segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

ANA, grávida da nova Lisboa


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PUBLICADO NO JORNAL DE NOTÍCIAS

*Ah sim, o discurso de Cavaco. Talvez, talvez, depende, "eu avisei". Sempre
tarde. Adiante. Falemos de coisas concretas e consumadas: o casamento da
ANA uma historieta que tem tudo para sair muito cara. Passo a explicar: a
ANA geria os aeroportos com lucros fabulosos para o seu pai, Estado, que,
entretanto falido, leiloou a filha ao melhor pretendente. Um francês de
apelido Vinci, especialista em autoestradas e mais recentemente em
aeroportos, pediu a nossa ANA em **casamento. E o Estado entregou-a pela
melhor maquia (três mil milhões de euros), tornando lícita a exploração
deste monopólio a partir de uma base fabulosa: 47% de margem de exploração
(EBITDA).*
*O Governo rejubilou com o encaixe... Mas vejamos a coisa mais em pormenor.
O grupo francês Vinci tem 37% da Luso ponte, uma PPP (parceria
público-privada) e assente numa especialidade nacional: o monopólio (mais
um) das travessias sobre o Tejo. Ora é por aqui que percebo por que **consegue
a Vinci pagar muito mais do que os concorrentes à ANA. As estimativas
indicam que a mudança do aeroporto da Portela para Alcochete venha a gerar
um tráfego de 50 mil veículos e camiões diários entre Lisboa e a nova
cidade aeroportuária. É fazer as contas, como diria o outro...*

*Mas isto só será lucro quando houver um novo aeroporto. Sabemos que a
construção de Alcochete depende da saturação da Portela. Para o fazer, a
Vinci tem a faca e o queijo na mão. Para começar pode, por exemplo, abrir
as portas à Ryanair. No dia em que isso acontecer, a low-cost irlandesa
deixa de fazer do Porto a principal porta de entrada, gerando um
desequilíbrio turístico ainda mais acentuado a favor da capital. A Ryanair
não vai manter 37 destinos em direcção ao Porto se puder aterrar também em
Lisboa. Portanto, num primeiro momento os franceses podem apostar em baixar
as taxas para as low-cost e os incautos aplaudirão. Todavia, a prazo,
gerarão a necessidade de um novo aeroporto através do aumento de
passageiros. Quando isso acontecer, a Vinci (certamente com os seus amigos
da Mota-Engil) monta um apetecível sindicato de construção (a sua
especialidade) e financiamento (com bancos parceiros). A obra do século em
Portugal. Bingo! O Estado português será certamente **chamado a dar avais e
a negociar com a União Europeia fundos estruturais para a nova cidade
aeroportuária de Alcochete. Bingo! A Portela ficará livre para os
interesses imobiliários ligados ao Bloco Central que sempre existiram para
o local. Bingo! Mas isto não fica por aqui porque não se pode mudar um
aeroporto para 50 quilómetros de distância da capital sem se levar o
comboio até lá. Portanto, é preciso fazer-se uma ponte ferroviária para
ligar Alcochete ao centro de Lisboa.*

*E já agora, com tanto trânsito, outra para carros (ou em alternativa uma
ponte apenas, rodo ferroviária). Surge portanto e finalmente a prevista
ponte Chelas-Barreiro **(por onde, já agora, pode passar também o futuro
TGV Lisboa-Madrid). Bingo! E, já agora: quem detém o monopólio e know-how
das travessias do Tejo? Exactamente, a Lusoponte (Mota-Engil e Vinci). Que
concorrerá à nova obra. Mas, mesmo que não ganhe, diz o contrato com o
Estado, terá de ser indemnizada pela perda de receitas na Vasco da Gama e
25 de Abril por força da existência de uma nova ponte. Bingo! Um destes
dias acordaremos, portanto, perante o facto consumado: o imperativo da
construção do novo grande aeroporto de Lisboa, em Alcochete, a
indispensável terceira travessia sobre o Tejo, e a concentração de
fundos **europeus
e financiamento neste colossal investimento na capital. O resto do país
nada tem a ver com isto porque a decisão não é política, é privada, é o
mercado...*

*E far-se-á. Sem marcha-atrás porque o contrato agora assinado já o previa
e todos gostamos muito de receber três mil milhões pela ANA, certo?*
*O casamento resultará nisto: se correr bem, os franceses e grupos
envolvidos ganham. Correndo mal, pagamos nós. Se ainda estivermos em
Portugal, claro.*

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