quarta-feira, 5 de agosto de 2015

O novo cheque-formação


Fausto Leite – Advogado especialista em Direito do Trabalho

Público, 2015.08.03

A formação profissional é essencial para promover o emprego dos trabalhadores e melhorar a competitividade das empresas num tempo de permanente mudança. Só com formação contínua é possível garantir a adaptação tecnológica e a inovação indispensáveis para competir no mercado global, como se prova com o êxito da indústria do calçado e do seu Centro Tecnológico.

Como preceitua o Código do Trabalho (CT), o empregador deve “contribuir para a elevação da produtividade e empregabilidade do trabalhador, nomeadamente proporcionando-lhe formação profissional adequada a desenvolver a sua qualificação”.

Por sua vez, no âmbito da formação contínua, além do dever de proporcionar a valorização profissional do trabalhador, o empregador tem a obrigação de lhe assegurar o direito individual à formação. Assim, o trabalhador efectivo tem direito, anualmente, a um número mínimo de 35 horas de formação contínua e o empregador deve garanti-la, pelo menos, a 10% dos seus trabalhadores em cada ano, enquanto o contratado a termo por período superior a três meses tem direito ao número de horas proporcional à duração do contrato.

Se o empregador não respeitar este direito, o trabalhador ficará com o crédito equivalente, com direito a retribuição ou à frequência de acções de formação, mediante o aviso prévio de dez dias. Porém, o crédito de horas para formação prescreve se não for utilizado no prazo de três anos, razão por que, muitas vezes, só após a cessação do contrato o trabalhador reclama o pagamento das 105 horas de formação.

Estes direitos têm sido violados impunemente, sobretudo nas micro, pequenas e médias empresas, sem a adequada acção inspectiva da Autoridade para as Condições do Trabalho, não obstante estarem em causa contraordenações graves. Ao invés de obrigar as empresas a cumprir as suas obrigações, o Governo pretende, agora, apoiá-las financeiramente pelo IEFP através da medida cheque-formação. Segundo o Projecto de Portaria já discutido no Conselho da Concertação Social, esta medida abrange, além dos desempregados, os trabalhadores no activo até 50 horas no período de dois anos, com o valor hora de 3,50€, no montante máximo de 175€, sendo o financiamento de 90% do valor total da acção de formação.

Contudo, este projecto permite que as candidaturas dos trabalhadores no activo sejam apresentadas pelas empresas, mesmo que tenham sido condenadas em processos contra-ordenacionais não relacionados com discriminação ou iniciado o processo especial de revitalização (PER) ou o processo do sistema de recuperação de empresas por via extrajudicial (SIREVE).

Acresce que a formação em causa pode ser ministrada fora do período normal de trabalho, ao arrepio da norma do CT, que considera o crédito de horas de formação como tempo de serviço efectivo com direito a retribuição, como se previa na versão inicial do projecto. Obviamente, não se questiona o reforço do apoio às centenas de milhares de desempregados, a maioria dos quais sem qualquer subsídio. Neste caso, os desempregados que frequentem percursos de formação até 150 horas em dois anos têm direito a uma bolsa de formação de 500 euros, além do subsídio de refeição e despesas de transporte não garantidos pela entidade formadora. Ademais, as Medidas Estímulo Emprego e Reactivar têm-se revelado ineficazes no combate ao desemprego, sobretudo, de longa duração, que afecta mais de metade dos desempregados inscritos no IEFP. Igualmente, o Programa de Estágios Profissionais tem favorecido a precariedade com reduzida taxa de integração na vida activa. Segundo o Tribunal de Contas, em 2014, só 33% dos estagiários foram integrados no mercado de trabalho.

Diferentemente, no tocante aos trabalhadores no activo, não se compreende que o Governo, em vez de punir as entidades infractoras com as coimas aplicáveis às violações das normas sobre formação profissional, pretenda beneficiá-las com cheques-formação à custa do Estado!

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