitas dúvidas que Eusébio caiba com facilidade naqueles critérios. E ainda bem que não cabe. Não me entendam mal: eu adoro futebol, sou sócio do Benfica e tenho consciência da importância de Eusébio na história do desporto português. Mas recuso terminantemente equivaler tudo, numa espécie de terraplanagem estética e ética, que coloca um futebolista, por mais brilhante que ele seja, no mesmo patamar simbólico, enquanto herói de uma pátria, em que estão os artistas, os cientistas ou os defensores da liberdade.

Eusébio não é Aristides de Sousa Mendes, que não está lá. Jogar bem à bola não tem o mesmo valor de salvar milhares de vidas. Eusébio não é Salgueiro Maia, que não está lá. Jogar bem à bola não tem o mesmo valor de derrubar uma ditadura e recusar todas as prebendas. Eusébio não é Amália, que está lá. Jogar bem à bola não tem o mesmo valor que elevar a única criação artística genuinamente portuguesa – o fado – a patamares até hoje inultrapassados.

Panteão, em grego, significa o conjunto de todos os deuses (pan+theos). E se formos guiados pela etimologia, talvez faça sentido, no século XXI, enchê-lo de figuras ligadas ao futebol, essa verdadeira religião dos tempos modernos. Mas não consigo aceitar essa opção sem sentir que algo de fundamental se está a perder. Não é nada contra Eusébio. É tudo contra o relativismo da contemporaneidade, ainda que sob o alto patrocínio da Assembleia da República.




segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

CARTA ABERTA A PEDRO PASSOS COELHO de M.Conceição Batista



FALEMOS SÉRIO

Pedro é o trato que usarei para me dirigir a ti, naquilo que há para falarmos sério. Porque sou veterana, apesar de ter consciência de que não somos amigos.

Não és meu amigo, como me trataste, hipocritamente e de forma quase insultuosa, na tua mensagem de Natal. Eu não sou tua amiga, porque não tenho como amigos quem me insulta, quem procura humilhar-me, que mente e me tira o que a mim me pertence. Amigos respeitam-se. E eu não me sinto respeitada por ti, Pedro.

E não sou hipócrita ao dizer frontalmente o que sinto, na pele daquilo que é hoje o meu estatuto: pensionista, reformada APÓS 49 ANOS DE TRABALHO. Mais anos do que aqueles que tens de vida, Pedro.

Falemos sério, Pedro. Porquê essa obstinada perseguição àqueles que construíram riqueza nacional ao longo de muitos anos de trabalho, enquanto tu, Pedro, crescias junto de pais que, creio, trabalhavam para tudo te darem, e que hoje não valorizas como esforço enquanto cidadãos e enquanto pais?

Porquê essa perseguição obsessiva àqueles que construíram um país de verticalidade, de luta e resistência, enquanto caminhavas nas hostes dos boys de um partido disponível para compensar aqueles que gostam de “engrossar” a voz, mesmo que desrespeitando os que tudo fizeram pela conquista do espaço democrático, onde cresceste em liberdade? Uma liberdade conquistada, muito suada, e por isso ainda mais digna de ser respeitada.

Respeito, Pedro, é o que se exige por aqueles que hoje persegues, lesto e presto sem sentido, como que procurando um extermínio que não ousas confessar.

Falemos sério, Pedro. É tempo de falares sério, apesar do descrédito em que caíste. E falemos sério sobre reformas, sobre pensionistas e sobre Segurança Social.

Não fales sobre o que desconheces. Não te precipites no que dizes. Não sejas superficial, querendo parecer profundo apenas porque, autoritariamente, “engrossas” a voz. Não entregues temas tão complexos ao estudo de “garotos”, virgens no saber-fazer. Não entregues estudos a séniores que, vendendo a alma ao diabo, se prestam a criar cenários encomendados, para servirem os resultados que previamente lhes apresentaste, Pedro. E os resultados são, como podemos avaliar, desastrosos, Pedro. Económica e socialmente.

Vamos falar sé rio, Pedro. Não porque tu o queiras, mas porque eu não suporto mais a humilhação que sinto com as falsidades ardilosas lançadas para o ar, sobre matérias que preferes ignorar, porque nem sequer as estudas.

A raiva cresce dentro de mim, porque atinge a verticalidade e honestidade que sempre nortearam a minha vida, Pedro. Uma raiva que queima, se silenciada, E não me orgulho disso, podes crer Pedro.

