sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

Viva a tacanhez! Viva a carneirada!

Na refrega, a deputada do PSD berrava no hemiciclo: “Cognitivo és tu!”

FRANCISCO TEIXEIRA DA MOTA

"O projeto da direita enquanto governo sempre foi de privatização da Caixa. Aquilo que é dito aqui hoje é caso para dizer que o populismo chegou à cidade. O deputado (do PSD) Leitão Amaro, com a sua intervenção, revela uma de duas coisas: ou um profundo desconhecimento do funcionamento do Regime Geral das Instituições de Crédito ou uma disfunção cognitiva temporária", disse o secretário de Estado do Tesouro e Finanças, na passada sexta-feira, ao falar sobre a CGD na Assembleia da República.
Esclareça-se que a erudita expressão disfunção cognitiva temporária"
quer dizer uma “limitada no tempo, incapacidade de perceber e recordar” ou uma “branca”.

Infelizmente, a liberdade de expressão ou, mesmo o mero conhecimento da língua portuguesa não será um dos fortes da bancada parlamentar do PSD e a reacção – após uns momentos de estupefação pelo confronto com tantas palavras difíceis – foi heróica!



deputado Leitão Amaro

O secretário de Estado foi de imediato interrompido por numerosos deputados do PSD que, numa excitação crescente e prolongada, gritavam "é uma vergonha" e davam palmadas nos tampos ao mesmo tempo que exigiam um pedido de desculpas. O presidente da Assembleia da República, lamentavelmente, chamou a atenção ao secretário de Estado como se este tivesse proferido alguma acusação grave ou insulto soez, mas os parlamentares do PSD cada vez mais excitados, naquela alegria que a ignorância proporciona e a carneirada incentiva, continuavam a berrar impedindo o secretário de Estado de falar. É verdadeiramente pungente ver pessoas crescidas, quiçá pessoas integradas socialmente e com responsabilidades familiares, a berrarem contra palavras cujo sentido seguramente não tinham entendido. Para os deputados do PSD das últimas bancadas foi uma verdadeira rebaldaria: é confrangedor ver as imagens de uma senhora deputada a colocar as mãos abertas à volta da boca para servirem de amplificador à sua manifestação de indignação. O que gritaria ela? “Abaixo a disfunção”? “Cognitivo és tu”? “Não aos temporários”?

Certo é que quando, mais de dois minutos depois, o secretário de Estado conseguiu voltar a falar, começou – tristemente - por apresentar um pedido de desculpas: "Não foi minha intenção ofender ninguém e, se ofendi, peço desculpa por isso", o que acalmou as hostes/hordas parlamentares do PSD, que ficaram, seguramente, satisfeitas de terem cumprido o seu dever de defesa da honra cognitiva do colega de bancada.

É profundamente lamentável que a dimensão da liberdade de expressão seja entendida de uma forma tão ignorante e provinciana no coração da nossa democracia mas é o que temos.

Mais grave seguramente, neste campo do que se pode ou não dizer no debate político, são as recentes palavras do Presidente eleito dos EUA no twitter: “Não devia ser permitido a ninguém queimar a bandeira americana – se o fizerem, tem de haver consequências – talvez a perda da cidadania ou uma ano na prisão”.

A decisão do Supremo Tribunal norte-americano em 1989 no caso Texas v. Johnson que considerou protegido pela Constituição o acto de queimar a bandeira é um marco icónico na história mundial da liberdade de expressão, sendo sempre importante recordar as palavras do juiz Kennedy nesta decisão: “A dura realidade é que por vezes temos de tomar decisões que não gostamos. Fazemo-lo porque entendemos que são correctas, no sentido em que a lei e a Constituição, como nós as vemos, obrigam a tal resultado”, acrescentando “…a bandeira é uma constante na expressão das crenças que os americanos partilham, na lei, na paz e no facto de ser a liberdade que sustenta o espírito humano” e, que por isso mesmo, era “confrangedor mas ao mesmo tempo fundamental” que fosse a própria bandeira a proteger “aqueles que a desprezavam”.

Donald Trump conta, seguramente, com o Congresso, que os republicanos dominam, para aprovar uma lei federal criminalizando o queimar da bandeira e com um Supremo Tribunal com uma maioria conservadora ,que espera conseguir a curto prazo, para consumar este liberticídio.

Avizinham-se, seguramente, tempos sombrios.

Sem comentários:

Enviar um comentário