terça-feira, 7 de janeiro de 2014

As pensões são dívidas do Estado?





Por Ricardo Reis

Esta questão é crucial para os debates atuais. Se as pensões públicas são uma dívida, então o Estado não pode unilateralmente decidir pagar menos aos atuais pensionistas. Claro que, se não houver dinheiro, não paga, mas nesse caso temos de discutir se a dívida aos pensionistas tem precedência ou não sobre a dívida aos fornecedores do Estado, aos seus trabalhadores, e sobretudo a quem lhe emprestou dinheiro, incluindo a troika.

Em parte alguma da nossa Constituição são referidas as pensões como dívida. Foi em parte por isso que o nosso TC discutiu o princípio geral da “confiança”, tal como eu fiz na coluna da semana passada. Mas para ganhar alguma perspetiva sobre a questão desta coluna podemos olhar para outros países. Um caso útil é o dos Estados Unidos da América, mais não seja porque o FMI tem obrigação de o conhecer.

Nos EUA, cada estado tem um sistema de pensões públicas para os seus trabalhadores. Professores, bombeiros e polícias são funcionários de um dos 50 estados que formam os EUA ou dos municípios. Para além dos descontos para a Segurança Social federal, estes funcionários contribuem para o fundo estatal ou municipal, recebendo depois pensões de acordo com as leis desse estado. As quantias não são pequenas: o sistema de pensões estadual tem um défice de cerca de 3 biliões de dólares.

O que diz a Constituição do Illinois, um dos maiores estados americanos, sobre as pensões? O artigo 13.o, secção 5 diz (tradução minha): “Ser membro de qualquer sistema de pensões do Estado ou pensão, de qualquer unidade do governo local ou distrito escolar, ou de qualquer agência ou instituição semelhante, é uma relação contratual de pleno efeito, cujos benefícios não serão diminuídos ou reduzidos.” Ou seja, sem margem para dúvidas, o Estado do Illinois não pode cortar as pensões dos funcionários públicos. As Constituições do Alaska, do Arizona, do Hawaii, do Louisiana, do Michigan e de Nova Iorque também têm artigos onde é dito claramente que as pensões não podem ser “diminuídas ou reduzidas”.

Nova Iorque é um bom exemplo porque em 1975 a cidade, onde na altura viviam 7,9 milhões de pessoas, foi à falência. O município não pagou os títulos de dívida que tinha emitido, cortou salários públicos e despediu 61 mil pessoas. No entanto, as pensões não foram cortadas nem um cêntimo. A proteção constitucional pôs a dívida das pensões acima das outras dívidas da cidade.

O distrito de Orange County, na Califórnia, onde moram 3 milhões de pessoas, também faliu em 1994, depois de um escândalo em que o tesoureiro perdeu 1,7 mil milhões nos mercados financeiros. Em resposta, o orçamento do distrito teve de ser cortado 40% e mais de mil pessoas foram despedidas. Mas as pensões foram pagas a 100%.

Obviamente, as leis estrangeiras não têm relevância jurídica para as decisões do nosso TC. Mas têm muita relevância para a discussão que a nossa sociedade deve ter sobre este tema, que é bem mais importante do que um acórdão ou outro.

Professor de Economia na Universidade de Columbia, Nova Iorque
Escreve ao sábado

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