Vamos por fases cronológicas que te aconselho a estudar:

a) Pedro, por acaso sabes que o sistema que hoje se designa por “Segurança Social” deriva da nacionalização – pós 25 de Abril – das “Caixas de Previdência” sectoriais, que antes existiam?

b) Por acaso sabes, Pedro, que o Estado português recebeu, sem qualquer custo ou contrapartida, os fundos criados nestas Caixas de Previdência, a partir das contribuições dos trabalhadores e dos seus empregadores?

c) Por acaso sabes que a Caixa Geral de Depósitos – Banco estatal de Valores e de credibilidade inquestionável – é, acrescidamente, património dos muitos reformados e pensionistas que hoje somos? É, Pedro, a CGD era o Banco obrigatório por onde passavam as contribuições destinadas às Caixas de Previdência, mas entregava a estas, as contribuições regulares, apenas 4, 5 e 6 meses depois. Financiando-se com estas contribuições e sem pagar juros às Caixas, Pedro?

Por isso sou contra qualquer alienação da CGeral. Também está lá muito de mim. Um muito que deveria estar na Segurança Social nacionalizada…para ser bem gerida.

d) Sabes por acaso, Pedro, que o Estado Português nunca reembolsou a Segurança Social pela da capitalização que conseguiu com a “nacionalização” das Caixas, como o fez aos Banqueiros?

e) Saberás, Pedro, que a “nacionalização” das Caixas de Previdência” se deve à necessária construção de um verdadeiro Estado Social, para o qual, maioritariamente, é a Segurança Social que contribui, sem as devidas e indispensáveis contribuições do Estado? Um Estado Social criado de base a partir dos “dinheiros” pertença daqueles que hoje são reformados e pensionistas. E que por isso exigem respeito pelo seu contributo mas, igualmente, exigem sejam bem geridos, porque ao Estado foram confiados contratualmente. Para me serem reembolsados mais tarde.

E boa gestão, Pedro, é coisa que não vejo na Segurança Social, sujeita a políticas de bastidores duvidosas e para as quais nunca fui consultada. Acredita, Pedro, os reformados, pensionistas e aposentados, sabemos o que dizemos quando afirmamos tudo isto, porque ainda temos muita capacidade – suportada por uma grande e valiosa experiência – para sermos um verdadeiro governo de bastidores. Com mestria, com sabedoria, com isenção e sem subserviências.

f) Por acaso sabes, Pedro, que a dívida do Estado à Segurança Social é superior à dívida externa, hoje nas mãos da chamada “troika”?

Pois é, Pedro, a dívida sob o comando da troika é de 78 mil milhões de Euros, é? A dívida à Segurança Social, aos milhões de contribuintes, muitos deles hoje reformados, é de 80 mil milhões de dívida. Valor que cresce diariamente, porque o Estado é um mau pagador. Uma dívida que põe em causa não só os créditos/reembolsos aos reformados e pensionistas, na forma contratada, mas igualmente as obrigações/compromissos intergeracionais.

Porque estás tão preocupado em “honrar” os compromissos com o exterior e não te preocupas em honrar os compromissos para com os credores internos que são, entre muitos, os aposentados, os reformados e os pensionistas, antes preferindo torná-los no “bombo de festins” de um governo descontrolado?

Falemos sério, Pedro. Reabilita-te com alguma honra, perante um programa eleitoral que te levou, precocemente, ao lugar que ocupas. Um lugar de representatividade democrática, que te obriga a respeitar os representados. Também os reformados, aposentados e pensionistas votam.

E falando sério, mas com muita raiva incontida, Pedro, vou dar-te o meu exemplo, apenas como exemplo de muitas centenas de milhar de casos idênticos.

a) Trabalhei 49 anos. Fui trabalhadora-estudante. E sem Bolonhas e/ou créditos, licenciei-me com 16 valores, a pulso. Nunca fui trabalhadora e/ou estudante de segunda. E fui mãe, num pais em que, na época, só havia 1 mês de licença de maternidade e creches a partir dos dois anos de idade das crianças. Como foi duro, Pedro. E lutei, ontem como hoje, para a minha filha, a tua Laura, as tuas filhas e muitas mais jovens portuguesas, terem mais do que eu tive. A sociedade ganha com isso. O Estado Social também tem obrigações pela continuidade da sociedade, pela contínua renovação geracional. Lutei, Pedro, muito mesmo e sinto muita honra nisso como me sinto orgulhosa do que conquistou a minha geração.

b) Fiz uma carreira profissional, também ela dura, também ela de luta, numa sociedade que convencionou dar supremacia aos homens. Um poder dado, não conquistado por mérito reconhecido, Pedro. Por isso tão lenta a caminhada pela “Igualdade”.

c) Cheguei ao topo da carreira, mas comecei como praticante. Sem “ajudas”, sem “cunhas”, sem “padrinhos” e/ou ajuda de partidos. Apenas por mérito próprio, duplamente exigido por ser Mulher. Um caminho que muito me orgulha e me formou de Valores, Honra e Verticalidade. Anonimamente, mas activa e participadamente.

d) No final da minha carreira profissional, eu e os meus empregadores, a valores capitalizados na data em que me reformei, (há dois anos) tínhamos depositado nas mãos da Segurança Social cerca de 1 milhão de Euros.

