segunda-feira, 14 de abril de 2014

Ave, Teodora!




FRANCISCO TEIXEIRA DA MOTA Público,

28/03/2014



Teodora (não sejas sonora...)
 
Os que vão ser esmifrados te saúdam! E mais te agradecem por os teres ajudado a ver o túnel ao fim da luz, a compreender a sua imensa irrelevância perante o infinitamente misericordioso e omnipotente Estado! Atiraste-nos à cara com o ovo de Colombo: obrigatoriamente, os ordenados dos cidadãos portugueses serão depositados nos bancos em contas-poupança e, por cada levantamento que fizerem, terão de pagar um imposto ao Estado.
Claro que já todos sabíamos que aquilo que recebemos em troca do nosso trabalho pertence ao Estado. E à banca, naturalmente. Mas só tu, ó Teodora, foste capaz de sugerir publicamente que o Estado continue a deixar-nos utilizar esse dinheiro que Lhe pertence. E só a troco de uma pequena remuneração, taxa ou imposto, suavemente cobrada de cada vez que tivermos um impulso despesista. Custa a acreditar em tanta generosidade. São verdadeiros arrepios de prazer que sentimos ao imaginar este futuro radioso que nos auguras.
E estamos todos certos que esta tua ideia, que, modestamente, classificaste como interessante e que, com inteira justiça, consideramos como genial, vai ser lembrada pelos vindouros como o começo de uma era de felicidade e de paz entre os povos.
Ave, ó Teodora, porque nos fizeste ver, a nós que andávamos absurdamente preocupados com o crescimento descontrolado do Estado e a sua sistemática invasão da nossa privacidade, que, afinal, nós é que nos estávamos a pôr em bicos dos pés, nós é que estávamos a ser arrogantes, cegos e mesmo, porque não dizê-lo, estúpidos.
Nós que, por exemplo, ao lermos as notícias sobre a actuação da NSA e os programas de vigilância electrónica utilizados pelos EUA para espiarem a população norte-americana e de todo o mundo, pensámos que o Estado, na sua luta contra o terrorismo, estava francamente a exagerar, temos de reconhecer humildemente, agora e graças a ti, que quem estava a exagerar éramos nós.
Nós, que seríamos capazes de censurar com veemência os tribunais egípcios por condenarem à morte 529 muçulmanos por terem participado em manifestações das quais resultou um polícia morto, compreendemos, agora e graças a ti, que estaríamos a errar e que, por cada polícia, por cada representante de um Estado que morre, o extermínio de mil cidadãos não é suficiente.
Porque a Verdade, e só tu, ó Teodora, a revelaste, é esta: no princípio, era o Estado. E só depois, não ao sétimo dia mas ao fim do mês, o Estado segregou os cidadãos, um a um, para O servirem e para O glorificarem até ao fim dos tempos.
Nós, que não somos mais do que míseros grãos de areia perante a imensidade do Estado, tivemos, até segunda-feira passada, a estultícia de considerarmos que as nossas vidas eram nossas e que o nosso dinheiro era nosso. Não são e não é. Como é meridianamente claro, tudo vem do Estado e tudo vai para o Estado!
Nós – só agora o entendemos – mais não somos do que precários utilizadores dos bens do Estado. E isso conforta-nos, sendo mesmo um verdadeiro agasalho para os espíritos perturbados e iludidos que fomos até terça-feira passada. A nossa gratidão ao Estado por, segundo as tuas sábias palavras, só nos vir a cobrar uma parcela dessa imensa riqueza que nos cede mensalmente – mais a uns do que a outros, é certo –, é incomensurável, sem dúvida.
Mas uma dúvida nos atravessa a mente e a tua ajuda pedimos, ó Teodora.
Como fazer com aqueles a quem o Estado cedeu o dinheiro e se viram obrigados a colocá-lo em offshores? Como proceder com aqueles que guardam o dinheiro do Estado nos seus colchões e enxergas? Como proceder com aqueles que a sua vida é “chapa ganha, chapa gasta”? Ou, ainda, como assegurar que os arrumadores de carros ou os meros pedintes controlam as suas despesas quando utilizam o dinheiro – muito ou pouco, tanto faz – que ao Estado pertence? E será que os 25% dos cidadãos portugueses que, segundo as estatísticas, estão em risco de pobreza serão sensíveis à necessidade de combater o despesismo?
Estas dúvidas, que rapidamente se podem tornar em angústias e mesmo em crises de fé, exigem respostas urgentes. Tenho, contudo, a certeza que, se não tu, ó Teodora, qualquer outro dos sacerdotes que decerto te acompanham, sejam eles ex-ministros das Finanças, jornalistas económicos ou governantes encartados, no dará as respostas certas e exactas que nos farão descansar de novo. Porque, agora que já vimos o túnel, não mais queremos ser abandonados num mundo de incertezas e de interrogações. Na verdade, desde terça-feira passada, tudo se tornou tão claro e luminoso que se nos torna insuportável a sombra sequer da dúvida.

Porque, agora sim, percebemos que, quando o Estado gasta em submarinos ou em estádios de futebol, mais não está do que a gastar o que é Seu. Mais não está do que a fazer o que Lhe cabe. E a nós, o que nos cabe é pagar, devolver-Lhe o que Lhe pertence, para que possa viver em paz e sem défices.
Obrigado, ó Teodora!


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