Ah! É bom que se lembre que os empregadores entregam as suas contribuições para a conta do/a seu/sua funcionário/a. Não é para qualquer abutre esperto se apropriar dele. O modelo que Churchil idealizou – e protagonizou – após a 2ª guerra mundial. Uma compensação no desequilíbrio entre os rendimentos do Capital e os do Trabalho, e que foi adoptado em Portugal ainda antes do 25 de Abril.

Quase um milhão de Euros, Pedro. Só nos últimos 13 anos de trabalho foram entregues 200 mil Euros à Segurança Social, entre mim e o empregador.

A minha pensão vem daí, Pedro. De tudo o que, confiadamente, entreguei à gestão da Segurança Social, num contrato assinado com o Estado Português. E já fui abrangida pelo sistema misto. E já participei no factor da sustentabilidade, beneficiando o Estado Social.

e) Mas há mais, Pedro. A esse cerca de 1 milhão de Euros, à cabeça dos cálculos da minha pensão, retiraram às minhas contribuições, à minha “conta”, 20%, ou seja 200 mil Euros. Como contributo para o Estado Social. Para a satisfação do compromisso que devo para com as gerações seguintes. Para o Serviço Nacional de Saúde, para um melhor bem estar da sociedade portuguesa.

E o dinheiro que se encontra – em depósito – nas mãos do Estado português através da Segurança Social, é de cerca de 800 mil Euros. Que eu exijo bem gerido e intocável.

f) Valor que, conforme os meus indicadores familiares (melhores que a média das estatísticas) da esperança de vida (85 anos em média), daria para uma pensão anual de 40.000€ actualizada anualmente pela capitalização dos meus fundos. É bom que saibas que, sobre este valor, eu pagaria cerca de 16.000€ de IRS, fora os demais impostos. Mas, por artes de uma qualquer “engenharia financeira” nunca recebi nada disto.

Mas se aquele valor, que foi criado pelas contribuições de tantos anos de trabalho, estiver nas minhas mãos e sob a minha gestão, matéria em que fui profissional qualificada e com provas dadas, eu serei uma Mulher que poderá dormir descansada, porque serei independente para mim e para ajudar filhos e netos, sem ter que acordar de noite angustiada.

É, Pedro, falemos sério e honra os compromissos que o Estado tem para comigo. Dá instruções ao Ministério da Solidariedade Social(?) para que me entregue o “meu dinheiro”. O MEU, Pedro!

E vou refazer contas:

a) De modo frio, direi que o Estado tem que pôr à minha disposição os 100% de contribuições que lhe foram confiadas, ou seja, os cerca de 1 milhão de Euros.

b) Arredondando, e muito por excesso, descontando os valores de que já fui reembolsada, o Estado português deve-me 900.000€. É esta a verba que quero que o Estado português me pague, porque é este o valor de que sou credora..

c) Gerindo eu esta verba podes crer, Pedro, que só com os rendimentos que obtenho da sua aplicação, e já depois de impostos pagos, terei mais do que o valor que tenho hoje como pensão. É simples, Pedro, e deixo de ser uma “pedra no sapato” dos governantes. Deixo de ser “um impecilho” na boca de “garotos” que não sabem o que dizem. E, de uma Mulher anónima com honra e verticalidade, que sou hoje, passo a ser uma Mulher rica, provavelmente colunável, protegida por todos os governantes, mesmo que a ética perca a sua verticalidade e a moral passe a ser podre.

Mas porque é tempo de falares sério, Pedro, fala aos portugueses a verdade sobre assuntos que nos interessa :

- quanto é que o cidadão e político Pedro Passos Coelho já descontou para a Segurança Social e/ou ADSE?

- quanto receberias hoje de reforma se, conforme as excepções de privilégio na lei, te reformasses?

- quanto descontam os deputados e demais políticos para a Segurança Social ou ADSE?

- qual o montante de reforma a que têm acesso, privilegiadamente, e ao fim de quantos anos de exercício da política, independentemente da sua idade?

- Quem, e quanto recebem de reforma vitalícia, ex-governantes e outras figuras políticas, só pelo exercício de alguns anos em cargos públicos?

- qual o sistema de Segurança Social que suporta estas reformas e a quem pertence esse dinheiro? São os OE’S que o suportam, ou são os “dinheiros” daqueles que contribuíram e/ou contribuem para o Sistema?

- sendo o Estado uma entidade empregadora, qual o valor da sua contribuição (%) para a ADSE ou Segurança Social, por trabalhador? E as contas, estão regularizadas?

Falemos sério, Pedro! Os reformados exigem a verdade mas, igualmente, exigem respeito, por nós e pelo nosso dinheiro que, abusivamente, vai alimentando o despesismo de um Estado que vive de mordomias elitistas, acima das capacidades do país. Isso sim, Pedro!!!!!!!!

A reformada,

M.Conceição Batista



PS – Aguardo que me seja entregue o meu dinheiro, conforme mencionei atrás. Tenho vida a organizar.

ANA, grávida da nova Lisboa


http://www.jn.pt/common/images/opiniao/grande/Daniel%20Deusdado.jpg

PUBLICADO NO JORNAL DE NOTÍCIAS

*Ah sim, o discurso de Cavaco. Talvez, talvez, depende, "eu avisei". Sempre
tarde. Adiante. Falemos de coisas concretas e consumadas: o casamento da
ANA uma historieta que tem tudo para sair muito cara. Passo a explicar: a
ANA geria os aeroportos com lucros fabulosos para o seu pai, Estado, que,
entretanto falido, leiloou a filha ao melhor pretendente. Um francês de
apelido Vinci, especialista em autoestradas e mais recentemente em
aeroportos, pediu a nossa ANA em **casamento. E o Estado entregou-a pela
melhor maquia (três mil milhões de euros), tornando lícita a exploração
deste monopólio a partir de uma base fabulosa: 47% de margem de exploração
(EBITDA).*
*O Governo rejubilou com o encaixe... Mas vejamos a coisa mais em pormenor.
O grupo francês Vinci tem 37% da Luso ponte, uma PPP (parceria
público-privada) e assente numa especialidade nacional: o monopólio (mais
um) das travessias sobre o Tejo. Ora é por aqui que percebo por que **consegue
a Vinci pagar muito mais do que os concorrentes à ANA. As estimativas
indicam que a mudança do aeroporto da Portela para Alcochete venha a gerar
um tráfego de 50 mil veículos e camiões diários entre Lisboa e a nova
cidade aeroportuária. É fazer as contas, como diria o outro...*

*Mas isto só será lucro quando houver um novo aeroporto. Sabemos que a
construção de Alcochete depende da saturação da Portela. Para o fazer, a
Vinci tem a faca e o queijo na mão. Para começar pode, por exemplo, abrir
as portas à Ryanair. No dia em que isso acontecer, a low-cost irlandesa
deixa de fazer do Porto a principal porta de entrada, gerando um
desequilíbrio turístico ainda mais acentuado a favor da capital. A Ryanair
não vai manter 37 destinos em direcção ao Porto se puder aterrar também em
Lisboa. Portanto, num primeiro momento os franceses podem apostar em baixar
as taxas para as low-cost e os incautos aplaudirão. Todavia, a prazo,
gerarão a necessidade de um novo aeroporto através do aumento de
passageiros. Quando isso acontecer, a Vinci (certamente com os seus amigos
da Mota-Engil) monta um apetecível sindicato de construção (a sua
especialidade) e financiamento (com bancos parceiros). A obra do século em
Portugal. Bingo! O Estado português será certamente **chamado a dar avais e
a negociar com a União Europeia fundos estruturais para a nova cidade
aeroportuária de Alcochete. Bingo! A Portela ficará livre para os
interesses imobiliários ligados ao Bloco Central que sempre existiram para
o local. Bingo! Mas isto não fica por aqui porque não se pode mudar um
aeroporto para 50 quilómetros de distância da capital sem se levar o
comboio até lá. Portanto, é preciso fazer-se uma ponte ferroviária para
ligar Alcochete ao centro de Lisboa.*

*E já agora, com tanto trânsito, outra para carros (ou em alternativa uma
ponte apenas, rodo ferroviária). Surge portanto e finalmente a prevista
ponte Chelas-Barreiro **(por onde, já agora, pode passar também o futuro
TGV Lisboa-Madrid). Bingo! E, já agora: quem detém o monopólio e know-how
das travessias do Tejo? Exactamente, a Lusoponte (Mota-Engil e Vinci). Que
concorrerá à nova obra. Mas, mesmo que não ganhe, diz o contrato com o
Estado, terá de ser indemnizada pela perda de receitas na Vasco da Gama e
25 de Abril por força da existência de uma nova ponte. Bingo! Um destes
dias acordaremos, portanto, perante o facto consumado: o imperativo da
construção do novo grande aeroporto de Lisboa, em Alcochete, a
indispensável terceira travessia sobre o Tejo, e a concentração de
fundos **europeus
e financiamento neste colossal investimento na capital. O resto do país
nada tem a ver com isto porque a decisão não é política, é privada, é o
mercado...*

*E far-se-á. Sem marcha-atrás porque o contrato agora assinado já o previa
e todos gostamos muito de receber três mil milhões pela ANA, certo?*
*O casamento resultará nisto: se correr bem, os franceses e grupos
envolvidos ganham. Correndo mal, pagamos nós. Se ainda estivermos em
Portugal, claro.*

Taxar os Ricos (um conto de fadas animado)

Taxar os Ricos (um conto de fadas animado)

Um dia neste ano de 2014...





Concha Caballero

Um dia neste ano 2014 vamos acordar e vão anunciar-nos que a crise terminou...

Correrão rios de tinta escrita com as nossas dores, celebrarão o fim do pesadelo, vão fazer-nos crer que o perigo passou embora nos advirtam que continua a haver sintomas de debilidade e que é necessário ser muito prudente para evitar recaídas. Conseguirão que respiremos aliviados, que celebremos o acontecimento, que dispamos a actitude critica contra os poderes e prometerão que, pouco a pouco, a tranquilidade voltará à nossas vidas.

Um dia no ano 2014, a crise terminará oficialmente e ficaremos com cara de tolos agradecidos, darão por boas as politicas de ajuste e voltarão a dar corda ao carrossel da economia. Obviamente a crise ecológica, a crise da distribuição desigual, a crise da impossibilidade de crescimento infinito permanecerá intacta mas essa ameaça nunca foi publicada nem difundida e os que de verdade dominam o mundo terão posto um ponto final a esta crise fraudulenta (metade realidade, metade ficção), cuja origem é difícil de decifrar mas cujos objectivos foram claros e contundentes:

- Fazer-nos retroceder 30 anos em direitos e em salários.

Um dia neste ano de 2014, quando os salários tiverem descido a níveis terceiro-mundistas; quando o trabalho for tão barato que deixe de ser o factor determinante do produto; quando tiverem ajoelhado todas as profissões para que os seus saberes caibam numa folha de pagamento miserável; quando tiverem amestrado a juventude na arte de trabalhar quase de graça; quando dispuserem de uma reserva de uns milhões de pessoas desempregadas dispostas a ser polivalentes, descartáveis e maliáveis para fugir ao inferno do desespero, ENTÃO A CRISE TERÁ TERMINADO.

Um dia do ano 2014, quando os alunos chegarem às aulas e se tenha conseguido expulsar do sistema educativo 30% dos estudantes sem deixar rastro visível da façanha; quando a saúde se compre e não se ofereça; quando o estado da nossa saúde se pareça com o da nossa conta bancária; quando nos cobrarem por cada serviço, por cada direito, por cada benefício; quando as pensões forem tardias e raquíticas; quando nos convençam que necessitamos de seguros privados para garantir as nossas vidas, ENTÃO TERÁ ACABADO A CRISE.

Um dia neste ano de 2014, quando tiverem conseguido nivelar por baixo todos e toda a estrutura social (excepto a cúpula posta cuidadosamente a salvo em cada sector), pisemos os charcos da escassez ou sintamos o respirar do medo nas nossas costas; quando nos tivermos cansado de nos confrontarmos uns aos outros e se tenhas destruído todas as pontes de solidariedade. ENTÃO ANUNCIARÃO QUE A CRISE TERMINOU.

Nunca em tão pouco tempo se conseguiu tanto. Somente cinco anos bastaram para reduzir a cinzas direitos que demoraram séculos a ser conquistados e a estenderem-se. Uma devastação tão brutal da paisagem social só se tinha conseguido na Europa através da guerra.

Ainda que, pensando bem, também neste caso foi o inimigo que ditou as regras, a duração dos combates, a estratégia a seguir e as condições do armistício.

Por isso, não só me preocupa quando sairemos da crise, mas como sairemos dela. O seu grande triunfo será não só fazer-nos mais pobres e desiguais, mas também mais cobardes e resignados já que sem estes últimos ingredientes o terreno que tão facilmente ganharam entraria novamente em disputa.

Neste momento puseram o relógio da história a andar para trás e ganharam 30 anos para os seus interesses. Agora faltam os últimos retoques ao novo marco social: um pouco mais de privatizações por aqui, um pouco menos de gasto público por ali e “voila”: A sua obra estará concluída.

Quando o calendário marque um qualquer dia do ano 2014, mas as nossas vidas tiverem retrocedido até finais dos anos setenta, decretarão o fim da crise e escutaremos na rádio as condições da nossa rendição.”

Um deus popular




ANTÓNIO-PEDRO VASCONCELOS


“Aqueles que por obras valorosas se vão da lei da morte libertando”
Camões

Não há nenhum português que não se lembre da cena em que António Silva, o Anastácio de O Leão da Estrela, relatava a Filipinho (interpretado por Óscar Acúrcio) a forma como antevia o jogo entre o seu clube, o Sporting, e o Futebol Clube do Porto. Anastácio, um típico exemplar da classe média, tinha esgotado todos os estratagemas para conseguir um bilhete e uma boleia para ir ao Porto ver o jogo com o clube da Invicta.

Sentado ao lado de Filipinho, no sofá da sua sala-de-estar, um Anastácio excitado com a perspectiva do jogo, levanta-se e, enquanto se movimenta pela sala, vai relatando uma jogada imaginária, mas típica da forma de jogar dos “5 violinos”. “Já os estou a ver!”, diz ele, a bola, é lançada por Canário para Travassos, passa sucessivamente por Vasques, Albano e Jesus Correia, que centra para Peyroteo, para acabar no fundo da baliza de Barrigana! No entusiasmo do golo, António Silva dá um pontapé na mesa, virando-a e deitando ao chão o cinzeiro e os bibelôs que decoravam aquele cenário pequeno-burguês.

O filme, assinado por Arthur Duarte, é de 1947, e aproveitava habilmente o enorme êxito do Sporting naquela altura, servido como estava por um fantástico quinteto atacante, que Tavares da Silva, o grande jornalista e seleccionador Nacional, baptizara de “Os 5 Violinos”!

E quando, graças aos seus proverbiais truques, mentiras e artimanhas, consegue finalmente garantir a viagem ao Porto e o lugar no estádio, António Silva (na pele de Anastácio), assiste a um jogo emocionante, que se salda por um empate (um resultado estratégico, que não ofendia nenhum dos clubes, para não perder espectadores), mas do qual, no filme, apenas se vêm escassas imagens “ao vivo”, e, mesmo essas, intercaladas com a reacção do público. Os golos, da autoria de Peyroteo e de Araújo, os dois maiores marcadores e os maiores ídolos dos adeptos de ambos os clubes, ou porque não aconteceram no jogo ou porque não conseguiram ser filmados, nem sequer nos são mostrados: vemos apenas a bola a entrar na baliza, numa montagem habilidosa, mas demasiado óbvia. O filme mostra-nos ainda Pedro Moutinho a relatar o jogo, uma imagem recorrente durante a cena do estádio, que serve também para escamotear as jogadas que não vemos.

A “comédia à portuguesa” é o espelho do que foi Portugal durante o salazarismo, e este filme, como os outros de Arthur Duarte, e como antes as comédias de Cottinelli Telmo e as dos irmãos Ribeiro, serve para percebermos o que era o país daquele tempo. Os jogos de futebol (um desporto grosseiro, execrado pelo Regime, que via nele um desprezível e perigoso espectáculo de massas e uma ofensa àquilo que se devia cultivar: a “educação física”), viviam apenas do relato ao vivo, através da rádio, que entretanto se tornara popular, como se vê noutro filme de Arthur Duarte, O Costa do Castelo, quando António Silva, sempre ele, quatro anos mais cedo, oferecera uma telefonia a Luisinha, uma novidade que deixa a família dos senhorios positivamente de boca aberta.

A caixa que mudou o futebol

Era preciso esperar mais treze anos depois deste filme, para a televisão substituir a rádio e se impor a pouco e pouco em todos os lares, e é preciso esperar uns bons anos mais para termos os jogos de futebol regularmente na televisão.

É por essa altura, no início dos anos ’60, que surge Eusébio e a equipa de sonho do Benfica, que veio destronar a hegemonia do Sporting e d’ “Os 5 violinos”, que começara a declinar desde que Peyroteo, desiludido, decide retirar-se em 1949, aos 31 anos. Peyroteo foi o que se chama “uma lenda viva”, com uma média de golos marcados ao longa da carreira (1,6 por jogo, o que constitui, ainda hoje, um record mundial), mas não existe um único golo seu filmado, e a única jogada que nos faz imaginar o que este “avançado-centro” foi como jogador (para os que nunca o viram jogar) é um lance de poucos segundos, em que ele aguenta a carga de um adversário e, já na grande-área, passa a bola para trás (aparentemente para Albano), mas a imagem acaba aí.

A reputação dos grandes jogadores, para além da linguagem fria dos números, vivia então da memória dos happy few, dos que tinham estado no campo de batalha, como os companheiros de Henrique V, em Agincourt, e assistido ao vivo aos jogos que faziam deles ídolos da imaginação popular. Como no boxe ou na ópera, no atletismo ou na tourada, antes da televisão e, sobretudo, antes do directo, o registo das performances dos ídolos ficava reservado a esses privilegiados que tinham assistido, ao vivo, ao espectáculo, e que, depois, com maior ou menor justeza ou imaginação, conseguiam transmitir e ampliar o fascínio que aqueles momentos históricos representavam - em relatos muito semelhantes ao da jogada imaginada por Anastácio n’ O Leão da Estrela.

Eusébio, que foi coroado “Rei” aos olhos do mundo, na World Cup de 66, em Inglaterra, é o primeiro grande jogador português da era da televisão global; nesse ano, os portugueses puderam ver em directo, pela primeira vez nas suas vidas, os feitos da Selecção Nacional; puderam sofrer com os jogos e vibrar com as exibições e as vitórias da “equipa das Quinas”, admirar os seus “heróis”, e, numa época de opressão, de guerra, de emigração e de miséria, resgatar assim a desonra e a humilhação de sermos a nação mais atrasada da Europa.

O Mundial de ‘66 foi o primeiro Campeonato do Mundo transmitido em directo para a Europa - os brasileiros só teriam esse privilégio na próxima Copa do Mundo, que iriam ganhar, quatro anos depois, no México. A preto-e-branco, sem dispor ainda de tudo o que rodeia hoje as transmissões de futebol (cor, ecrã 16/9, mais próximo das proporções do relvado, HD, que favorece a ilusão de realidade, repetições, ralentis, estatísticas, mais de 30 câmaras, linhas que permitem fiscalizar os erros dos árbitros, etc), a equipa de Eusébio, na Selecção Nacional e no Benfica, é a primeira equipa portuguesa a ter uma projecção universal através da televisão - essa caixa que veio alterar em tudo a percepção do futebol, aumentar a sua popularidade, movimentar milhões e permitir conhecer de perto os “deuses do estádio”.

Dos ícones indiscutíveis do futebol – Di Stefano, Puskas, Pélé, Eusébio, Maradona, o que deixa de fora génios como Mazzola, Garrincha, Koksis, Kubala, Kopa, Best, Cruyf, Plattini, Bettega, Gullyt, Zidane e tantos outros – só Maradona, 20 anos mais novo que Eusébio, e 30 do que Pélé, tem a sua carreira totalmente coberta pela televisão, sendo Pélé e Eusébio os jogadores da transição, com muitos jogos filmados, mas só metade da carreira coberta em directo pelo pequeno ecrã. Mas, mesmo assim, muitos dos golos e das jogadas de Di Stefano e de Puskas, ao contrário do que aconteceu com Jesus Correia, Vasques, Peyroteo, Travassos e Albano, estão documentadas em filme - e ajudam-nos a perceber a razão da sua idolatria.

A Idade da Inocência

Que concluir daqui? Que a televisão – e o vídeo, sobretudo depois da revolução digital - mudou o mundo do futebol, deu-lhe uma dimensão planetária, alterou o estatuto dos jogadores e o escrutínio do seu desempenho - para não falar da revolução nos métodos de treino e na possibilidade de analisar ao detalhe os modelos de jogo das equipas adversárias.

Mas, por ter sido uma novidade que ele não conhecia e muito menos dominava, e porque desconhecia o seu impacto, a relação de Eusébio com as câmaras era uma relação inocente. Maradona, além de um genial jogador, era exímio em gerir a relação com as câmaras (e basta lembrar a última imagem com que ele sai do Mundial dos Estados Unidos, e, com isso, da História do futebol, em que, depois de marcar o terceiro golo da sua equipa à Grécia, corre para a câmara mais próxima e grita em Grande Plano a sua révanche efémera contra Havelange e os que o queriam destruir). Mas, ao contrário do génio argentino, Eusébio, esse - que, em ’66, também foi captado pelas câmaras, que ajudaram o mundo a descobrir o seu génio –, nunca teve consciência disso. O seu jogo, o seu estilo, os seus gestos, não foram condicionados pela percepção de que estava a ser filmado, não foram gestos para o ecrã. Quando foi buscar a bola ao fundo das redes para a repor rapidamente no centro do terreno, depois de ter marcado o primeiro dos quatro golos seguidos que iria marcar à Coreia do Norte, quando cumprimenta o guarda-redes adversário depois de uma defesa que lhe tira um golo dos pés, ou quando chora agarrado à camisola de Portugal, gestos que o qualificaram como desportista exemplar, Eusébio não se deu conta, em nenhum momento, que estava a ser filmado. É esse gosto quase infantil pelo jogo, o prazer simples de jogar à bola e de ganhar, essa pureza, que se confunde com a inocência, que as câmaras captaram e que hoje se perdeu - a inocência que também tinham Di Stefano, Puskas ou Georges Best, mas que, em Eusébio, revelava, além de um ser humano excepcional, um novo estilo de jogador.

Quando vemos hoje as imagens das jogadas e dos golos de Di Stefano ou de Puskas, de Garrincha ou de Best, é o génio do drible, do oportunismo, da leitura do jogo, do controlo da bola, do remate colocado, que nos encantam e extasiam. Mas, mesmo se eram rápidos a pensar e executar, eles eram génios de um futebol mais lento e habilidoso, com defesas mais permissivas, um futebol moldado à imagem do temperamento sul-americano - e não é por acaso que, entre os cinco deuses do futebol moderno, estão dois argentinos e um brasileiro.

A novidade de Eusébio, pelo contrário, era o poder de arranque, a mudança brusca de velocidade, a finta em corrida, o remate forte e colocado, com o corpo todo lançado para frente, como uma “pantera negra”! Ele era, para os adversários, o perigo à solta!

Foi essa descoberta que encantou os portugueses, mas também a revelação de que Eusébio e os seus colegas tinham sido vistos e admirados pelo mundo inteiro, em directo ou em diferido, e que isso projectava de Portugal uma versão lisonjeira que nos engrandecia e nos resgatava da imagem de um país miserável, atrasado e oprimido, ao arrepio das democracias europeias do pós-guerra.

“A Aldeia Global”

Essa projecção que o Mundial de Inglaterra lhe dá, depois da vitória em Amsterdão e da Bola de Ouro da famosa revista France-Footbal, em ’65, é uma novidade, e ilustra o início da Idade dos Media - aquilo que MacLuhan anteviu como sendo a futura “aldeia global”. De um momento para o outro, o miúdo pobre de Lourenço Marques transforma-se num ícone mundial, a sua imagem projecta-se, da aldeia de Mafalala para o planeta Terra!

Para o regime, que sempre olhara o futebol com desprezo e depois com desconfiança, e que via num clube popular, como era o Benfica, uma ameaça para o regime, (depois de ter proibido o Hino, por se chamar Avante, e que a equipa fosse apelidada de “os vermelhos”, Coluna chegou a ser chamado à PIDE, por suspeita de relações com a FRELIMO), esta projecção internacional do futebol e, para mais, de um negro, era vista como um perigo de aproveitamento político por parte dos movimentos de libertação – mas, ao mesmo tempo, como uma oportunidade. Apesar da retórica, para o regime, os negros eram seres inferiores que precisavam de ser colonizados. Ora, o que o público via era que, no campo, Eusébio, como o gigante Coluna, era igual aos seus colegas brancos, igual a Germano, a José Augusto ou a Simões, os outros super-dotados que o “Pantera Negra” ofuscou – mas que, além disso, era melhor do que todos eles! Um negro tornara-se um deus das multidões, um herói da Nação, um exemplo de excelência.

Depois de ter assistido com apreensão às manifestações populares no aeroporto à chegada dos Campeões Europeus, os próceres do regime, que rodeavam o ditador, descobriram que podiam, pelo contrário, tirar partido do sucesso da Selecção: “Vejam como somos um país multirracial, que não discrimina os negros, que os integra e que aplaude os seus feitos!” – terão pensado. Num tempo em que a PIDE e a Censura impunham o silêncio à Oposição, Eusébio foi mesmo obrigado a cumprir o “Serviço Militar”, como um simples mortal, mas – hipocrisia suprema – para evitar que fosse chamado para a Guerra, foi criada – só para ele! – a especialidade militar de “condutor hipomóvel”, ou seja, condutor de carroças – coisa que não existia no teatro de guerra, o que permitiu que não fosse mobilizado para África e tivesse ficado a cumprir serviço militar na Região Militar de Lisboa.

Hoje, na era da comunicação global, que atrai para o futebol somas astronómicas, os jogadores com talento (e Eusébio tinha mais do que isso), são milionários, que fazem sonhar os jovens dos subúrbios de todas as grandes metrópoles do planeta. E, tal como as vedetas de cinema que, antes da televisão, eram stars que brilhavam num céu inacessível, afastadas do contacto com os mortais e protegidas da intrusão dos media, mas que hoje se exibem para os paparazzi, os jogadores da era da televisão têm que fazer inveja pelos carros e pelas top-models que coleccionam, pela exibição de villas de sonho ou de ilhas privadas, onde vivem acima das necessidades mesquinhas do cidadão comum.

Eusébio, o primeiro jogador português a beneficiar do estatuto de vedeta da “aldeia global”, não alterou o seu comportamento - nem a sua forma de jogar, nem o seu modo de ser. Modesto, impossibilitado pelo regime de sair para um clube estrangeiro, onde podia ter feito fortuna, ficou como era: ligado a um clube popular, que o ajudou a ser homem, onde conheceu o sucesso como jogador e onde continuou a ser admirado e idolatrado durante os anos que viveu fora dos estádios, manteve-se pobre, simples e modesto, um exemplo de desportivismo - tudo o que havia sido enquanto jogador: um deus popular, um rei plebeu, sem vaidade nem ostentação.